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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCLVIII - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – XXXVIII


Cáceres, MT (mt.gov.br) - Gente de Opinião
Cáceres, MT (mt.gov.br)

Bagé, 13.07.2021

 

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXXVIII

 

Descalvados – Cáceres I

 

E é pela grande Pátria que o General Rondon tem sempre vivido a vida mais cheia, mais forte que já se viveu... É o Bandeirante por excelência, mas um Bandeirante que não é impelido pela ânsia de riqueza, de conquista, de domínio. Não destrói, constrói; não afugenta, atrai... Indiferente às pedrarias que faíscam e fazem faiscar a cobiça nas almas, segue Rondon impavidamente a grande tarefa de levar a civilização às selvas e trazer os silvícolas à civilização. Dá todos os dias ao mundo lições de sociologia prática. É um dos mais altos catedráticos do Universo. Não se limita a ensinar os selvagens, mas também os civilizados.
Das suas lições podem os incultos tirar certos ensinamentos e outros ensinamentos podem tirar os sábios...
(Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque)

 

20.08.2017: Partimos, por volta das 09h10, da Fazenda Descalvados, a toda velocidade, e o motor de 50 Hp da “Fênix VI” permitiu-nos abordar a “Calypso”, que continuara seu curso Rio acima, antes do almoço. A tripulação não conhecia esta região do Rio Paraguai à montante da Foz do Rio Cuiabá e, em virtude disso, a progressão era bastante lenta (de 2,5 a 4,0 nós). Três vezes encalhamos nos bancos de areia, na terceira vez, um solicito “habiloc” (habitante local) veio auxiliar-nos a desencalhar a “Calypso” e antes de partir orientou o Comandante Geraldo de Andrade qual a rota a seguir. A sinalização realizada pela Marinha do Brasil não facilitava.

 

O trabalho de balizamento dos 1.905 km do Rio Paraguai de Cáceres a Porto Murtinho realizado pela Marinha do Brasil, consta da fiscalização das mais de 300 balizas periodicamente, mas todo este trabalho é comprometido seriamente pela intensa dinâmica do escoamento fluvial e o transporte de sedimentos.

 

Por volta das 16h00, uma Embarcação Tática de Grupo ‒ a “Jauru” (Guardian 25), do 2° Batalhão de Fronteira (2° B Fron), atracou a contrabordo da “Calypso”. As Guardian 25 estão sendo empregadas na fiscalização das fronteiras e operações ribeirinhas. Dotadas de dois potentes motores Mercury Optimax de 200 Hp, podem atingir até 80 km/h, e graças a um tanque central de combustível de 602 litros, tem uma autonomia de dez horas de navegação. A Guardian é artilhada na proa com uma metralhadora .50; na popa, um lança granadas de 40 mm e a Boreste e Bombordo duas metralhadoras MAG 7,62 mm e tem capacidade de transportar 12 militares armados e equipados.

 

O Subtenente Valdecir Freitas de Oliveira, adjunto de Comando ([1]) do 2° B Fron, tinha como missão nos conduzir, à bordo da Guardian, até a posição original do Marco do Jauru. Retornamos à Calypso para o jantar para o qual foi convidada a tripulação da “Jauru”. O Subtenente Valdecir retornou à cidade deixando conosco um prático para pilotar a “Calypso” com mais tranquilidade, à noite, até Cáceres onde aportamos de madrugada.

 

Marco do Jauru

 

O Marco do Jauru foi erguido com a finalidade de demarcar a Fronteira Territorial, estabelecida pelo Tratado de Madri, entre os domínios espanhóis e portugueses na América do Sul. Atualmente o Marco encontra-se na Praça Barão do Rio Branco em frente à Catedral de São Luís, em Cáceres.

 

Relatos Pretéritos: Marco do Jauru

 

05.01.1914

 

Pereira da Cunha

 

Passamos a Foz do Rio Jauru, antiga divisa do domínio espanhol, perto daí existia um marco de mármore e cantaria, felizmente ainda hoje conservado, pois que ornamenta a Praça Principal de São Luiz de Cáceres. Nesse mesmo Rio Jauru avistamos sobre a barranca da margem direita e junto à Foz, um barracão de zinco, antigo depósito de cargas destinadas ao Rio Guaporé, e de borracha vinda desse mesmo Rio. Esse entreposto sofreu as consequências da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, visto como o escoamento da borracha e o aprovisionamento dos seringais do Guaporé são hoje feitos com o aproveitamento de tal estrada. [...]

