Segunda-feira, 26 de julho de 2021 - 06h03
Bagé, 26.07.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
2ª Parte – VII
A 16 de janeiro, chegávamos a Tapirapuã, Quartel General
da Comissão. Carinhosa acolhida, bandeiras das Nações americanas festivamente
desfraldadas. Organizaria aí a marcha por terra, através dos Sertões Paresí e
Nambiquaras. Para essa marcha, mandara eu reunir uma tropa de 10 muares e 70
bois cargueiros – dos que se empregam em Mato Grosso no transporte de
cargas e cangalhas [...] (VIVEIROS)
Tropa Ponta Cortada ao Carlito de Itararé
(Luciano Rosa)
Duzentas mulas
argentinas, mansas, xucras, caborteiras.
Cruzaram pela
fronteira nadando pro nosso lado.
Ponta,
corrida, cortada, porque as melhores vêm na frente.
Sistema de
antigamente selecionando a mulada.
Tropa pronta e
faturada, burro cargueiro e bruaca ([1]).
E o velho Tito
Guaiaca, cozinheiro e ponteador.
Na frente, as
mansas de arreio e a velha mula ruana ([2]).
Na goela, leva
a campana do cincerro cantador ([3]).
De São Borja
até Cruz Alta, foi quase um mês estradando.
Mais meio até
Passo Fundo folgando pra descansar.
Dois dias e um
pouco mais, tropa na estrada de novo.
Estirada ao
novo povo, da Vacaria dos Pinhais.
Estalo, relho
e assovios, do cincerro à badalada.
Planalto,
picada e Rio, no rumo de Itararé.
Lages...
Castro... os birivas, nestas tropeadas muleiras.
Não
respeitavam fronteiras, divisa ou tempo qualquer.
Quanto maior a
distância, a lembrança dobra a idade.
Mas o que dói,
é a saudade do pago o rancho e a mulher. [...]
Ilha da
Amizade a Tapirapuã (25.10.2015)
A 3ª e derradeira jornada fluvial foi
executada pela manhã. O leito do Rio Tenente Lyra tornou-se cada vez mais raso
e pedregoso, diversos rápidos e corredeiras sucediam-se exigindo habilidade e
atenção dos piloteiros. Volta e meia, me sentava à proa procurando orientar o
Cel Angonese na condução da voadeira, a transparência das águas facilitava a
detecção de obstáculos. O número de pesqueiros particulares e de pescadores
sucediam-se ininterruptamente em ambas as margens, não era de admirar que o
pescado estivesse tornando-se cada vez mais escasso. Aportamos em Tapirapuã no
final da manhã, depois de navegar por 29 km, carregamos nossas bagagens para a
sala de informática da Escola Estadual Marechal Rondon e nos despedimos de
nosso caro guia e piloteiro Alemão.
Fomos autorizados a utilizar o fogão
da cozinha da Escola e depois do almoço e de um breve descanso fui fazer um
reconhecimento da área visitando a “Casa
de Rondon” (14°51’02,4”S/57°46’05,3”O). Em fevereiro de 2012, o prédio
conhecido como “Casa Rondon” foi
considerado como Patrimônio Histórico e Cultural do Mato Grosso. A residência
foi sede e moradia da Comissão Telegráfica liderada pelo Marechal Rondon, a
partir de 1906. Nela hospedou-se, também, o Presidente dos Estados Unidos
Theodore Roosevelt quando por aqui passou, em 1914, em busca do Rio da Dúvida.
Mais tarde fui até o Restaurante da
simpática D. Vanda que me informou que a aquela área faz parte de um dos
maiores assentamentos latino-americanos chamado Antônio Conselheiro e que a
maioria dos assentados já tinha vendido suas glebas como soe acontecer com as
populistas reformas agrária tupiniquins. Lá pelas 16h00, chegou a comitiva
comandada pelo “Boi” (Sr. Eduardo
Ramos) com suas nove mulas e burros e um cavalinho polaqueiro ([4]),
curiosamente número de montarias seria idêntico
ao da Expedição original caso a narração de Viveiros fosse correta:
Para essa marcha, mandara
eu reunir uma tropa de 10 muares e 70 bois cargueiros [...]
