Quinta-feira, 8 de julho de 2021 - 06h03
Bagé, 08.07.2021
Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXXV
Descalvados – II
Jaime Cibils Buxareo comprou a fazenda do Cambará por 557.572$800 réis
[quinhentos e cinquenta e sete contos, quinhentos e setenta e dois mil e
oitocentos réis], com uma entrada de 150.012$800, devendo o restante ser pago
em letras vencíveis em seis, doze, dezesseis, dezoito, vinte e quatro, vinte e
oito e quarenta meses.
Nesse valor estavam incluídas as terras de todas as sesmarias do Major
João Carlos Pereira Leite, situadas à margem direita do Rio Paraguai, entre o
Rio Jauru, ao Norte, e a lagoa Uberaba ao Sul.
Estavam incluídas também, suas benfeitorias, bem como todo o gado,
animais cavalares e animais de criação. O gado foi calculado por Buxareo como
tendo entre 150 e 180 mil cabeças. A venda foi efetuada em 11.10.1881.
A sesmaria de Descalvados, então, já pertencente ao argentino Rafael Del
Sar, também foi comprada por Jaime Cibils Buxareo pelo valor de 65 contos de
réis, pagos pela sesmaria e pelas benfeitorias, equipamentos e instalações da
Charqueada. Em seu diário Buxareo diz que o valor pago a Rafael Del Sar já
fazia parte do total pago pela Fazenda do Cambará. No entanto a escritura de
compra e venda firmada entre eles diz que o valor foi pago à vista ao próprio
Del Sar.
Para intermediar a transação e acompanhar o pagamento das prestações, bem
como para requerer os autos de medição das terras que havia comprado, junto ao
Governo da Província de Mato Grosso, Jaime Cibils Buxareo contratou o
desembargador Firmo José de Matos, comerciante de terras em Corumbá, a quem
estabeleceu procuração para esse fim. Em seguida Jaime Cibils Buxareo começou a
examinar o melhor local para instalar a sua fábrica de extrato de carne.
A opção da margem da lagoa Uberaba, localizada no estremo Sul da fazenda
do Cambará, tinha a vantagem de ser um local onde o leito do Rio Paraguai era
mais profundo, o que permitiria a atracação de embarcações de maior calado,
semelhantes àquelas que se deslocavam pelo Rio Paraguai até Corumbá.
Com isso não seria necessário fazer o transbordo das mercadorias o que
reduziria bastante o tempo de viagem até Montevidéu ou Buenos Aires. A outra
opção seria a Sesmaria de Descalvados, onde estava localizada a Charqueada
construída por Rafael Del Sar, localizada no centro da Fazenda do Cambará,
local que permitiria o acesso mais rápido aos rebanhos de gado de todas as
demais sesmarias. Após analisar as duas opções, Buxareo decidiu montar a sua
fábrica de extrato de carne onde estava a antiga charqueada de Rafael Del Sar.
A partir desse momento toda a antiga fazenda do Cambará passou
rapidamente a se chamar Descalvados, porque foi na Sesmaria desse nome que
passou a funcionar a sede do novo empreendimento de Jaime Cibils Buxareo. Sua
dimensão, de cerca de um milhão de hectares, se encarregaria de consolidar seu
nome como o equivalente ao conjunto das sesmarias, conjunto algumas vezes
chamado de “domínios do Descalvados”.
Após tomar essa decisão, Buxareo passou a se dedicar à organização do
funcionamento da fazenda e da fábrica, da força de trabalho e da administração
de seu novo empreendimento. De fato começou a reorganizar toda a estrutura de
funcionamento e administração de Descalvados, preparando aquela rústica
Charqueada e fazenda para que funcionasse como uma moderna fábrica, como um
grande empreendimento capitalista.
Uma das preocupações de Buxareo era com a questão da legalização das
terras de Descalvados, até aquele momento, não efetivada. O Major João Carlos
Pereira Leite havia feito a medição de forma esparsa, salteando as sesmarias,
de tal forma que foram medidas somente aquelas que não eram atingidas pelas
enchentes do Pantanal, ficando as demais sesmarias sem medir.
Isso somente seria revelado mais tarde, quando Jaime Cibils Buxareo pediu
o reconhecimento dos títulos da totalidade das sesmarias que possuía, reunindo
toda a área da antiga Fazenda do Cambará.
Essa situação acabou criando embaraços para Buxareo, como veremos. No
entanto Buxareo sabia dessa situação, visto que havia percorrido os campos de
Descalvados e calculado a área das terras que estava comprando.
Outro problema detectado por Jaime Cibils Buxareo, ainda em relação às
terras da antiga Fazenda do Cambará, foi que essas terras continuavam em
direção ao Oeste, do outro lado do Corixo Grande, cruzando a fronteira do
Brasil com a Bolívia e adentrando em território boliviano. No território
boliviano havia duas sesmarias que pertenciam à Fazenda do Cambará: Salinas e
Santa Fé.
