Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCLXI - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 2ª Parte – II Cáceres - II


Escola Estadual Esperidião Marques, Cáceres, MT - Gente de Opinião
Escola Estadual Esperidião Marques, Cáceres, MT

Bagé, 16.07.2021

 

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
2ª Parte – II

 

Cáceres - II

 

23.10.2015: Partimos, na tarde da sexta-feira, depois de garantir que a viatura Marruá nos encontraria no caminho, lá pela terça-feira, já que o Dr. Marc não queria perder mais nenhum dia de viagem. É muito complicado partir para jornadas dessa magnitude com o cronograma rígido, engessado, por isso mesmo, tenho preferido realizar minhas Expedições sozinho sem interferências externas que possam comprometer o bom andamento do Projeto ou de minhas pesquisas. As informações surgem à medida que progredimos no terreno e alguns desses novos fatos podem merecer uma atenção especial, determinando que direcionemos nossas pesquisas sobre eles, se assim não o fizermos não estaremos realizando uma pesquisa, mas um mero turismo. Tenho necessidade, como naturalista, de tentar conhecer o desconhecido, de procurar desvendar mistérios, de descobrir segredos e de ampliar aquilo que foi reportado sem a profundidade adequada.

 

Relatos Pretéritos – Cáceres

 

1843 a 1847

 

Francis de Castelnau

 

Vila Maria tomou este nome por ter sido fundada sob o reinado de D. Maria I. A cidade parece destinada a rápido crescimento; mas o descaso do Governo, e também dos próprios habitantes, de par com a falta de comunicação com o baixo Paraguai, tem impedido que ela se desenvolva como era de esperar. Sua população não vai além de 500 ou 600 pessoas e toda a freguesia de que é ela centro não possui mais de mil e 800 habitantes de todos os matizes, inclusive cerca de duzentos escravos. Contam-se entre os habitantes uns seiscentos índios, descendentes, diz-se, dos Chiquitos da Bolívia. Vila Maria está situada na margem esquerda do Rio Paraguai, num lugar em que a barranca não tem menos de uns 10 m de altura.

 

Apesar da situação em que está, toda a região em volta não raro se acha inundada, pois o Paraguai, recuando sempre para o lado esquerdo, tende a destruir o terreno em que está construída a cidade. Já várias casas desabaram no Rio, enquanto outras se acham de tal modo em risco de cair, que foi preciso abandoná-las. Vila Maria é a principal cidade de Mato Grosso, do lado da fronteira boliviana. O comandante da praça, como já dissemos, é um capitão, que tem debaixo de suas ordens de setenta a oitenta soldados.

 

O destacamento de Jauru, composto de oitenta e quatro homens comandados por um alferes, está subordinado ao posto de Vila Maria, bem como o das Onças, que é constituído de uma quinzena de soldados, comandados por um sargento e um cabo. Veem-se na caserna quatro peças de artilharia, duas de calibre dezoito e as outras de doze.

 

Estes canhões foram trazidos até Diamantino pelo Rio Arinos, em 1825. O atual comandante de Vila Maria, que naquele tempo estava empregado em Diamantino, fê-los arrastar por terra até Buriti, de onde foram transportados Rio Paraguai abaixo até o seu destino, onde chegaram em 1827.

 

As autoridades deste estabelecimento são um subdelegado e um juiz de paz. O principal, para não dizer o único comércio do lugar, é o da ipecacuanha ([1]), planta que cresce em abundância nas margens do alto Paraguai, do Vermelho, do Sepotuba e do Cabaçal. A colheita desta planta é praticada geralmente durante os meses de seca, ou seja desde março até setembro; mas há ocasiões em que ela é igualmente praticada mesmo na estação das águas, quando é muito mais fácil arrancar a planta do chão amolecido pela umidade. As canoas que saem de Cuiabá, descem o Rio do mesmo nome e sobem o Paraguai, entretendo assim um comércio que atinge por ano milhares de arrobas do produto a que nos estamos referindo. Foi em 1814 que o Desembargador José Francisco Leal anunciou a existência da ipecacuanha nessa região, onde tinha sido enviado pelo Governo, com o fito de procurar terrenos auríferos no distrito de Vila Maria e nas margens do Rio Cabaçal. Estes, apesar de não serem nada raros, lhe pareceram muito menos ricos em mineral do que havia calculado. Durante muitos anos ninguém se importou de utilizar a descoberta; mas, em 1830, um negociante de nome José da Costa Leite, tendo conseguido juntar duas arrobas da planta, remeteu-as para o Rio de Janeiro, onde a acharam de boa qualidade e a pagaram à razão de 1.600 réis a libra. Negócio tão vantajoso deu logo origem a uma exploração considerável do produto, que continuou até 1837, quando a sua cotação começou a baixar, em consequência da enorme quantidade que dele se oferecia no mercado.