Na realidade, segundo Rondon, eram 110 muares e não dez. Ao subir o Sepotuba Viveiros relata:
Continuávamos a descer o Rio, na lancha “Anjo da Ventura”, e os cães acompanhavam nas margens, onde a
floresta tropical formava parede [...]
A Expedição, na verdade, subia e não descia
o Sepotuba. Ao desembarcar o polaqueiro machucou a pata traseira que recebeu
especial atenção nas duas semanas que se seguiram até estar completamente
curada.
Relatos
Pretéritos - Tapirapuã
16 a 20.01.1914
Rondon
Afinal, desarmamos as
barracas no dia 13 e seguimos para
Itapirapuã, perto do Sepotuba, aberto em 1908 pela Comissão das Linhas
Telegráficas, para atender às necessidades do aprovisionamento dos seus
trabalhos no Chapadão dos Paresí, até muito além do Rio Juruena e da Serra do
Norte.
Ali chegamos pouco antes
do meio dia de 16 de janeiro
iniciando-se logo a preparação das cargas e das tropas que tinham de partir com
a Expedição para o interior do Sertão. Foi necessário subdividir a carga de
vários caixões da Comissão Americana, de modo a acondicioná-la em volumes de
peso proporcionado ao esforço que se pode exigir de animais que vão ser
obrigados a percorrer mais de 600 km através de campos paupérrimos de gramíneas
forrageiras. Eu conseguira fazer reunir em Tapirapuã, para os serviços de
transporte, 110 muares e 70
bois cargueiros.
Para organizar e expedir
os vários lotes dessa tropa, com 360 volumes grandes e muitos outros, menores,
de sobrecarga, foram necessários cinco dias de trabalhos incessantes. Enquanto
isso, os naturalistas iam aumentando as suas coleções zoológicas, pela
aquisição de novos exemplares, alguns dos quais caçados pelos Srs. Roosevelt e
Kermit. Adotaram-se também medidas indicadas pela oportunidade das
circunstâncias presentes, para obter o aceleramento na marcha da Expedição,
desejado pelo Sr. Roosevelt. Formamos duas turmas, que deviam avançar
separadamente através do Sertão, até se encontrarem de novo, na estação de José
Bonifácio. A 1ª, chefiada pelo Ex-presidente, auxiliado por mim, seguiria pela
estrada de abastecimento da Comissão das Linhas Telegráficas, passando por
Utiariti; a segunda, sob a chefia do Capitão Ajudante Amílcar de Magalhães,
tomaria caminho mais direto, pelas cabeceiras dos Rios Verde, Sacre, Papagaio,
Buriti e Sauêuiná, para chegar a Juruena a tempo de prosseguir daí por diante
com um avanço de, pelo menos, 24 horas sobre a primeira: deste modo, o Sr.
Roosevelt não passaria pelo dissabor de ver a sua marcha detida por algum
embaraço da estrada, porque, antes, o Capitão Amílcar, que se encarregara da
reparação e concerto das pontes e estivados, já o teria removido. (RONDON)
Roosevelt
13.01.1914: No dia 13 levantamos
acampamento, carregamos a lancha e a chata com todos os nossos objetos e nossas
pessoas, e arrancamos Rio acima para Tapirapuã. Éramos ao todo 30 homens, com
cinco cães, e levávamos barracas, camas e provisões; a carne fresca que cada
vez menos fresca ia ficando; e as peles e tudo o mais amontoado com essas
cousas. Choveu quase todo o primeiro dia e parte da primeira noite. A seguir, o
tempo continuou em geral enfarruscado, agradável para viajar; algumas vezes a
chuva e a soalheira tórrida se alternavam. A cozinha – aliás excelente – era
feita num curioso fogãozinho ao ar livre, na popa da chata coberta. Esse fogão
era formado de pedaços de cupim colocados entre os bordos da embarcação. Junto
a ele o escuro cozinheiro, com filosófica solenidade, trabalhava ao Sol e à
chuva com duas ou três panelas. Nossos homens, boas almas debaixo de peles de
todas as cores e matizes, dormiam, na maior parte do tempo, encolhidos entre
caixas, fardos e mantas de carne seca. Uma enorme tartaruga terrestre estava
peada na proa da chata. Quando os homens dormiam muito próximos, ela fazia
esforços inúteis para trepar sobre eles; em retribuição, alguns deles, de vez
em quando, transformavam-na em assento.
