Terça-feira, 27 de julho de 2021 - 06h03
Bagé, 27.07.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
2ª Parte – VIII
Ilha da Amizade –
Tapirapuã II
Relatos
Pretéritos - Tapirapuã
Roosevelt
(Continuação)
15.01.1914: Partimos ao amanhecer do dia seguinte. Um dos marinheiros se tinha
extraviado no interior do terreno. Começou a dar voltas sem conseguir achar o
Rio; tínhamos partido sem notar sua ausência. Paramos de pronto ao dar por ela,
e com dificuldade o homem abriu caminho através dos cipós e dos espinheiros do
matagal, na direção do ruído do motor da lancha e dos toques de buzina com que
lhe indicávamos o lugar onde estávamos. Naquela densa mataria, quando o Sol
está oculto nas nuvens, um homem sem bússola, que se afaste cem metros do Rio,
pode facilmente se extraviar irremediavelmente.
Ao passo que subíamos o
Rio, os coqueiros babaçu se tornavam cada vez mais numerosos. Naquele trecho,
por espaço de muitos quilômetros eles davam um aspecto característico às matas
marginais. Em toda parte seus ramalhetes de folhas compridas e curvas se
erguiam entre as outras árvores e em certos pontos as sobrepujavam em altura.
Mas nunca igualavam em altura aos gigantes das outras árvores comuns. Num
coqueiro altíssimo vimos um aglomerado de orquídeas violetas crescendo à meia
altura do tronco. Numa outra árvore enorme ‒ não coqueiro ‒, que sombreava uma
pequena clareira, havia cerca de cem ninhos de guaches.
Passamos durante esse dia
por uma grande fazenda, além de dois ou três pequenos sítios. As várias casas e
ranchos, todos cobertos de folhas de coqueiros, ficavam junto ao Rio, num largo
espaço de solo descoberto, escalonado de coqueiros babaçu. Uma chata coberta
estava encostada ao barranco. Mulheres e crianças olhavam das janelas sem
vidraças; os homens achavam-se parados à frente das casas. A construção maior
era cercada por uma estacada feita de rachas de palmeiras fincadas no chão.
Bois e vacas pastavam em volta, e carros de sólidas rodas inteiriças de madeira
estavam inclinados, com suas lanças encostadas no chão. Fizemos nossa parada do
meio-dia em uma ilha onde existiam altas árvores, cheias de frutas agradáveis
ao paladar [Deviam ser ingazeiros, que abundam naquelas paragens]. Outras
árvores da ilha estavam cobertas de flores de um vermelho vivo e amarelas;
delicadas florinhas azuis e outras brancas, estreladas, atapetavam o chão. Aqui
e ali, pela superfície do Rio, voavam andorinhas com tanta cor branca em sua
plumagem que, brilhando ao Sol, Pareciam ter os corpos níveos suportados por
asas pretas. A correnteza do Rio se ia tornando mais rápida; havia trechos de
águas revoltas quase semelhando corredeiras; máquina, incansável, fazia força e
arfava sob a dificuldade crescente com que impelia para frente a lancha e sua pesada
companheira. À noite amarramos junto ao barranco, num claro da mata que
permitia acampamento confortável. Nessa noite os cupins abriram largos furos
no mosquiteiro de Miller e quase lhe destruíram as meias e os cordões dos
sapatos.
16 a 20.01.1914: Ao nascer do Sol continuamos a viagem. Havia trechos de
água rápida e encarneirada, quase formando corredeiras; em toda parte a
correnteza era forte e nosso avanço muito lento. A prancha era rebocada por um
cabo e sua tripulação recorria aos varejões.
Mesmo assim, às vezes com
muita dificuldade, conseguíamos vencer a correnteza. Duas ou três vezes, socós
e biguás, pousados em alguma tranqueira do Rio, ou em árvores da margem,
deixavam a lancha se aproximar até alguns metros. Em um trecho de mato alto
notamos um bando de tucanos, visíveis, mesmo entre as copas das árvores, devido
aos seus enormes bicos, e à destreza sossegada com que andavam, subiam e
saltavam entre a galharia. Passamos por várias fazendas. Pouco antes do
meio-dia, a 16 de janeiro, chegamos
a Tapirapuã, sede da Comissão Telegráfica. Era um lugar atraente dando sobre o
Rio, e se achava garridamente engalanado em nossa honra, não só com as
bandeiras do Brasil e dos Estados Unidos, como com as de todas as repúblicas
americanas. Havia ali um grande espaço coberto de grama verde com árvores no
centro. Em um lado desse espaço ficava o escritório da Comissão e, no outro, o
de uma grande fazenda que ali tinha sua sede. Adicionem-se a isso, estrebarias,
ranchos, abrigos externos, currais e, nas proximidades, áreas cultivadas.
