Quarta-feira, 14 de julho de 2021 - 06h00
Bagé, 14.07.2021
Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXXIX
Descalvados – Cáceres II
Relatos Pretéritos
05.01.1914
Rondon
Prosseguindo a viagem, chegamos, na tarde do dia 5, à cidade de S. Luiz de Cáceres, cuja população, bem como a
oficialidade do 5° Batalhão de Engenharia, prestou as costumadas homenagens ao
nosso hospede. (RONDON)
Pereira da Cunha
Às 04h00, novo encalhe vem surpreender-nos, desta vez, porém, sem choque
violento, mas, por esse mesmo motivo, tendo o navio entrado muito pelo suave
declive do banco, só após duas horas de rude e constante trabalho foi possível
safá-lo e continuar a viagem para Cáceres, em pleno dia 5. [...]
Às 17h00 desse dia 5, chegamos
a Cáceres, velhíssima marginante do extenso Paraguai e escala forçada da
outrora Capital da Província, a velha e abandonada cidade de Mato Grosso. Ao
longo de todo o alto barranco em que repousa a velha cidade apinhava-se quase
toda a sua população.
As girandolas ([1]) de
foguetes, indispensáveis e clássicos nos acontecimentos do nosso interior,
subiam anunciando a nossa chegada, e o “Nyoac”,
atracando à ladeira de barro que, à guisa de cais e escadaria, dá acesso ao
barranco, aí encontrou a oficialidade da guarnição de Cáceres e representantes
da Câmara, que vieram trazer as boas-vindas a Roosevelt, não tendo sido
esquecida a banda de música, companheira inseparável dos foguetes.
Desembarcamos e seguimos através de algumas ruas da vetusta S. Luiz, e,
apesar da falta de calçamento e estreiteza das mesmas, da casaria baixa e do
pequeno movimento da cidade, logo nos sentimos presos pelo “nacionalismo” que aí se respirava, pelo
cunho característico de cidade brasileira do interior, pela lhaneza ([2]) de sua
boa gente. Uma das coisas interessantes que me despertaram a atenção na cidade
a que acabávamos de aportar, foram as venezianas, são feitas de sarrafos de
madeira, estreitos e cruzados em diagonal, formando pequenos paralelogramos, e
quis eu ver nessa insignificância uma reminiscência espanhola, oriunda, por sua
vez, da influência mourisca do “moucharabieh”
([3]).
Quem, pelas estreitas vielas, foi ao cais de Bulah, aos mercados, ou
enfim, já viu o velho Cairo, não pode deixar de ser tomado por esse sentimento
de aproximação entre o artístico “moucharabieh”
e as interessantes venezianas da nossa longínqua cidade patrícia, mas, não são
apenas as originais persianas que despertam a nossa atenção. [...]
Acompanhamos Roosevelt até a casa do Tenente Lyra, um dos membros da
Expedição que aí a aguardava, e dispersamo-nos pela cidade, uns percorrendo
suas ruas, outros comprando mais uma ou outra coisa que lhes faltava para a
investida do Sertão, pois estavam no último mercado onde seria possível
prover-nos, e essa praça ultrapassou de muito a nossa expectativa, pelos
grandes recursos comerciais de que dispõe, apesar do extremo afastamento dos
centros comerciais e chamados civilizados.
Roosevelt, na célebre caçada de 1° de janeiro, tendo sido diversas vezes
obrigado a nadar, teve, em consequência, parado o seu relógio, velho
companheiro da guerra de Cuba que ele muito estimava, e, como não houvesse
tempo para fazer funcionar de novo tal relógio, estava eu, depois de ter feito alguns
passeios, em uma casa de negócio, com Kermit, onde este escolhia um relógio
novo para seu ilustre pai, quando recebi um chamado urgente do Coronel Rondon.
Rápido em atendê-lo, fui à casa em que se hospedara Roosevelt, e aí
encontrando o nosso Coronel, dele recebi uma missão diplomática originada por
uma interpretação errônea de um seu telegrama, que o deixava um tanto tolhido ([4]) junto
de Roosevelt.
Para satisfazer o justo desejo do nosso hóspede, que, como já dissemos,
não estava preparado para solenidades e pompas, Rondon telegrafou para Cáceres
pedindo que o não constrangessem com recepções e banquetes, para o que ele não
estava preparado, e, tendo sido tal recomendação atendida demasiado ao pé da
letra, soube Rondon, já bastante tarde, que não havia jantar algum para
Roosevelt... nem para nós.