Vagarosamente a máquina
resfolegante ia impelindo a lancha e seu pesado reboque contra a rápida
correnteza. O Rio tinha subido, e fazíamos cerca de dois quilômetros por hora.
À frente, a escura faixa das águas estendia-se em curvas entre intermináveis
muralhas de floresta tropical. Era como se atravessássemos uma gigantesca
estufa. Coqueiros babaçu e buriti, sarãs, enormes figueiras, bambus
empenachados, árvores estranhas de troncos amarelos, árvores baixas com folhas
enormes, árvores altas com delicada folhagem rendilhada, árvores de troncos com
escoras naturais, outras com o estipe erguendo-se esguio, liso e direito a
incríveis alturas, todas entrançadas entre si por um emaranhado de trepadeiras
se debruçavam à beira do Rio.
Os galhos pendiam até a
água, formando uma cortina através da qual era impossível ver o barranco e
excessivamente difícil atingi-lo. Raramente alguma ostentava flores – grandes
cachos brancos ou de pequenas flores vermelhas ou azuis. As mais das vezes, as
flores lilases das begônias trepadeiras faziam largas manchas coloridas.
Inúmeras parasitas cobriam os galhos e até cresciam sobre os troncos enrugados.
Vimos pouca vida alada. Alguns biguás, de vez em quando, e martins-pescadores
voando de galho em galho. Com longos intervalos passávamos por alguma fazenda.
Em uma delas a casa grande, coberta de telhas vermelhas e caiada, ficava numa
encosta gramada, atrás de mangueiras. As folhas de madeira estavam abertas nas
janelas sem vidraças e suas grandes salas eram inteiramente nuas, sem um livro,
sem um enfeite. Uma palmeira, carregada dos pendentes ninhos de guaches ([5]),
ficava próxima da porta.
Para o lado de trás havia
laranjeiras e pés de café e perto ficavam o bananal, o arrozal e a plantação de
fumo. O capataz, de tez lívida, era hospitaleiro e cortês. O mulherio trigueiro
se manteve, furtivo, nos bastidores. Como a maior parte das fazendas, esta era
propriedade de uma firma com escritório em Cáceres. [...]
Ao fim da primeira tarde
acostamos numa modesta fazenda, das mais pobres. As casas eram cobertas de
folhas de palmeiras. Até as paredes eram de grandes palmas folhudas de babaçu,
fincadas em pé no solo e acamadas umas sobre as outras. Alguns da comitiva saltaram
em terra, outros ficaram a bordo. Não havia mosquitos, o calor não era
excessivo e dormíamos bem.
14.01.1914: Pelas 05h00 da manhã seguinte cada um de nós havia bebido uma xícara
do delicioso café brasileiro e as embarcações continuavam a viagem. Durante o
dia todo navegamos lentamente Rio acima. Passamos por duas ou três fazendas.
Paramos em uma para arranjar leite. Ali as árvores estavam recobertas de
pequenas orquídeas amarelas. Ao escurecer paramos numa aberta onde não havia
galhadas para impedirem que encostássemos as embarcações no barranco. Não havia
quase mosquitos. A maior parte do pessoal levou as redes para terra e o
acampamento foi armado nos arredores singularmente belos. As árvores eram
palmeiras babaçu, algumas com suas folhas coroando altos troncos; outras havia
com palmas mais longas, que subiam quase do solo. Estas folhas eram de grande
comprimento, algumas de não menos de 13 ou 14 metros. Arbustos e capim alto,
cobertos de orvalho e brilhando com o verde das esmeraldas, cresciam nos
espaços abertos. (ROOSEVELT) (Continua...)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
Bibliografia
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências
Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido
Mariano da Silva Rondon no Teatro Phœnix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos
da Expedição Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de
Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Através do
Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora
Nacional, 1944.
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta
Sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Bruaca: mala de couro cru.
[2] Ruana: marrom suave.
[3] Cincerro cantador: polaca.
[4] Polaqueiro: tem a mesma função da “égua madrinha” que como o polaqueiro serve de guia à tropa já
acostumados com aquele que traz em seu pescoço uma polaca (cincerro, sininho).
[5] Guaches: japiim do mato – Cacicus haemorrhous.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H