Segunda-feira, 12 de julho de 2021 - 09h36
Bagé, 12.07.2021
Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXXVII
Descalvados – IV
VALOR DA PROPRIEDADE
O referido Sr. Krabble, de Buenos Aires, interessado na compra da propriedade
para a formação de uma sociedade entre seus amigos Buenos Aires, Londres e
Antuérpia avaliou as máquinas e edifícios em 546.000 pesos em ouro, que
correspondem 1.100:000$ e o gado a 8$ por cabeça, moeda nacional; custaram,
entretanto, os primeiros mais de" 800.000 pesos: que e é o preço médio do
gado, hoje muito aumentado em número, 10$ por cabeça, o que eleva a soma a
cerca de 4.000:000$ de nossa moeda.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Os produtos do estabelecimento tem sido premiados com sete diplomas de
honra, uma estrela, doze medalhas de ouro e cinco de prata. Crescem eles todos
os anos, indo em ascendência progressiva à exportação, que de hoje se faz
também em grande escala de produtos suínos: tendo tomado esta indústria
extraordinário aumento.
Do prospecto consta a demonstração das rendas extraordinárias, não
incluídos, contudo, os novos elementos que vão contribuir para o alargamento do
campo industrial; multiplicando-se as forças da mais importante fazenda e
feitoria desta parte da América.
Sem mesmo a criação de novas industrias, basta que se façam as fainas com
o gado invernado, para que cresçam de 25%, os resultados atuais, crescendo mais
o valor do território com o estabelecimento da ferro-carril de S. Luiz de
Cáceres ao Catalão, que permite o transporte do gado em pé aos mercados dos
Estados convizinhos; e mais crescendo depois com a aproximação da estrada de
ferro Mogiana, que caminha em busca de Mato Grosso.
Montado como se acha o estabelecimento com todos os maquinismos
necessários, − não pesará sobre ele a influência do câmbio para satisfação de
encomendas feitas fora do país; e antes reverterá ela em favor de suas rendas,
com o pagamento que receberá em ouro pelos seus produtos exportados. Não há
mais prometedora nem mais brilhante perspectiva para o capital empreendedor;
assim como não há mais patriótica empresa, que essa do progresso assegurado de
tão importante Estado.
Assim o compreende a praça do Rio de Janeiro, onde vai ser lançada à
fecunda ideia da incorporação da Companhia Fomento Industrial e Agrícola do
Estado do Mato Grosso.
Capital Federal; 28 de janeiro de 1891.
Orozimbo Muniz Barreto.
Jaime Cibils Buxareo já tinha construído reputação internacional para os
produtos da marca Cibils, a partir das fábricas de sua família no Uruguai.
Dessa forma não deve ter sido difícil exportar para a Europa os produtos da
fábrica de Descalvados.
Toda a produção de extratos de carne, de caldos, de língua salgada e de
couros era destinada à exportação para a Europa, onde os produtos de Descalvados
também passaram a ter boa aceitação e receberam diversos prêmios em exposições
das quais participaram ao longo da década de 1880. Sobre isso, a matéria
publicitária a que nos referimos acima dizia:
Os produtos do estabelecimento tem sido premiados com sete diplomas de
honra, uma estrela, doze medalhas de ouro e cinco de prata. Crescem eles todos
os anos, indo em ascendência progressiva à exportação, que hoje se faz também
em grande escala de produtos suínos, tendo tomado essa indústria extraordinário
aumento.
Além da produção de extrato de carne, caldos, língua salgada e couro, que
eram exportados, havia em Descalvados uma fábrica de sebo e de sabão, produtos
que eram vendidos no mercado da própria Província de Mato Grosso.
Apesar da boa aceitação de seus produtos no mercado europeu, a
rentabilidade de Descalvados, frente ao volume de capital investido, deve ter
ficado abaixo das expectativas de Buxareo. Em 1885 Jaime Cibils Buxareo pediu
ao Governo de Mato Grosso a isenção dos impostos de exportação cobrados sobre
os produtos de Descalvados pelo período de 15 anos. Argumentava que os
saladeiros argentinos e uruguaios, seus concorrentes, tinham apoio de seus
governos, além de estarem situados em regiões mais próximas dos mercados
consumidores, o que barateava o transporte e reduzia os custos.
A argumentação de Buxareo era verdadeira somente em parte. Como vimos, um
dos fatores que o levaram a investir em Mato Grosso era a necessidade de buscar
um novo tipo de matéria prima, um gado mais rústico, adequado à produção de
extrato de carne, assim como o fornecimento mais seguro e barato dessa matéria
prima. Evidente estava que, ao adentrar fundo no interior do continente
sul-americano, o problema dos custos de transporte estaria colocado, como contrapartida
negativa para os benefícios que o preço e o tipo de gado ofereciam.
A localização geográfica de Descalvados devia pesar na disputa que seus
produtos travavam com aqueles produzidos em outras regiões, mais próximas do
litoral. Descalvados, localizada a cerca de três mil quilômetros de Buenos
Aires por via fluvial, levava grande desvantagem nessa disputa.
