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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCLVII - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon - 1ª Parte – XXXVII


A Terceira Margem – Parte CCLVII - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon - 1ª Parte – XXXVII - Gente de Opinião

Bagé, 12.07.2021

 

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXXVII

 

Descalvados – IV

 

VALOR DA PROPRIEDADE

 

O referido Sr. Krabble, de Buenos Aires, interessado na compra da propriedade para a formação de uma sociedade entre seus amigos Buenos Aires, Londres e Antuérpia avaliou as máquinas e edifícios em 546.000 pesos em ouro, que correspondem 1.100:000$ e o gado a 8$ por cabeça, moeda nacional; custaram, entretanto, os primeiros mais de" 800.000 pesos: que e é o preço médio do gado, hoje muito aumentado em número, 10$ por cabeça, o que eleva a soma a cerca de 4.000:000$ de nossa moeda.

 

CONSIDERAÇÕES GERAIS

 

Os produtos do estabelecimento tem sido premiados com sete diplomas de honra, uma estrela, doze medalhas de ouro e cinco de prata. Crescem eles todos os anos, indo em ascendência progressiva à exportação, que de hoje se faz também em grande escala de produtos suínos: tendo tomado esta indústria extraordinário aumento.

 

Do prospecto consta a demonstração das rendas extraordinárias, não incluídos, contudo, os novos elementos que vão contribuir para o alargamento do campo industrial; multiplicando-se as forças da mais importante fazenda e feitoria desta parte da América.

 

Sem mesmo a criação de novas industrias, basta que se façam as fainas com o gado invernado, para que cresçam de 25%, os resultados atuais, crescendo mais o valor do território com o estabelecimento da ferro-carril de S. Luiz de Cáceres ao Catalão, que permite o transporte do gado em pé aos mercados dos Estados convizinhos; e mais crescendo depois com a aproximação da estrada de ferro Mogiana, que caminha em busca de Mato Grosso.

 

Montado como se acha o estabelecimento com todos os maquinismos necessários, − não pesará sobre ele a influência do câmbio para satisfação de encomendas feitas fora do país; e antes reverterá ela em favor de suas rendas, com o pagamento que receberá em ouro pelos seus produtos exportados. Não há mais prometedora nem mais brilhante perspectiva para o capital empreendedor; assim como não há mais patriótica empresa, que essa do progresso assegurado de tão importante Estado.

 

Assim o compreende a praça do Rio de Janeiro, onde vai ser lançada à fecunda ideia da incorporação da Companhia Fomento Industrial e Agrícola do Estado do Mato Grosso.

 

Capital Federal; 28 de janeiro de 1891.

 

Orozimbo Muniz Barreto.

 

Jaime Cibils Buxareo já tinha construído reputação internacional para os produtos da marca Cibils, a partir das fábricas de sua família no Uruguai. Dessa forma não deve ter sido difícil exportar para a Europa os produtos da fábrica de Descalvados.

 

Toda a produção de extratos de carne, de caldos, de língua salgada e de couros era destinada à exportação para a Europa, onde os produtos de Descalvados também passaram a ter boa aceitação e receberam diversos prêmios em exposições das quais participaram ao longo da década de 1880. Sobre isso, a matéria publicitária a que nos referimos acima dizia:

 

Os produtos do estabelecimento tem sido premiados com sete diplomas de honra, uma estrela, doze medalhas de ouro e cinco de prata. Crescem eles todos os anos, indo em ascendência progressiva à exportação, que hoje se faz também em grande escala de produtos suínos, tendo tomado essa indústria extraordinário aumento.

 

Além da produção de extrato de carne, caldos, língua salgada e couro, que eram exportados, havia em Descalvados uma fábrica de sebo e de sabão, produtos que eram vendidos no mercado da própria Província de Mato Grosso.

 

Apesar da boa aceitação de seus produtos no mercado europeu, a rentabilidade de Descalvados, frente ao volume de capital investido, deve ter ficado abaixo das expectativas de Buxareo. Em 1885 Jaime Cibils Buxareo pediu ao Governo de Mato Grosso a isenção dos impostos de exportação cobrados sobre os produtos de Descalvados pelo período de 15 anos. Argumentava que os saladeiros argentinos e uruguaios, seus concorrentes, tinham apoio de seus governos, além de estarem situados em regiões mais próximas dos mercados consumidores, o que barateava o transporte e reduzia os custos.

 

A argumentação de Buxareo era verdadeira somente em parte. Como vimos, um dos fatores que o levaram a investir em Mato Grosso era a necessidade de buscar um novo tipo de matéria prima, um gado mais rústico, adequado à produção de extrato de carne, assim como o fornecimento mais seguro e barato dessa matéria prima. Evidente estava que, ao adentrar fundo no interior do continente sul-americano, o problema dos custos de transporte estaria colocado, como contrapartida negativa para os benefícios que o preço e o tipo de gado ofereciam.

 

A localização geográfica de Descalvados devia pesar na disputa que seus produtos travavam com aqueles produzidos em outras regiões, mais próximas do litoral. Descalvados, localizada a cerca de três mil quilômetros de Buenos Aires por via fluvial, levava grande desvantagem nessa disputa.