 

A Cáceres antiga ainda nos oferece à vista a imponente ruína da grande igreja, e, na Praça Principal, o artístico e histórico marco ([2]), a que já fiz referência, todo de mármore, assente em base de alvenaria, encimado pela cruz de Malta, e apresentando, nas quatro faces, inscrições que transcrevo, sem a menor alteração, por ter achado o assunto deveras interessante:

 

Face Oeste [Sob as armas de Espanha, a seguinte inscrição, em letras maiúsculas de imprensa] ‒ Sub Ferdinando VI. Hispanie Rege Catholico; Face Este [Sob as armas Portuguesas, a seguinte inscrição] - Sub Joanne V Lusitanorum Rege Fidelíssimo;

 

Face Norte — Ex Pactis Finium regundorum Convenctis Madritz Idibus Januarii MDCCL; Face Sul – Justitia et Pax Osculatae Suns.

 

E fica-se pasmo ao pensar no esforço, na soma colossal de energia e de trabalho destinados ao transporte daquelas, talvez, 15 toneladas, em época tão remota, com tão deficientes meios de transportes, através de tão rudes, longos e penosos caminhos, pois que, pela era ([3]) nele inserida, deveria esse marco ter vindo pelo Amazonas e, depois talvez e provavelmente, pelo Madeira, Guaporé, e Jauru, a menos que tivesse subido o Tapajós e o Arinos, atravessado por terra as muitas léguas que separam este Rio das cabeceiras do Paraguai, e por ele descido até o Jauru.

 

Mas, seja como for, e ainda mesmo que tivesse subido ao Jauru pelo Prata, Paraná e Paraguai, é mister render homenagem à máscula energia dos nossos avoengos, infatigáveis lutadores, cuja fibra, igualando em rijeza ao caráter, era capaz até de construir o célebre Forte Príncipe da Beira! (CUNHA)

 

21.08.2017

 

Esse encontro foi importante porque permitiu compreender os sentidos da revitalização, um século após a passagem da Expedição Roosevelt-Rondon, dos trajetos percorridos por eles e suas relações [tanto ontem, quanto hoje], com as populações indígenas amazônicas
(Professoras Socorro Araújo e Olga Castrillon)

 

De manhã visitamos o Instituto Histórico e Geográfico de Cáceres/IHGC, a Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Turismo (SICMATUR), prédio que abrigou a residência do patologista norte-americano Alexander Daveron e o Museu Municipal de Cáceres.

 

Foram doze anos no exercício do magistério, nos quais sempre atendeu a seus alunos a qualquer tempo, fosse através da internet ou pessoalmente, no contraturno, nos finais de semana e nos feriados. Graças a essa disponibilidade, atenção e carinho, partiu, dos próprios discentes, a solicitação de aulas às vésperas das provas e, segundo as palavras do Coronel HIRAM, “pedido de aluno sempre foi e será uma ordem”. E assim ele cumpriu essa rotina durante doze anos, que, de acordo com a manifestação e o sentimento do insigne Mestre, foram: de muito sucesso e grande recompensa pessoal, para mim não era sacrifício, mas um gratificante dever.
(Genessi Sá Junior ‒ Cel Cmt do CMPA)

 

Os expedicionários deslocaram-se para o 2° B Fron para o almoço e no Corpo da Guarda nosso ônibus foi parado para que eu, como oficial mais antigo, recebesse as apresentações de praxe, dispensei as mesmas e nos dirigimos para o rancho.

 

No refeitório dos Oficiais, o Oficial de dia veio até mim, demonstrando profunda tristeza, e disse que tinha se preparado especialmente para aquela apresentação, no princípio não entendi o porquê de tamanha deferência do jovem Aspirante para com a minha pessoa até que olhei para o nome gravado no seu biriba SASSO. O Aspirante da Arma de Infantaria Nícolas Sasso de Vargas foi meu aluno no Colégio Militar de Porto Alegre e, onde, graças ao GADU, tenho mantido um laço de amizade muito profundo com meus ex-alunos e seus familiares. À tarde fomos até o Núcleo de Documentação de História Escrita e Oral (NUDHEO) da UNEMAT onde repassamos uma série de documentos digitalizados sobre a Expedição Centenária Roosevelt-Rondon.