Vacas leiteiras, bois para
corte, bois carreiros e burros andavam quase que à vontade. Havia dois ou três
caminhões e carros, assim como um trator utilizados na construção das linhas
telegráficas, mas inservíveis na época das chuvas, ao tempo de nossa Expedição.
Daquele lugar iríamos começar nossa viagem por terra com burros e bois de
carga, várias dúzias dos quais foram reunidos para nos esperar. Muitos dias
foram necessários para repartir as cargas e organizar várias combinações
necessárias para que tão grande comitiva pudesse empreender a longa travessia
do Sertão, atravessando uma região onde não havia alimento bastante para homens
ou animais e onde era sempre possível entrar nalguma zona em que reinassem
pestes fatais ao gado ou aos cavalos.
Fiala, com a habitual
eficiência, tomou a seu cargo os aprestos relativos ao grupo americano da
Expedição, tendo em Sigg um ativo e útil auxiliar. Harper, que como os outros
trabalhava com zelo dedicado e jovial, ajudava-o também, exceto quando ocupado
a auxiliar os naturalistas. Estes últimos, Cherrie e Miller, tinham feito,
tanto quanto possível, o melhor e mais difícil trabalho da Expedição. Haviam
colhido cerca de mil aves e 250 mamíferos. Não era provável que conseguissem outro
tanto no resto de nossa viagem, pois tencionávamos, dali por diante, fazer tão
poucas paradas e jornadear tão rapidamente quanto nos permitissem o terreno, o
tempo e as condições dos meios de transporte.
Eu sempre desejava que
dispuséssemos de mais tempo para estudar os hábitos de vida de empolgante
interesse dos belos e admiráveis animais de pelo e aves que víamos a cada
momento. Todo museu de primeira classe deve ainda organizar competentes
colecionadores de espécimes; julgo, porém, que um museu poderia atualmente
trazer benefícios mais duradouros se mandasse para os sertões imensos, onde a
natureza selvática domina, observadores competentes que registrassem aquilo que
observassem.
Tais homens deveriam
também colher espécimes, pois essa colheita ainda é necessária; mas teriam de
ser, de preferência, capazes de ver por si, e de expor sugestivamente aos olhos
alheios os hábitos e costumes das criaturas que moram nas regiões desabitadas
do mundo. Naquele lugar tanto Cherrie como Miller conseguiram certo número de
mamíferos e aves que antes não haviam obtido; se alguns eram novos para a
ciência, era cousa que só podia ser determinado após a chegada dos espécimes ao
Museu Americano.
Quando fazia inspeção de
suas armadilhas para pequenos mamíferos durante a manhã, Miller encontrou um
exército de terríveis formigas. A espécie era das pretas grandes e moviam-se em
uma frente bem extensa. Estas formigas, algumas vezes chamadas formigas
militares, como as invasoras africanas, marcham em grandes corpos que destroem
ou fazem sua presa qualquer coisa viva que não se possa afastar a tempo de seu
caminho. Andam depressa e tudo foge ante seu avanço. Os insetos constituem sua
presa principal; é de admirar como até as mais perigosas e agressivas criaturas
das espécies inferiores não lhes oferecem resistência séria.
A atenção de Miller foi
atraída para esse exército de formigas por ter visto uma grande centopeia de 23
a 25 centímetros procurando fugir-lhes. Certo número de formigas estava a
mordê-la, e ela se torcia a cada mordida, mas não cuidava de utilizar contra as
assaltantes suas compridas mandíbulas encurvadas. Em outras ocasiões ele vira
grandes escorpiões e grandes aranhas caranguejeiras procurando fugir de forma
idêntica, mostrando a mesma incapacidade para atacar suas vorazes inimigas ou
para se defenderem. As formigas sobem a grande altura nas árvores, chegam aos
mais altos ninhos e do pronto matam e despedaçam os filhotes das aves.
