Sexta-feira, 16 de julho de 2021 - 06h03
Bagé, 16.07.2021
Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
2ª Parte – II
Cáceres - II
23.10.2015: Partimos, na tarde da
sexta-feira, depois de garantir que a viatura Marruá nos encontraria no
caminho, lá pela terça-feira, já que o Dr. Marc não queria perder mais nenhum
dia de viagem. É muito complicado partir para jornadas dessa magnitude com o
cronograma rígido, engessado, por isso mesmo, tenho preferido realizar minhas
Expedições sozinho sem interferências externas que possam comprometer o bom
andamento do Projeto ou de minhas pesquisas. As informações surgem à medida que
progredimos no terreno e alguns desses novos fatos podem merecer uma atenção
especial, determinando que direcionemos nossas pesquisas sobre eles, se assim
não o fizermos não estaremos realizando uma pesquisa, mas um mero turismo. Tenho
necessidade, como naturalista, de tentar conhecer o desconhecido, de procurar
desvendar mistérios, de descobrir segredos e de ampliar aquilo que foi
reportado sem a profundidade adequada.
Relatos Pretéritos – Cáceres
1843 a 1847
Francis de Castelnau
Vila Maria tomou este nome por ter sido fundada sob o reinado de D. Maria
I. A cidade parece destinada a rápido crescimento; mas o descaso do Governo, e
também dos próprios habitantes, de par com a falta de comunicação com o baixo
Paraguai, tem impedido que ela se desenvolva como era de esperar. Sua população
não vai além de 500 ou 600 pessoas e toda a freguesia de que é ela centro não
possui mais de mil e 800 habitantes de todos os matizes, inclusive cerca de
duzentos escravos. Contam-se entre os habitantes uns seiscentos índios,
descendentes, diz-se, dos Chiquitos da Bolívia. Vila Maria está situada na
margem esquerda do Rio Paraguai, num lugar em que a barranca não tem menos de
uns 10 m de altura.
Apesar da situação em que está, toda a região em volta não raro se acha
inundada, pois o Paraguai, recuando sempre para o lado esquerdo, tende a
destruir o terreno em que está construída a cidade. Já várias casas desabaram
no Rio, enquanto outras se acham de tal modo em risco de cair, que foi preciso
abandoná-las. Vila Maria é a principal cidade de Mato Grosso, do lado da
fronteira boliviana. O comandante da praça, como já dissemos, é um capitão, que
tem debaixo de suas ordens de setenta a oitenta soldados.
O destacamento de Jauru, composto de oitenta e quatro homens comandados
por um alferes, está subordinado ao posto de Vila Maria, bem como o das Onças,
que é constituído de uma quinzena de soldados, comandados por um sargento e um
cabo. Veem-se na caserna quatro peças de artilharia, duas de calibre dezoito e
as outras de doze.
Estes canhões foram trazidos até Diamantino pelo Rio Arinos, em 1825. O
atual comandante de Vila Maria, que naquele tempo estava empregado em
Diamantino, fê-los arrastar por terra até Buriti, de onde foram transportados
Rio Paraguai abaixo até o seu destino, onde chegaram em 1827.
As autoridades deste estabelecimento são um subdelegado e um juiz de paz.
O principal, para não dizer o único comércio do lugar, é o da ipecacuanha ([1]), planta que
cresce em abundância nas margens do alto Paraguai, do Vermelho, do Sepotuba e
do Cabaçal. A colheita desta planta é praticada geralmente durante os meses de
seca, ou seja desde março até setembro; mas há ocasiões em que ela é igualmente
praticada mesmo na estação das águas, quando é muito mais fácil arrancar a
planta do chão amolecido pela umidade. As canoas que saem de Cuiabá, descem o
Rio do mesmo nome e sobem o Paraguai, entretendo assim um comércio que atinge
por ano milhares de arrobas do produto a que nos estamos referindo. Foi em 1814
que o Desembargador José Francisco Leal anunciou a existência da ipecacuanha
nessa região, onde tinha sido enviado pelo Governo, com o fito de procurar
terrenos auríferos no distrito de Vila Maria e nas margens do Rio Cabaçal.
Estes, apesar de não serem nada raros, lhe pareceram muito menos ricos em
mineral do que havia calculado. Durante muitos anos ninguém se importou de
utilizar a descoberta; mas, em 1830, um negociante de nome José da Costa Leite,
tendo conseguido juntar duas arrobas da planta, remeteu-as para o Rio de
Janeiro, onde a acharam de boa qualidade e a pagaram à razão de 1.600 réis a
libra. Negócio tão vantajoso deu logo origem a uma exploração considerável do
produto, que continuou até 1837, quando a sua cotação começou a baixar, em
consequência da enorme quantidade que dele se oferecia no mercado.