 

Ao buscar a redução dos impostos cobrados sobre os produtos exportados, Buxareo procurava aumentar a rentabilidade sobre o capital investido e ter um retorno compensador.

 

Os impostos cobrados sobre os produtos exportados por Descalvados, notadamente o extrato de carne, estavam fixados em dez por cento. O Presidente de Mato Grosso, Galdino Pimentel, posicionou-se favoravelmente às pretensões de Buxareo, argumentando que Descalvados era uma indústria sem similar na Província, que estava exportando para a Europa onde era conhecida, e que deveria ser protegida. No entanto, a Assembleia Provincial de Mato Grosso manteve a taxação.

 

Dois anos depois Jaime Cibils Buxareo tentou novamente a redução dos impostos cobrados sobre os produtos exportados por Descalvados. O presidente da Província então, coronel Raphael de Mello Rego, também se posicionou favorável ao peticionário com argumentos semelhantes aos de seu antecessor, sugerindo que se não acabasse com o imposto, pelo menos que este fosse reduzido de dez para cinco por cento.

 

No entanto, mais uma vez Buxareo não foi atendido. O não atendimento das reivindicações de Jaime Cibils Buxareo deve ser entendido como parte das limitações fiscais do Estado brasileiro do período, com o imposto sobre exportação sendo a mais importante fonte de receita das províncias.

 

Não cobrá-lo sobre determinados produtos que tinham importância no volume total exportado pela Província de Mato Grosso, significava não apenas abrir mão de recursos que poderiam fazer falta para a minguada receita provincial, como também abrir um precedente para que outros ramos do setor exportador fizessem a mesma reivindicação. Em outra frente de atuação, Jaime Cibils Buxareo vinha tentando obter os títulos de posse das terras de Descalvados. Havia entrado com esse pedido junto ao Governo imperial que, em 1885, pediu informações sobre Descalvados ao Governo provincial. Após consultar a Câmara Municipal de Cáceres, município onde estava localizada Descalvados, o presidente da Província [o então coronel Floriano Peixoto] se posicionou de forma favorável às pretensões de Buxareo.

 

O Governo imperial, no entanto, engavetou o pedido, deixando Buxareo sem resposta. Essa ausência de resposta pode ter sido proposital, sinalizando uma contemporização do Governo do Império com a situação peculiar de Buxareo. Sendo estrangeiro, ele possuía um impedimento legal para ter acesso a terras públicas na região de fronteira. Caso respondesse negativamente ao pedido feito por Buxareo, entretanto, o Governo central colocaria em questão os investimentos que este havia feito em sua fábrica de Descalvados. Buxareo fez um novo pedido ao Governo imperial em 1889, quando uma nova informação foi passada ao Governo central. A mudança de regime, com a proclamação da República, fez com que o pedido, dessa feita, fosse analisado por Francisco Glicério, ministro da Agricultura do Governo Provisório, que decidiu indeferi-lo. Apesar de não dizer as razões do indeferimento no ofício em que comunicava sua decisão, Glicério dizia em decisão para caso semelhante que se baseou na Lei de Terras.

 

Mais importante que as razões do indeferimento, no entanto, é observar a estratégia embutida no requerimento de Buxareo, mostrando que as terras públicas estavam sendo apropriadas em larga escala, em uma região de fronteira, onde o Estado não tinha condições de exercer o seu papel fiscalizador e organizador, até porque essa situação servia em primeiro lugar aos interesses da oligarquia agrária mato-grossense, a principal beneficiária desse processo. Jaime Cibils Buxareo pedia ao Governo central a concessão de títulos de posse somente sobre 435600 hectares de terras, quando a área total de Descalvados ultrapassava a um milhão de hectares, conforme suas anotações e conforme observamos. Buxareo utilizava o mesmo mecanismo usado pela oligarquia agrária mato-grossense, pedindo uma coisa e fazendo outra [...] Dessa forma Buxareo repetiu o método utilizado pelo Major João Carlos Pereira Leite, fundador da antiga fazenda do Cambará, de requerer a posse de sesmarias de forma salteada, pedindo os títulos das terras altas e se apossando das sesmarias intermediárias, em geral localizadas nas terras baixas do Pantanal, alagáveis durante o verão. Enquanto Jaime Cibils Buxareo procurava aumentar a rentabilidade de seu empreendimento em Descalvados pela via da redução de impostos e tentava legalizar as terras que ocupava, a proclamação da República abria um novo período na política brasileira trazendo consequências para a fronteira Oeste. (CUNHA GARCIA)

 

Filmete

 

https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU

 

https://www.youtube.com/watch?v=GPT99KsJjD8&t=38s

 

https://www.youtube.com/watch?v=z6sVrma9a24

 

https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s

 

Bibliografia

 

CUNHA GARCIA, Domingos Sávio Da. Território e Negócios na “Era dos Impérios”: Os Belgas na Fronteira Oeste do Brasil – Descalvados: uma Fábrica na Fronteira Oeste – Brasil – Brasília, DF – Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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