Foi nessas circunstâncias que me chamou o nosso chefe, para que eu
manobrasse de modo tal que houvesse jantar para todos a bordo do nosso salvador
“Nyoac”, e para que Roosevelt fosse
prevenido com bastante diplomacia, afim de evitar qualquer mau efeito. “Le rusé Commandant” saiu-se
perfeitamente da sua missão, mas, à sobremesa do nosso mágico jantar, tomando a
taça de champanhe e um ar de grande seriedade, ofereci, nos termos vulgares
usados nessas ocasiões, aquele jantar a Roosevelt, em nome do Intendente de
Cáceres...
No meio das risadas que despertou o inesperado oferecimento, cuja malícia
sou forçado a confessar, o nosso distinto hóspede, tomando esse mesmo ar de
solenidade oficial, entrou a responder-me com a chapa do costume, chapa tão
batida que Kermit auxiliava a sua emissão intercalando frases já suas velhas
conhecidas. Tiveram assim pleno sucesso o jantar e as pilhérias, e, como
estivéssemos em tão boa disposição de ânimo, Roosevelt, que tem o grande mérito
da franqueza e não esconde as suas “gaffes”,
contou-nos o que lhe sucedera, naquela tarde, relativamente ao disparate de uma
sua observação. A banda de música, que havia figurado na nossa recepção,
tinha-nos acompanhado e, por algum tempo, tocado em frente à casa de Roosevelt,
o mestre de tal banda de música, regendo-a e tocando com desembaraço, era um
homem de estatura regular, sólidos músculos, tez fortemente bronzeada, pouco
bigode, nenhuma barba, olhos negros e cabelos também negros, escorridos, bem
lisos e luzidios. Ora, se bem descrevi o tipo do mestre da banda, todos viram
nele um nosso bugre ou um mestiço com forte dose de sangue de índio, e
Roosevelt, grande observador, logo notando esse fato, começou a refletir sobre
a tão perfeita adaptação, se o homem era bugre, ou sobre a nenhuma influência
da sua origem, se fosse mestiço.
Justamente curioso com aquele caso observado em larga escala no tão
distinto Coronel Rondon, Roosevelt chamou o mestre da banda e, interrogando-o
por meio de um intérprete, soube que aquele homem de tez brônzea, olhos negros
e cabelos escorridos, era pura e simplesmente italiano. (CUNHA)
Relatos Pretéritos
06.01.1914
Pereira da Cunha
No dia seguinte, pela manhã, passeando pelas tranquilas ruas de Cáceres,
avistei um edifício em construção, de grandes proporções e magnífica
aparência, e soube, com vivo prazer e não sem algum espanto, que era destinado
a uma grande escola pública, que estava sendo edificada sob os moldes
paulistas, e que uma missão de professores, também paulistas contratada pelo
Estado, estava espalhada por algumas das principais cidades, tendo sido Cáceres
contemplada nesse número. Fui bastante feliz por ter ensejo de travar
conhecimento com o jovem educador que aí se achava e, com ele visitando as
antigas escolas, tive conhecimento do progresso obtido aí e em outras cidades
de Mato Grosso. Roosevelt que, como homem inteligente e experimentado
estadista, liga uma grande importância ao magno problema da instrução, teve palavras
muito elogiosas para com o professor, a quem apresentei e, à página 127 ([5]) do seu
interessante livro, cita com elogio o fato que ali fica exposto e que tanto me
satisfez. (CUNHA)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
https://www.youtube.com/watch?v=GPT99KsJjD8&t=38s
https://www.youtube.com/watch?v=z6sVrma9a24
https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s
Bibliografia
CUNHA,
Comandante Heitor Xavier Pereira da. Viagens e Caçadas em Mato Grosso: Três
Semanas em Companhia de Th. Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Livraria Francisco Alves, 1922.
RONDON, Cândido Mariano da
Silva. Conferências Realizadas nos dias
5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no
Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição
Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia
do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒
Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Girândolas: roda ou travessão onde são postos foguetes para serem
queimados ao mesmo tempo.
[2] Lhaneza: singeleza.
[3] Moucharabieh: gelosia geralmente de madeira que cobre toda a
extensão de uma janela, protegendo o interior do aposento da luz e permitindo
que se observe o exterior sem ser visto.
[4] Tolhido: embaraçado.
[5] Página 127: Mas ali mesmo em Cáceres o espírito do novo Brasil já
ia penetrando; fora construído um belo edifício público para grupo escolar.
Fomos apresentados ao diretor, um homem esforçado que realiza excelente obra,
um dos muitos professores trazidos nos últimos anos para Mato Grosso, de São
Paulo, centro do novo movimento educacional que muitíssimo fará em benefício do
Brasil. (ROOSEVELT)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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