Avalia-se em nada menos de vinte e cinco mil arrobas a quantidade de
ipecacuanha lançada no comércio entre os anos de 1830 e 1837. Por fim, a
extração da planta foi abandonada, até o ano de 1844. Por esta época, tendo
sido vendidas no Rio de Janeiro algumas arrobas de ipeca à razão de 850 e 900
réis, preço que embora muito inferior ao que ela alcançava no princípio ainda
deixava boa margem de lucro, voltou-se a explorá-la regularmente, com a
probabilidade de que não mais se terão de temer as bruscas oscilações de preço
verificadas no começo. A ipecacuanha, a julgar pelo que dizem os nativos, só ao
cabo de dezesseis anos atinge completo desenvolvimento; sendo assim, não é
crível que os mercados fiquem jamais tão abarrotados que o preço do produto
venha a baixar demasiadamente. (CASTELNAU)
05.01.1914
Magalhães
[...] em demanda de S. Luís de Cáceres, onde chegamos, às 17h30, do dia 5 do mesmo mês. (MAGALHÃES, 1916)
Rondon
A 5 de janeiro tínhamos
deixado o pantanal. O aspecto da região mudara – pequenas colinas aqui e ali,
vegetação densa, interrompida por clareiras com ranchos de palha. À noitinha,
chegávamos a São Luís de Cáceres – a última cidade que encontraríamos antes de atingir
as do Amazonas – pitoresca cidade com suas casas brancas e azuis, de gelosias ([2]) ou
rótulas, herdadas dos antepassados árabes, através dos portugueses. Terminava
aí a primeira etapa da viagem, a mais fácil, a bordo de navios pequenos mas
confortáveis: boa mesa, noites agradáveis em redes penduradas no tombadilho,
sem mosquitos. (VIVEIROS)
Roosevelt
Ao fim da tarde de 5 chegamos
à bonita e antiga cidadezinha de São Luiz de Cáceres na mais remota extremidade
da região habitada do estado de Mato Grosso, a última cidade que veríamos antes
de atingir as povoações do Amazonas. Quando nos aproximávamos, passamos por
grupos de lavadeiras pretas seminuas à beira d’água. Os moradores, com a banda
de música local, estavam reunidos no sopé da íngreme ladeira da rua principal
onde o vapor atracou. Grupos de mulheres e meninas, brancas e trigueiras, nos
observavam da ribanceira baixa. Suas saias e blusas eram vermelhas, azuis,
verdes, de todas as cores, enfim.
Sigg, que tinha seguido adiante com o grosso da bagagem, veio ao nosso
encontro em um improvisado barco de gasolina formado por uma canoa a cuja popa
o nosso motor “Evinrude” havia sido
adaptado; estava ele proporcionando a várias pessoas de proeminência do lugar
um passeio que as enchia de grande satisfação. As ruas da pequena cidade não
eram calçadas e tinham estreitos passeios de tijolos. As casas térreas eram
caiadas de branco, ou de paredes azuis, cobertas de telhas vermelhas; as
janelas, com persianas, vinham dos tempos coloniais; remontando através do
Portugal cristão e mourisco, originaram-se de uma remota influência árabe. Lindas
caras, algumas louras, outras morenas, miravam dessas janelas a rua. As mães de
suas mães devem ter, por gerações sucessivas, assim mirado o exterior, de
janelas idênticas, nos dias coloniais de antanho.
Mas ali mesmo em Cáceres o espírito do novo Brasil já ia penetrando; fora construído um belo edifício público para Grupo Escolar ([3]). Fomos apresentados ao Diretor, um homem esforçado que realiza excelente obra, um dos muitos professores trazidos nos últimos anos para Mato Grosso, de São Paulo, centro do novo movimento educacional que muitíssimo fará em benefício do Brasil. O Padre Zahm foi passar a noite com os frades franciscanos franceses, que são excelentes companheiros.
Eu
dormi na confortável residência do Tenente Lyra, uma casa ([4]) de verão com paredes grossas, portas
largas e pátio aberto cercado por uma galeria. O Tenente Lyra ia
acompanhar-nos; era um velho companheiro de explorações do Coronel Rondon. Entramos
em algumas lojas para fazer as últimas compras e à noitinha passeamos pelas
ruas poeirentas e sob as árvores da praça; as mulheres e meninas sentavam-se em
grupo às portas ou ficavam às janelas. Aqui e ali instrumentos de cordas soavam
na escuridão. (ROOSEVELT)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
Bibliografia
CASTELNAU, Francis de. Expedição às Regiões Centrais da América do
Sul – Brasil – Rio de Janeiro, DF – Companhia Editora Nacional, 1949.
MAGALHÃES, Amílcar A.
Botelho de. Anexo n° 5 – Relatório
Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon – Chefe da
Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ, 1916
ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒
Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta Sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de
Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Ipecacuanha (Psychotria ipecacuanha): seu nome origina-se da
palavra nativa i-pe-kaa-guéne – “planta de doente de estrada”, mais
conhecida como ipeca ou poaia. Nas suas raízes são encontrados dois alcaloides
importantes – a emetina e a cefalina que são usados no combate da diarreia e
amebíase, além de serem considerados excelentes expectorantes e
anti-inflamatórios.
[2] Gelosia (do italiano) ou rótula (do latim): também conhecidas
como venezianas, consta de uma treliça de madeiras cruzadas no vão de uma
janela que protegem o interior da edificação da luz e do calor e permitem que
se observe a parte externa sem ser visto.
[3] Grupo Escolar: Escola Estadual Esperidião Marques, criada pelo
Decreto n° 297 de 17.01.1912 e inaugurada em 1913.
[4] O Tenente Lyra, gaúcho de Pelotas, casou-se em São Luiz de
Cáceres, com Thereza Dulce filha de José (Giuseppe) Dulce, proprietário do “Ao Anjo da Ventura”. Thereza, após a
morte de Lyra desposou o Capitão José Antônio Cajazeira.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H