Quarta-feira, 28 de julho de 2021 - 06h02
Bagé, 28.07.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
2ª Parte – IX
Tropa Cargueira – I
Funeral de Tropas
(Moacir D’Ávila Severo)
O berro do boi, o grito do homem,
O assovio do vento no fio do alambrado,
São fundos que marcam a última viagem
De vidas-passagens, destinos traçados.
Antes de partirmos de Tapirapuã com a
Expedição Centenária e prosseguir com os relatos da Expedição Científica,
vejamos as providências tomadas pelo Cap Amílcar Magalhães, segundo o “Anexo n° 5”:
18 a 20.01.1914: Pelas 18h00, de 18
e pela madrugada de 19, saíram os
quatro lotes de tropa do Rio da dúvida, com 54 bois cargueiros, conduzindo 136
volumes dos quais 99 eram da Comissão americana, 9 de barracas de campanha, um
com as tabuletas designativas dos Rios Roosevelt e Kermit e 28 com gêneros
destinados à alimentação do pessoal da tropa e com suas respectivas bagagens.
Convém dizer aqui, a propósito, duas palavras em relação a esses 99 volumes
americanos:
Quase todos eles eram
constituídos de substâncias alimentícias, acondicionadas de modo que a cada um
dos dias da semana correspondia um certo menu, encerrado em pequenos caixotes
dentro dos quais estavam as conservas e petrechos, divididos em duas caixas de
zinco hermeticamente soldadas.
Exteriormente viam-se inscritos os números um a sete para assinalar os dias da semana de domingo a sábado, respectivamente. Os caixotes continham assim almoço e jantar para dois dias, cada lata representando as duas refeições de um só dia para oito homens, e eram calculadas de tal modo que a relação de peso e de volume determinaria a sua flutuação se por acaso caíssem na água.
21.01.1914: No dia 21 pela manhã partiu
a tropa de 54 burros que conduziria as cargas da primeira turma, sob a chefia
de honra do Sr. Coronel Roosevelt. Às 13h00 partia o pessoal técnico da
primeira turma ao qual acompanhei até meia légua de distância, retrocedendo
então a Tapirapuã, depois de apresentar as minhas despedidas à Comissão
Americana e demais membros componentes da primeira turma. [...]
Regressando a Tapirapuã,
comecei desde logo a ativar os preparativos de organização da minha turma,
designada por “segunda”, conforme fez
público a Ordem do dia n° 2, de 16.01.1914, da chefia da Comissão Brasileira.
Mandei imediatamente
chamar à minha presença o encarregado geral das tropas de minha turma, Antenor
Rodrigues Gonçalves, e os arrieiros de cada uma das tropas, Pedro Augusto de
Figueiredo, da de bois, e João da Cruz Gomes, da de burros, transmitindo-lhes
ordens terminantes para que tudo estivesse pronto no dia seguinte.
22.01.1914: Apesar, porém, dos meus esforços, só às 16h00 de 22, partia o primeiro lote de dez bois cargueiros, saindo o
derradeiro lote de tropa às 19h00. A tropa que servia às necessidades da minha
turma era constituída de 97 animais quando saí de Tapirapuã [...]
Pouco antes da partida do
primeiro lote de bois, partiram o Tenente Luiz Thomaz Reis [fotógrafo e
cinematografista] e o Sr. Hoehne [botânico] e pouco depois os taxidermistas
Blake e Reinisch e o Adido Joaquim Horta ‒ todos com destino ao salto. Às 16h20
saiu o primeiro lote de burros com 11 animais e um tocador montado; às 16h25 o
segundo com outro tocador montado, às 17h25 partiu o terceiro com 11 animais de
cangalha e dois tocadores montados e às 17h45 o último lote de muares, com uma
mula adestra; às 19h00 horas saiu finalmente a derradeira fração da tropa ‒ o
segundo lote de bois cargueiros com 13 animais, tocando-se quase ao mesmo tempo
os 17 bois adestros. [...]
Verificando pessoalmente a
situação de todas as tropas e mandando descarregar um lote em meio do cerrado,
para que os prejuízos fossem menores, retrocedi a Tapirapuã, acompanhado do
médico da turma Dr. Fernando Soledade e do Ten Vieira de Mello, Cmt do
Destacamento, combinando tudo de modo que ao clarear do dia seguinte pudéssemos
marchar com todas as tropas e concentrá-las em Salto da Felicidade, ponto
naturalmente eleito para 1° pouso [24 km de Tapirapuã].
23.01.1914: Assim aconteceu; às 05h30 do dia 23, estava sendo arriado o meu animal de montaria e em seguida
partia eu acompanhado do Dr. Soledade, deixando em Tapirapuã o Tenente Mello,
que faria a retaguarda da coluna, para providências sobre o transporte, em
carroça, de todas as cargas que fosse encontrando em caminho e que à beira da
estrada seriam mandadas arrumar por mim.
Tais cargas aí colocadas
indicariam não ter sido encontrado o animal cargueiro que as havia derrubado,
na véspera.
Às 07h00, chegamos ao
pouso do lote de burros que na véspera fizera acampar no cerrado, e aí esperei
pacientemente que terminassem os tropeiros os preparativos de marcha,
assistindo ainda carregar os animais, enquanto o Dr. Soledade prosseguia viagem
para o Salto da Felicidade, a meu conselho, para evitar que se impacientasse
com a espera, pois que, seguindo o meu programa, eu não deixaria para trás
tropa alguma e, custasse o que custasse, as levaria todas por diante até este
Salto.