 

À noite participamos de um jantar, no Círculo Militar de Cáceres, que contou com a presença do Excelentíssimo Sr Gen Bda Fernando Dias Herzer, Comandante da 13ª Bda Inf Mtz e comitiva, integrantes do 2º Batalhão de Fronteira e professores da Universidade do Estado de Mato Grosso.

 

22.08.2017

 

Por volta das 08h30, adentrávamos novamente no aquartelamento do 2° B F Fron com a finalidade de realizar mais uma palestra, desta feita no auditório do Batalhão para seus Quadros. Novamente nosso ônibus foi parado no Corpo da guarda e lá estava o Asp Sasso me aguardando. Não podia, nem queria me furtar à apresentação do querido amigo e foi com viva emoção e lágrimas nos olhos que cumpri aquela rotina que deveria ser apenas uma formalidade regulamentar. Foi sem dúvida o momento mais emocionante de toda Expedição. Obrigado Sasso.

 

Relatos Pretéritos

 

04.01.1914

 

Pereira da Cunha

 

Antes das 18h00, deixamos “Descalvados” e, como de costume, pouco depois das 21h00 fui deitar-me. Há um grupo que faz dormitório, em um espaço livre, que fica em cima, na tolda do navio, avante, entre os primeiros camarotes e a roda do leme. Durante o dia é aí que sempre estamos todos, mas, à noite, uns de um bordo e outros de outro, vão armando as suas camas ou redes, sempre cedo e sempre na mesma ordem: a Boreste, e mais para a proa, dorme, em cama, Padre Zham; logo depois, também em cama, durmo eu, e, mais para ré e mais próximo da antepara dos camarotes, em rede, dorme Kermit, mas, ao longo de toda a antepara desses camarotes, voltado para a proa, existe um banco, e sobre ele há pilhas de pesadas malas, cuja firmeza não é grande, pois que assentam em muito estreita base.

 

Desde Descalvados, o Rio, alargando muito, fazendo inúmeras ilhas, torna-se extremamente baixo, cheio de bancos movediços e canais caprichosamente inconstantes; as suas margens são agora sempre orladas de vegetação alta, as montanhas aparecem e sucedem-se, e os pantanais desapareceram.

 

Navegávamos nessa zona de bancos e baixios, e o sono já a todos tinha ganho, quando, pelas 22h30, estando o navio a toda força, sente-se um violento choque e somos atirados para vante, infelizmente, porém, não éramos somente nós, seres vivos, que estávamos animados de movimento relativo; a velocidade restante – restava – também para as malas que estavam empilhadas sobre o banco e, ao forte choque, degringolam ([4]) elas e desabam sobre Kermit e sobre mim, a rede, afastando-se ao embate de uma das malas, salvou Kermit e, graças ainda a um dos punhos dessa rede, a mala que vinha em cheio sobre mim raspa-me apenas a cabeça e cai pesadamente sobre o meu travesseiro, vergando os pés da cama de ferro.

 

O choque fora devido a ter o navio batido em um banco de talude a pique, de sorte que, não encalhando, logo seguimos viagem, parando esta mesma noite em Barranco Vermelho, onde demoramos duas horas recebendo lenha. (CUNHA)

 

Filmete

 

https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU

 

https://www.youtube.com/watch?v=GPT99KsJjD8&t=38s

 

https://www.youtube.com/watch?v=z6sVrma9a24

 

https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s

 

Bibliografia

 

CUNHA, Comandante Heitor Xavier Pereira da. Viagens e Caçadas em Mato Grosso: Três Semanas em Companhia de Th. Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria Francisco Alves, 1922.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·        E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    A criação do cargo de Adjunto de Comando [Adj Cmdo] tem como um dos objetivos distinguir o subtenente ou o primeiro-sargento que apresente destacada liderança, reconhecida competência profissional e ilibada conduta pessoal. A ideia foi concebida com a finalidade de valorizar a carreira do graduado. (www.eb.mil.br)

[2]    No dia 02.02.1883, o então Tenente-Coronel Antônio Maria Coelho, transportou o Marco para o Largo da Matriz (hoje Praça Barão do Rio Branco), em frente à Catedral de São Luís, em Cáceres. Em maio 2009, uma equipe multidisciplinar, liderada pelo Historiador e Sargento do Exército Sandro Miguel da Silva Paula, foi determinada a localização do sítio original do Marco, situado a 544 m da Foz do Jauru.

[3]    Era: data.

[4]    Degringolam: rolaram.

Galeria de Imagens

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