Aqui é necessário fazer um curto comentário. O fato de que existiam duas
sesmarias em território da Bolívia, que tinham pertencido ao Major João Carlos
Pereira Leite, indicava o tamanho das terras daquele membro da antiga
oligarquia agrária mato-grossense. Por outro lado, e é isso que mais nos
interessa, indica a ausência de demarcação de limites entre os territórios do
Brasil e da Bolívia, apesar do acordo para fixação desses limites ter sido
ajustado em 1867, ainda durante o período da Guerra do Paraguai. Mais de 15
anos haviam se passado e os limites não tinham sido demarcados.
Isso fazia com que os proprietários brasileiros [e talvez bolivianos, de
outro lado] movimentassem os limites de suas terras para o lado, em direção ao
território vizinho, na expectativa de que essas terras fossem reconhecidas como
suas e, portanto, pertencentes ao Brasil, quando essa região da fronteira fosse
demarcada. Com isso, na prática, estariam expandindo o território do Brasil.
Como veremos, essa situação irá perdurar até o início do século XX, quando
explodirá a Questão do Acre, com todas as consequências dela advindas.
Para Buxareo, no entanto, criou-se uma situação em que as terras de
Descalvados eram recortadas pela fronteira do Brasil com a Bolívia. Essa
situação viria lhe trazer dissabores, com constantes invasões de ladrões de
gado, provenientes do território boliviano.
Para resolver os problemas imediatos que essa situação criou, Jaime
Cibils Buxareo logo tratou de entrar em contato com as autoridades bolivianas,
com quem discutiu a situação do trânsito de animais de um lado para outro da
fronteira, questão importante para seu empreendimento, que dependia
fundamentalmente do gado como matéria prima.
Buxareo definiu também que Descalvados seria uma fábrica de carnes
conservadas, incorporando os últimos avanços tecnológicos. A fábrica seria
movida por máquinas a vapor, que acionariam carpintarias, bombas de água e
ferraria, possuindo ainda um ancoradouro próprio.
Quanto à organização da força de trabalho da fábrica e da criação de
gado, Buxareo procurou separar as atividades mais rústicas das mais
sofisticadas. As primeiras eram confiadas aos peões brasileiros e de outras
nacionalidades que viviam na região. As atividades mais sofisticadas seriam
confiadas a um administrador contratado em Montevidéu e a membros de sua
família.
Da mesma forma, procurou estabelecer uma rotina de trabalho mais coerente
com a nova situação da empresa, mais metódica e evitando os vícios mais comuns
entre os peões, como a embriaguez. Estabeleceu também um novo mecanismo de
fornecimento para os peões e uma nova forma de pagamentos.
Descalvados foi então reconstruída e reorganizada. O rústico Saladeiro de
Rafael Del Sar foi transformado em pouco tempo no moderno estabelecimento
industrial de Jaime Cibils Buxareo, encravado no Pantanal norte da Província de
Mato Grosso, próximo à fronteira com a Bolívia.
O principal produto fabricado em Descalvados era o extrato de carne,
segundo a técnica já adotada na Europa pelos anglo-belgas da Liebig, que também
possuíam uma fábrica no Uruguai. Além do caldo de carne, a fábrica de
Descalvados também passou a produzir derivados do gado, como línguas e couro,
que após serem devidamente preparados e acondicionados também eram exportados.
A localização de Descalvados, distante do litoral, longe dos centros
fornecedores de produtos manufaturados, obrigou Jaime Cibils Buxareo a
estruturar a fábrica de modo a operá-la com a maior autônoma possível, sem
depender em larga escala de fornecedores que estavam localizados no litoral, no
Prata, ou mesmo na Europa. Levando em consideração essas características, a
fábrica contava com todas as máquinas destinadas ao abate do gado e a imediata
transformação da carne em caldo, bem como para o aproveitamento de seus
derivados e subprodutos, principalmente o couro. Além disso, produzia a própria
embalagem que era utilizada no envio dos produtos ao mercado consumidor
europeu. Matéria publicitária, veiculada no Rio de Janeiro, em 1891, descrevia
assim a fábrica de Descalvados: (CUNHA GARCIA)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
https://www.youtube.com/watch?v=GPT99KsJjD8&t=38s
https://www.youtube.com/watch?v=z6sVrma9a24
https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s
Bibliografia
CUNHA GARCIA, Domingos Sávio
Da. Território e Negócios na “Era dos
Impérios”: Os Belgas na Fronteira Oeste do Brasil – Descalvados: uma Fábrica na
Fronteira Oeste – Brasil – Brasília, DF – Fundação Alexandre de Gusmão,
2009.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H