Terça-feira, 13 de julho de 2021 - 06h02
Bagé, 13.07.2021
Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXXVIII
E
é pela grande Pátria que o General Rondon tem sempre vivido a vida mais cheia,
mais forte que já se viveu... É o Bandeirante por excelência, mas um
Bandeirante que não é impelido pela ânsia de riqueza, de conquista, de domínio.
Não destrói, constrói; não afugenta, atrai... Indiferente às pedrarias que
faíscam e fazem faiscar a cobiça nas almas, segue Rondon impavidamente a grande
tarefa de levar a civilização às selvas e trazer os silvícolas à civilização.
Dá todos os dias ao mundo lições de sociologia prática. É um dos mais altos
catedráticos do Universo. Não se limita a ensinar os selvagens, mas também os
civilizados.
Das suas lições podem os incultos tirar certos ensinamentos e outros
ensinamentos podem tirar os sábios...
(Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque)
20.08.2017: Partimos, por volta das
09h10, da Fazenda Descalvados, a toda velocidade, e o motor de 50 Hp da “Fênix VI” permitiu-nos abordar a “Calypso”, que continuara seu curso Rio
acima, antes do almoço. A tripulação não conhecia esta região do Rio Paraguai à
montante da Foz do Rio Cuiabá e, em virtude disso, a progressão era bastante
lenta (de 2,5 a 4,0 nós). Três vezes encalhamos nos bancos de areia, na
terceira vez, um solicito “habiloc”
(habitante local) veio auxiliar-nos a desencalhar a “Calypso” e antes de partir orientou o Comandante Geraldo de Andrade
qual a rota a seguir. A sinalização realizada pela Marinha do Brasil não
facilitava.
O
trabalho de balizamento dos 1.905 km do Rio Paraguai de Cáceres a Porto
Murtinho realizado pela Marinha do Brasil, consta da fiscalização das mais de
300 balizas periodicamente, mas todo este trabalho é comprometido seriamente
pela intensa dinâmica do escoamento fluvial e o transporte de sedimentos.
Por
volta das 16h00, uma Embarcação Tática de Grupo ‒ a “Jauru” (Guardian 25), do 2° Batalhão de Fronteira (2° B Fron),
atracou a contrabordo da “Calypso”.
As Guardian 25 estão sendo empregadas na fiscalização das fronteiras e
operações ribeirinhas. Dotadas de dois potentes motores Mercury Optimax de 200
Hp, podem atingir até 80 km/h, e graças a um tanque central de combustível de
602 litros, tem uma autonomia de dez horas de navegação. A Guardian é artilhada
na proa com uma metralhadora .50; na popa, um lança granadas de 40 mm e a
Boreste e Bombordo duas metralhadoras MAG 7,62 mm e tem capacidade de
transportar 12 militares armados e equipados.
O
Subtenente Valdecir Freitas de Oliveira, adjunto de Comando ([1])
do 2° B Fron, tinha como missão nos conduzir, à bordo da Guardian, até a
posição original do Marco do Jauru. Retornamos à Calypso para o jantar para o
qual foi convidada a tripulação da “Jauru”.
O Subtenente Valdecir retornou à cidade deixando conosco um prático para
pilotar a “Calypso” com mais
tranquilidade, à noite, até Cáceres onde aportamos de madrugada.
Marco do Jauru
O
Marco do Jauru foi erguido com a finalidade de demarcar a Fronteira
Territorial, estabelecida pelo Tratado de Madri, entre os domínios espanhóis e
portugueses na América do Sul. Atualmente o Marco encontra-se na Praça Barão do
Rio Branco em frente à Catedral de São Luís, em Cáceres.
Relatos Pretéritos: Marco do Jauru
05.01.1914
Pereira da Cunha
Passamos a Foz do Rio Jauru, antiga divisa do domínio espanhol, perto daí
existia um marco de mármore e cantaria, felizmente ainda hoje conservado, pois
que ornamenta a Praça Principal de São Luiz de Cáceres. Nesse mesmo Rio Jauru
avistamos sobre a barranca da margem direita e junto à Foz, um barracão de
zinco, antigo depósito de cargas destinadas ao Rio Guaporé, e de borracha vinda
desse mesmo Rio. Esse entreposto sofreu as consequências da construção da Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré, visto como o escoamento da borracha e o
aprovisionamento dos seringais do Guaporé são hoje feitos com o aproveitamento
de tal estrada. [...]