Mas não são tão comuns
como imaginam alguns escritores; podem-se passar dias sem se encontrar seus
exércitos, e por certo muitos ninhos nunca são por elas visitados nem
ameaçados. Em alguns casos parece provável que as aves se salvam, e a seus
filhos, de outras maneiras. Alguns ninhos são inacessíveis. De outros, os pais
talvez retirem os filhotes. Miller uma vez, na Guiana, estivera por alguns dias
a observar um ninho de carriças formigueiras, com filhos implumes. Lá chegando
uma manhã, viu a árvore e o ninho repleto de formigas.
Supôs, a princípio, que os
filhotes tinham sido devorados, mas logo viu os pais que, a uns 30 m apenas de
distância, penetravam na mata levando alimento nos bicos e dela saindo sem
alimentos, e isso por vezes repetidas. Miller nunca descobriu seu novo ninho,
mas estava certo de que os passarinhos alimentavam seus filhotes, que haviam
sido removidos do ninho antigo. Estas carriças esvoaçam por cima e à frente das
colunas de formigas assaltantes, alimentando-se não só dos insetos que elas
espantavam, como também das próprias formigas.
Este fato tem sido posto
em dúvida, porém Miller matou algumas com formigas no bico e no estômago.
Libélulas em grandes bandos muitas vezes adejam sobre as correições, flechando
para cima delas; Miller não pôde vê-las apanhando as formigas, mas essa era sua
opinião. Eu próprio vi essas formigas atacando uma caixa de marimbondos muito
agressivos e perigosos. Os marimbondos zumbiam em grande excitação, mas Pareciam
incapazes de lhes resistir.
Vi também limparem um
broto ocupado por suas parentas, as venenosas formigas de fogo; estas lutaram e
não tenho dúvida de que mataram e aleijaram muitas das suas inimigas pretas,
ativas e numerosíssimas, que em pouco deram cabo das primeiras. Daquelas
terríveis formigas só encontrei de cor preta, mas há espécies vermelhas. Atacam
seres humanos, precisamente como o fazem a todos os animais, e em casos tais o
único recurso é a fuga precipitada. [...] Naquele acampamento o calor era
elevado, de 33° a 40° C, e o ar pesado, saturado de umidade; caíam frequentes
aguaceiros, mas não havia mosquitos e tínhamos muito conforto. Graças à
proximidade da fazenda, passávamos regaladamente com abundância de carne,
galinhas e leite fresco.
Dois ou três pratos
brasileiros eram deliciosos: a canja, uma sopa espessa feita de arroz e
galinha, a melhor sopa que um homem com fome possa ingerir; e o picadinho de
carne, servido com um molho simples mas bem temperado.
A besta que me coube como
montaria era um animal possante, de boa marcha. O Governo brasileiro pusera ali
à minha espera bonitos arreios guarnecidos de peças de prata, que muito me
agradaram, embora minhas roupas muito surradas e grosseiras fizessem com ele um
visível contraste.
Em Tapirapuã dividimos a
bagagem e a nossa comitiva. Mandamos à frente, num carro puxado por seis bois,
a canoa canadense, com seu motor e algumas caixas de gasolina e cem latas
fechadas, cada uma com rações diárias para seis homens. Tinham sido arranjadas
em Nova York, sob a direção especial de Fiala, para serem utilizadas quando
chegássemos a lugar onde quiséssemos ter alimento variado e bom, em volume
reduzido. Todas as peles, crânios e espécimes em álcool, assim como toda a
bagagem que não era de absoluta necessidade, foram remetidas pelo Rio Paraguai
abaixo, para Nova York, aos cuidados de Harper. A
tropa cargueira, sob a direção do Capitão Amílcar ([1]),
fora organizada para seguir formando um
destacamento separado.
O grosso da Expedição, composto pelos membros americanos, Coronel Rondon,
Tenente Lyra e Dr. Cajazeiras, com a bagagem de todos e com provisões, formava
outro destacamento. (ROOSEVELT)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
Bibliografia
ROOSEVELT, Theodore. Através do
Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora
Nacional, 1944.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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