 

Avalia-se em nada menos de vinte e cinco mil arrobas a quantidade de ipecacuanha lançada no comércio entre os anos de 1830 e 1837. Por fim, a extração da planta foi abandonada, até o ano de 1844. Por esta época, tendo sido vendidas no Rio de Janeiro algumas arrobas de ipeca à razão de 850 e 900 réis, preço que embora muito inferior ao que ela alcançava no princípio ainda deixava boa margem de lucro, voltou-se a explorá-la regularmente, com a probabilidade de que não mais se terão de temer as bruscas oscilações de preço verificadas no começo. A ipecacuanha, a julgar pelo que dizem os nativos, só ao cabo de dezesseis anos atinge completo desenvolvimento; sendo assim, não é crível que os mercados fiquem jamais tão abarrotados que o preço do produto venha a baixar demasiadamente. (CASTELNAU)

 

05.01.1914

 

Magalhães

 

[...] em demanda de S. Luís de Cáceres, onde chegamos, às 17h30, do dia 5 do mesmo mês. (MAGALHÃES, 1916)

 

Rondon

 

A 5 de janeiro tínhamos deixado o pantanal. O aspecto da região mudara – pequenas colinas aqui e ali, vegetação densa, interrompida por clareiras com ranchos de palha. À noitinha, chegávamos a São Luís de Cáceres – a última cidade que encontraríamos antes de atingir as do Amazonas – pitoresca cidade com suas casas brancas e azuis, de gelosias ([2]) ou rótulas, herdadas dos antepassados árabes, através dos portugueses. Terminava aí a primeira etapa da viagem, a mais fácil, a bordo de navios pequenos mas confortáveis: boa mesa, noites agradáveis em redes penduradas no tombadilho, sem mosquitos. (VIVEIROS)

 

Roosevelt

 

Ao fim da tarde de 5 chegamos à bonita e antiga cidadezinha de São Luiz de Cáceres na mais remota extremidade da região habitada do estado de Mato Grosso, a última cidade que veríamos antes de atingir as povoações do Amazonas. Quando nos aproximávamos, passamos por grupos de lavadeiras pretas seminuas à beira d’água. Os moradores, com a banda de música local, estavam reunidos no sopé da íngreme ladeira da rua principal onde o vapor atracou. Grupos de mulheres e meninas, brancas e trigueiras, nos observavam da ribanceira baixa. Suas saias e blusas eram vermelhas, azuis, verdes, de todas as cores, enfim.

 

Sigg, que tinha seguido adiante com o grosso da bagagem, veio ao nosso encontro em um improvisado barco de gasolina formado por uma canoa a cuja popa o nosso motor “Evinrude” havia sido adaptado; estava ele proporcionando a várias pessoas de proeminência do lugar um passeio que as enchia de grande satisfação. As ruas da pequena cidade não eram calçadas e tinham estreitos passeios de tijolos. As casas térreas eram caiadas de branco, ou de paredes azuis, cobertas de telhas vermelhas; as janelas, com persianas, vinham dos tempos coloniais; remontando através do Portugal cristão e mourisco, originaram-se de uma remota influência árabe. Lindas caras, algumas louras, outras morenas, miravam dessas janelas a rua. As mães de suas mães devem ter, por gerações sucessivas, assim mirado o exterior, de janelas idênticas, nos dias coloniais de antanho.

 

Mas ali mesmo em Cáceres o espírito do novo Brasil já ia penetrando; fora construído um belo edifício público para Grupo Escolar ([3]). Fomos apresentados ao Diretor, um homem esforçado que realiza excelente obra, um dos muitos professores trazidos nos últimos anos para Mato Grosso, de São Paulo, centro do novo movimento educacional que muitíssimo fará em benefício do Brasil. O Padre Zahm foi passar a noite com os frades franciscanos franceses, que são excelentes companheiros. 

 

Eu dormi na confortável residência do Tenente Lyra, uma casa ([4]) de verão com paredes grossas, portas largas e pátio aberto cercado por uma galeria. O Tenente Lyra ia acompanhar-nos; era um velho companheiro de explorações do Coronel Rondon. Entramos em algumas lojas para fazer as últimas compras e à noitinha passeamos pelas ruas poeirentas e sob as árvores da praça; as mulheres e meninas sentavam-se em grupo às portas ou ficavam às janelas. Aqui e ali instrumentos de cordas soavam na escuridão. (ROOSEVELT)

 

Filmete

 

https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s

 

Bibliografia

 

CASTELNAU, Francis de. Expedição às Regiões Centrais da América do Sul – Brasil – Rio de Janeiro, DF – Companhia Editora Nacional, 1949.

 

MAGALHÃES, Amílcar A. Botelho de. Anexo n° 5 – Relatório Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon – Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ, 1916

 

ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.

 

VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta Sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Ipecacuanha (Psychotria ipecacuanha): seu nome origina-se da palavra nativa i-pe-kaa-guéne – “planta de doente de estrada”, mais conhecida como ipeca ou poaia. Nas suas raízes são encontrados dois alcaloides importantes – a emetina e a cefalina que são usados no combate da diarreia e amebíase, além de serem considerados excelentes expectorantes e anti-inflamatórios.

[2]    Gelosia (do italiano) ou rótula (do latim): também conhecidas como venezianas, consta de uma treliça de madeiras cruzadas no vão de uma janela que protegem o interior da edificação da luz e do calor e permitem que se observe a parte externa sem ser visto.

[3]    Grupo Escolar: Escola Estadual Esperidião Marques, criada pelo Decreto n° 297 de 17.01.1912 e inaugurada em 1913.

[4]    O Tenente Lyra, gaúcho de Pelotas, casou-se em São Luiz de Cáceres, com Thereza Dulce filha de José (Giuseppe) Dulce, proprietário do “Ao Anjo da Ventura”. Thereza, após a morte de Lyra desposou o Capitão José Antônio Cajazeira.

Imagem 02 ‒ Tenente Lyra - Gente de Opinião
Imagem 02 ‒ Tenente Lyra

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuarta-feira, 25 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas  T

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira  O jornalista H

Gente de Opinião Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)