A Cáceres antiga ainda nos oferece à vista a imponente ruína da grande
igreja, e, na Praça Principal, o artístico e histórico marco ([2]), a que
já fiz referência, todo de mármore, assente em base de alvenaria, encimado pela
cruz de Malta, e apresentando, nas quatro faces, inscrições que transcrevo, sem
a menor alteração, por ter achado o assunto deveras interessante:
Face Oeste [Sob as armas de
Espanha, a seguinte inscrição, em letras maiúsculas de imprensa] ‒ Sub
Ferdinando VI. Hispanie Rege Catholico; Face Este [Sob as armas Portuguesas, a
seguinte inscrição] - Sub Joanne V Lusitanorum Rege Fidelíssimo;
Face Norte — Ex Pactis
Finium regundorum Convenctis Madritz Idibus Januarii MDCCL; Face Sul – Justitia
et Pax Osculatae Suns.
E fica-se pasmo ao pensar no esforço, na soma colossal de energia e de
trabalho destinados ao transporte daquelas, talvez, 15 toneladas, em época tão
remota, com tão deficientes meios de transportes, através de tão rudes, longos
e penosos caminhos, pois que, pela era ([3]) nele
inserida, deveria esse marco ter vindo pelo Amazonas e, depois talvez e provavelmente,
pelo Madeira, Guaporé, e Jauru, a menos que tivesse subido o Tapajós e o
Arinos, atravessado por terra as muitas léguas que separam este Rio das
cabeceiras do Paraguai, e por ele descido até o Jauru.
Mas, seja como for, e ainda mesmo que tivesse subido ao Jauru pelo Prata,
Paraná e Paraguai, é mister render homenagem à máscula energia dos nossos
avoengos, infatigáveis lutadores, cuja fibra, igualando em rijeza ao caráter,
era capaz até de construir o célebre Forte Príncipe da Beira! (CUNHA)
21.08.2017
Esse encontro foi importante porque permitiu
compreender os sentidos da revitalização, um século após a passagem da
Expedição Roosevelt-Rondon, dos trajetos percorridos por eles e suas relações
[tanto ontem, quanto hoje], com as populações indígenas amazônicas
(Professoras Socorro Araújo e Olga Castrillon)
De
manhã visitamos o Instituto Histórico e Geográfico de Cáceres/IHGC, a
Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Turismo (SICMATUR), prédio que
abrigou a residência do patologista norte-americano Alexander Daveron e o Museu
Municipal de Cáceres.
Foram doze anos no exercício do magistério, nos quais
sempre atendeu a seus alunos a qualquer tempo, fosse através da internet ou
pessoalmente, no contraturno, nos finais de semana e nos feriados. Graças a
essa disponibilidade, atenção e carinho, partiu, dos próprios discentes, a
solicitação de aulas às vésperas das provas e, segundo as palavras do Coronel
HIRAM, “pedido de aluno sempre foi e será uma ordem”. E assim ele cumpriu essa
rotina durante doze anos, que, de acordo com a manifestação e o sentimento do
insigne Mestre, foram: de muito sucesso e grande recompensa pessoal, para mim
não era sacrifício, mas um gratificante dever.
(Genessi Sá Junior ‒ Cel Cmt do CMPA)
Os
expedicionários deslocaram-se para o 2° B Fron para o almoço e no Corpo da
Guarda nosso ônibus foi parado para que eu, como oficial mais antigo, recebesse
as apresentações de praxe, dispensei as mesmas e nos dirigimos para o rancho.
No
refeitório dos Oficiais, o Oficial de dia veio até mim, demonstrando profunda
tristeza, e disse que tinha se preparado especialmente para aquela
apresentação, no princípio não entendi o porquê de tamanha deferência do jovem
Aspirante para com a minha pessoa até que olhei para o nome gravado no seu
biriba − SASSO. O Aspirante
da Arma de Infantaria Nícolas Sasso de Vargas foi meu aluno no Colégio Militar
de Porto Alegre e, onde, graças ao GADU, tenho mantido um laço de amizade muito
profundo com meus ex-alunos e seus familiares. À tarde fomos até o Núcleo de
Documentação de História Escrita e Oral (NUDHEO) da UNEMAT onde repassamos uma
série de documentos digitalizados sobre a Expedição Centenária
Roosevelt-Rondon.