Às 07h30, pus-me em marcha
escoltando o lote agora reduzido a 8 animais, e, às 07h45, encontrei a carga de
um dos cargueiros desaparecidos, mandando desmontar um dos tocadores para
utilizar a sua montada como cargueiro e fazendo distribuir por alguns dobros ([1])
as diferentes peças de seu arreamento.
Às 13h00, alcancei o “Salto” com as tropas de bois e de burros
que vim arrebanhando pela estrada, começando pessoalmente a dirigir a passagem
de todas elas e as cargas respectivas, para a outra margem [direita] do
Sepotuba, utilizando a balsa aí existente. Durante esse tempo chegou de
Tapirapuã o Tenente Mello e, às 16h55, tínhamos passado cargas e animais para o
outro lado, dirigindo-nos então ao rancho em que acantonavam os demais membros
da 2ª turma. [...] Teríamos que agregar ao contingente mais um inferior e dez
praças que se achavam em Aldeia Queimada, o que elevaria a 67 o número de
indivíduos da minha turma; iríamos atravessar uma zona onde reinava o paludismo
e estávamos também sujeitos, evidentemente, a todos os acidentes que se podem
produzir no Sertão; não possuíamos nem farmacêutico, nem um prático que o
substituísse; finalmente, apesar da Expedição dispor de um outro médico que
acompanhava a primeira turma, partíramos de Tapirapuã na convicção de que não
tínhamos necessidade de pedir-lhe explicações sobre a utilização dos
medicamentos mais essenciais. [...]
Ainda nesse dia 23, mandei carnear o primeiro boi para
o pessoal da turma. Ao cair da tarde, chegou com o campeador um dos quatro
cargueiros extraviados nessa primeira marcha; vinha em pelo esse animal e nem
fora possível encontrar-se a cangalha e tão pouco a carga de gêneros que
transportava.
Comuniquei à turma as
disposições de marcha para o dia imediato e dei ordem ao pessoal da tropa para
a partida o mais cedo possível, mandando que permanecessem no salto: um inferior,
que aguardaria a volta do portador com a vossa resposta e levar-me-ia a última
resolução dos demissionários após sua leitura, e um tocador da tropa de muares,
incumbido de campear os três animais sumidos e marchar ao meu encontro. Nessa
marcha inicial perdeu-se um boi cargueiro que estava extraviado e foi depois
encontrado morto no cerrado, presumindo-se que tenha sido vitimado por
mordedura de cobra, enquanto pastava.
24.01.1014: No dia 24 de janeiro, às 06h30, partia a tropa de bois, que foi cinematografada pelo Tenente Reis; às 09h40, saíram os nossos bois adestros e os de corte; às 09h55, partiu um para conduzir os petrechos de cozinha de última hora. Às 14h00, recebi em meu acampamento o Sr. Cel Roosevelt, seu filho Kermit Roosevelt, os naturalistas Miller e Cherrie, assim como os membros da Comissão brasileira destacados na primeira turma. Mandei armar as suas barracas em uma área já preparada por mim, defronte ao meu acampamento, onde permaneceram até o almoço do dia imediato.
Às 19h30, após o almoço,
que fora distribuído uma hora antes, formou o pessoal e recebeu ordem de marcha
com designação do pouso em “Quilômetro
Cinquenta”, partindo em seguida. [...] Fazendo a retaguarda geral, cheguei,
às 18h30, ao “Quilômetro Cinquenta”
em cujos ranchos fizemos o nosso segundo acantonamento. [...]
Tendo conhecimento do
grande “Areal” que separa o pouso do
“Quilometro Cinquenta” do de “Aldeia Queimada”, dei as providências
necessárias, por intermédio do Ten Vieira de Mello, Cmt do Contingente, para que
as Praças recebessem pela madrugada o almoço preparado e se pusessem em marcha
imediatamente. Choveu muito durante esta travessia.
25.01.1014: Às 05h30 de 25, partiu o
nosso Contingente, depois da distribuição do café e do almoço preparado. À
beira do fogo ficou o almoço dos oficiais para ser servido meia hora antes da
partida da tropa de muares. Ainda para evitar o “Areião”, à hora do Sol quente, partira à tarde a tropa de bois.
Às 08h50, almoçamos e em
seguida tivemos a decepção de saber que faltavam quatro burros, dos quais dois
eram dos de sela. Às 09h30, foram encontrados três animais e mandei deixar
encostado aí um deles que, por doente, estava evidentemente frouxo, em
condições de não poder seguir viagem.
Parti à retaguarda do
último lote de burros, ao meio dia, depois de ter-me assegurado pessoalmente de
que não faltava nenhum dos nossos bois; a meio do caminho fiz seguir o Tenente
Mello para a frente e aguardei a passagem da tropa de bois. Após o almoço,
seguiu o Sr. Coronel Roosevelt com sua comitiva para o Rio da dúvida, em cuja
margem direita acampou.
Às 16h55 o corneteiro do
meu acampamento deu o sinal de Comandante do 5° Batalhão de Engenharia,
anunciando a vossa chegada ao meu acampamento, de onde parti convosco para o
acampamento do Rio da Dúvida, aí pernoitando por necessidade do serviço [...].
Entre as 16h00 e 17h30 trovejou e choveu copiosamente.
Às 21h30, com uma das mais
escuras noites que tenho visto no Sertão, alcancei “Aldeia Queimada” com a cauda da coluna e a corneta quebrou em
seguida o silêncio com os toques de rancho para oficiais e rancho para as
praças. Acantonamos em uma esplêndida casa que a Comissão de linhas telegráficas
tem aí construída, acantonando também o pessoal da turma nas outras casas
existentes. (MAGALHÃES, 1916)
Filmetes
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
https://www.youtube.com/watch?v=rECpPlEurDI&t=23s
Bibliografia
– Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ, 1916
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel
de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador,
Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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