Ao buscar a redução dos impostos cobrados sobre os produtos exportados,
Buxareo procurava aumentar a rentabilidade sobre o capital investido e ter um
retorno compensador.
Os impostos cobrados sobre os produtos exportados por Descalvados,
notadamente o extrato de carne, estavam fixados em dez por cento. O Presidente
de Mato Grosso, Galdino Pimentel, posicionou-se favoravelmente às pretensões de
Buxareo, argumentando que Descalvados era uma indústria sem similar na
Província, que estava exportando para a Europa onde era conhecida, e que
deveria ser protegida. No entanto, a Assembleia Provincial de Mato Grosso
manteve a taxação.
Dois anos depois Jaime Cibils Buxareo tentou novamente a redução dos
impostos cobrados sobre os produtos exportados por Descalvados. O presidente da
Província então, coronel Raphael de Mello Rego, também se posicionou favorável
ao peticionário com argumentos semelhantes aos de seu antecessor, sugerindo que
se não acabasse com o imposto, pelo menos que este fosse reduzido de dez para
cinco por cento.
No entanto, mais uma vez Buxareo não foi atendido. O não atendimento das
reivindicações de Jaime Cibils Buxareo deve ser entendido como parte das
limitações fiscais do Estado brasileiro do período, com o imposto sobre
exportação sendo a mais importante fonte de receita das províncias.
Não cobrá-lo sobre determinados produtos que tinham importância no volume
total exportado pela Província de Mato Grosso, significava não apenas abrir mão
de recursos que poderiam fazer falta para a minguada receita provincial, como
também abrir um precedente para que outros ramos do setor exportador fizessem a
mesma reivindicação. Em outra frente de atuação, Jaime Cibils Buxareo vinha
tentando obter os títulos de posse das terras de Descalvados. Havia entrado com
esse pedido junto ao Governo imperial que, em 1885, pediu informações sobre
Descalvados ao Governo provincial. Após consultar a Câmara Municipal de
Cáceres, município onde estava localizada Descalvados, o presidente da
Província [o então coronel Floriano Peixoto] se posicionou de forma favorável
às pretensões de Buxareo.
O Governo imperial, no entanto, engavetou o pedido, deixando Buxareo sem
resposta. Essa ausência de resposta pode ter sido proposital, sinalizando uma
contemporização do Governo do Império com a situação peculiar de Buxareo. Sendo
estrangeiro, ele possuía um impedimento legal para ter acesso a terras públicas
na região de fronteira. Caso respondesse negativamente ao pedido feito por
Buxareo, entretanto, o Governo central colocaria em questão os investimentos
que este havia feito em sua fábrica de Descalvados. Buxareo fez um novo pedido
ao Governo imperial em 1889, quando uma nova informação foi passada ao Governo
central. A mudança de regime, com a proclamação da República, fez com que o
pedido, dessa feita, fosse analisado por Francisco Glicério, ministro da
Agricultura do Governo Provisório, que decidiu indeferi-lo. Apesar de não dizer
as razões do indeferimento no ofício em que comunicava sua decisão, Glicério
dizia em decisão para caso semelhante que se baseou na Lei de Terras.
Mais importante que as razões do indeferimento, no entanto, é observar a
estratégia embutida no requerimento de Buxareo, mostrando que as terras
públicas estavam sendo apropriadas em larga escala, em uma região de fronteira,
onde o Estado não tinha condições de exercer o seu papel fiscalizador e
organizador, até porque essa situação servia em primeiro lugar aos interesses
da oligarquia agrária mato-grossense, a principal beneficiária desse processo.
Jaime Cibils Buxareo pedia ao Governo central a concessão de títulos de posse
somente sobre 435600 hectares de terras, quando a área total de Descalvados ultrapassava
a um milhão de hectares, conforme suas anotações e conforme observamos. Buxareo
utilizava o mesmo mecanismo usado pela oligarquia agrária mato-grossense,
pedindo uma coisa e fazendo outra [...] Dessa forma Buxareo repetiu o método
utilizado pelo Major João Carlos Pereira Leite, fundador da antiga fazenda do
Cambará, de requerer a posse de sesmarias de forma salteada, pedindo os títulos
das terras altas e se apossando das sesmarias intermediárias, em geral
localizadas nas terras baixas do Pantanal, alagáveis durante o verão. Enquanto
Jaime Cibils Buxareo procurava aumentar a rentabilidade de seu empreendimento
em Descalvados pela via da redução de impostos e tentava legalizar as terras
que ocupava, a proclamação da República abria um novo período na política
brasileira trazendo consequências para a fronteira Oeste. (CUNHA GARCIA)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
https://www.youtube.com/watch?v=GPT99KsJjD8&t=38s
https://www.youtube.com/watch?v=z6sVrma9a24
https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s
Bibliografia
CUNHA GARCIA, Domingos Sávio
Da. Território e Negócios na “Era dos
Impérios”: Os Belgas na Fronteira Oeste do Brasil – Descalvados: uma Fábrica na
Fronteira Oeste – Brasil – Brasília, DF – Fundação Alexandre de Gusmão,
2009.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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