À
noite participamos de um jantar, no Círculo Militar de Cáceres, que contou com
a presença do Excelentíssimo Sr Gen Bda Fernando Dias Herzer, Comandante da 13ª
Bda Inf Mtz e comitiva, integrantes do 2º Batalhão de Fronteira e professores
da Universidade do Estado de Mato Grosso.
22.08.2017
Por
volta das 08h30, adentrávamos novamente no aquartelamento do 2° B F Fron com a
finalidade de realizar mais uma palestra, desta feita no auditório do Batalhão
para seus Quadros. Novamente nosso ônibus foi parado no Corpo da guarda e lá
estava o Asp Sasso me aguardando. Não podia, nem queria me furtar à
apresentação do querido amigo e foi com viva emoção e lágrimas nos olhos que
cumpri aquela rotina que deveria ser apenas uma formalidade regulamentar. Foi
sem dúvida o momento mais emocionante de toda Expedição. Obrigado Sasso.
Relatos Pretéritos
04.01.1914
Pereira da Cunha
Antes das 18h00, deixamos “Descalvados”
e, como de costume, pouco depois das 21h00 fui deitar-me. Há um grupo que faz
dormitório, em um espaço livre, que fica em cima, na tolda do navio, avante,
entre os primeiros camarotes e a roda do leme. Durante o dia é aí que sempre
estamos todos, mas, à noite, uns de um bordo e outros de outro, vão armando as
suas camas ou redes, sempre cedo e sempre na mesma ordem: a Boreste, e mais
para a proa, dorme, em cama, Padre Zham; logo depois, também em cama, durmo eu,
e, mais para ré e mais próximo da antepara dos camarotes, em rede, dorme
Kermit, mas, ao longo de toda a antepara desses camarotes, voltado para a proa,
existe um banco, e sobre ele há pilhas de pesadas malas, cuja firmeza não é
grande, pois que assentam em muito estreita base.
Desde Descalvados, o Rio, alargando muito, fazendo inúmeras ilhas,
torna-se extremamente baixo, cheio de bancos movediços e canais caprichosamente
inconstantes; as suas margens são agora sempre orladas de vegetação alta, as
montanhas aparecem e sucedem-se, e os pantanais desapareceram.
Navegávamos nessa zona de bancos e baixios, e o sono já a todos tinha
ganho, quando, pelas 22h30, estando o navio a toda força, sente-se um violento
choque e somos atirados para vante, infelizmente, porém, não éramos somente
nós, seres vivos, que estávamos animados de movimento relativo; a velocidade
restante – restava – também para as malas que estavam empilhadas sobre o banco
e, ao forte choque, degringolam ([4]) elas e
desabam sobre Kermit e sobre mim, a rede, afastando-se ao embate de uma das
malas, salvou Kermit e, graças ainda a um dos punhos dessa rede, a mala que
vinha em cheio sobre mim raspa-me apenas a cabeça e cai pesadamente sobre o meu
travesseiro, vergando os pés da cama de ferro.
O choque fora devido a ter o navio batido em um banco de talude a pique,
de sorte que, não encalhando, logo seguimos viagem, parando esta mesma noite em
Barranco Vermelho, onde demoramos duas horas recebendo lenha. (CUNHA)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
https://www.youtube.com/watch?v=GPT99KsJjD8&t=38s
https://www.youtube.com/watch?v=z6sVrma9a24
https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s
Bibliografia
CUNHA,
Comandante Heitor Xavier Pereira da. Viagens e Caçadas em Mato Grosso: Três
Semanas em Companhia de Th. Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria
Francisco Alves, 1922.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] A criação do cargo de Adjunto de Comando [Adj Cmdo] tem como um
dos objetivos distinguir o subtenente ou o primeiro-sargento que apresente
destacada liderança, reconhecida competência profissional e ilibada conduta
pessoal. A ideia foi concebida com a finalidade de valorizar a carreira do
graduado. (www.eb.mil.br)
[2] No dia
02.02.1883, o então Tenente-Coronel Antônio Maria Coelho, transportou o Marco
para o Largo da Matriz (hoje Praça Barão do Rio Branco), em frente à Catedral
de São Luís, em Cáceres. Em maio 2009, uma equipe multidisciplinar, liderada
pelo Historiador e Sargento do Exército Sandro Miguel da Silva Paula, foi
determinada a localização do sítio original do Marco, situado a 544 m da Foz do
Jauru.
[3] Era: data.
[4] Degringolam: rolaram.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H