Sexta-feira, 6 de agosto de 2021 - 06h01
Bagé, 06.08.2021
Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
2ª Parte – XV
Aldeia Jatobá ‒ Aldeia
Zanakwa I
Poucos
pernilongos mas, por outro lado, piuns de várias espécies eram um tanto excessivos;
variavam de tamanho entre o pólvora e a grande mutuca preta. As pequenas
abelhas sem ferrão não se amedrontavam e com dificuldade são afastadas quando
pousam na mão ou no rosto, mas nunca picam, só fazendo cócegas na pele.
Apareciam também abelhas grandes que havendo pousado, não ofendiam se não
fossem molestadas; no caso contrário enterravam o ferrão cruel. Os insetos não
eram de ordinário inconveniente sério, mas em certas horas se tornavam tão
numerosos que eu tinha de escrever de luvas e com a gaze na cabeça. (ROOSEVELT)
Aldeia Jatobá à Fazenda Estrela (29.10.2015)
A partir de Tapirapuã nosso
percurso se dirigia para o Norte, subindo e atravessando o planalto deserto do
Brasil. Das fraldas desta zona elevada, que é geologicamente muito antiga,
defluem para o Norte os tributários do Amazonas, e os do Prata para o Sul,
fazendo imensos volteios e desvios sem conta. (VIVEIROS)
Partimos
da Aldeia Jatobá, às 08h10, depois de nos despedirmos da Cacique Nair e
agradecer-lhe o apoio prestado. O traçado da estrada se estendia altaneiro pelo
“divortium aquarum” (divisor de
águas).
Do
alto do lombo de nossas mulas deslumbrávamo-nos com a paisagem magnífica que
nos permitia avistar, ao longe, as nascentes que alimentam o Rio-mar de um lado
e do outro as que fluíam para a Bacia do Prata. Esquecêramos de entrar em um
acesso arenoso à direita e um gentil motociclista Paresí oportunamente
orientou-nos a pegar uma estreita trilha que nos conduziria ao caminho correto.
[...] dia após dia trotamos
para a frente transpondo chapadas intermináveis de campos e cerrado ralo, com
arbustos quase sempre pouco mais altos do que um cavaleiro. Alguns tinham
flores amarelas, brancas, róseas e cor de laranja; as mais lindas eram as
glórias-matinais. (ROOSEVELT)
Embora
grande parte das trilhas e estradas seja argilosa e muito escorregadia após as
chuvas encontramos desta feita um trecho arenoso. A aridez do Cerrado
impressionava-nos, os arbustos retorcidos com seus troncos carbonizados pelas
queimadas constantes eram vítimas silenciosas não só de uma natureza nem sempre
benfazeja, mas principalmente pela ação secular e criminosa e daninha por parte
dos aborígines.
A
falta de gramíneas e água prenunciava sérias dificuldades para nossos
espartanos muares. A vegetação calcinada, porém, apresentava aqui e ali
pequenas e delicadas flores de todos os matizes que momentaneamente quebravam a
monotonia da paisagem. Por volta das 11h00, apeei, para descansar as pernas,
conduzindo a mula Bolita pelo cabresto. No limite da Área Indígena, avistei uma
boa poça d’água, 300 m fora de nossa rota, alertei meus parceiros e conduzi a
Bolita até o local.
Qualquer
água ou alimento ao longo do percurso não devia nem podia ser menosprezado e
tinha de ser devidamente aproveitado. Os animais é que estavam sendo exigidos
fisicamente nessa etapa e, por isso mesmo, necessitavam de especial atenção.
Logo à frente, fizemos a parada do almoço no acampamento provisório montado
pelo Sargento Yuri e o Soldado Eder. Desencilhamos os animais e os soltamos na
plantação de uma grande fazenda vizinha à Área Indígena. Chegamos à Fazenda
Estrela por volta das 17h30, depois de cavalgar 30 km. O arrendatário
paranaense gentilmente conseguiu um local para montarmos as barracas e
carregarmos os equipamentos eletrônicos.
Processo de Savanização Milenar
Os índios sempre souberam como
lidar com a terra. São eles que nos ajudam a manter vivas nossas matas e
contribuem para a preservação de nossos mananciais.
(Mércio Pereira Gomes)
Alguns
desavisados acham que o cerrado ralo e abrasado dos Paresí sempre teve estas
características, na verdade a ação antrópica, mais do que a da própria natureza
através dos raios, alterou significativamente as zonas da mata de transição e
do cerrado para o triste cenário que observamos hoje. O ex-Presidente da FUNAI
Mércio Pereira Gomes e outros tantos antropólogos e ambientalistas atrelados a
convicções ideológicas sem nenhuma fundamentação científica, mostram
desconhecer a cultura que tanto defendem e as leis que regem a sobrevivência
dos povos nativos. O Professor Evaristo Eduardo de Miranda afirma que o
processo de savanização não só teve origem com os povos primitivos, mas como
continua até os dias de hoje.
Embora
Miranda faça essa observação exclusivamente em relação a áreas florestais, é
lógico que ela ocorreu e continua ocorrendo em outros biomas.
O uso sistemático do fogo pelos humanos, principalmente como técnica de
caça, favoreceu a extensão ou a manutenção de ecossistemas abertos como as
savanas ou cerrados, em detrimento das áreas florestais, mesmo em condições
climáticas desfavoráveis. [...]
Condicionamentos locais de clima e solo podem acelerar ou limitar esse
processo, mas o caráter nômade de vários grupos de caçadores-coletores espalhou
esse fenômeno em diversos locais da região amazônica. Esse processo de
savanização, de ampliação de áreas de cerrados em detrimento das florestas,
ainda segue seu curso nos dias de hoje, em vários locais da Amazônia, promovido
por culturas ameríndias bem posteriores aos primeiros caçadores-coletores.
[...]
A regressão das florestas e a ampliação dos cerrados devido ao uso do
fogo podem ser observadas nitidamente em sequências de imagens de satélite, de
vários anos, tiradas de áreas indígenas no Norte do Pará, na região dos Tiriós,
próxima da fronteira com o Suriname. Ali, os indígenas promoveram um
crescimento anual da área dos cerrados em detrimento da floresta, pelo uso
generalizado do fogo em grande escala.
Eles alteram a dinâmica vegetal com a promoção de gigantescos incêndios
anuais, os maiores de todo o Brasil. Eles propagam-se ao sabor dos ventos
alísios do Hemisfério Norte, na direção Nordeste-Sudoeste. (MIRANDA)
Para
verificar a destruição promovida pelos Tiriós basta se observar no “Google Earth” (Imagem 29) uma região
totalmente desmatada de 160 por 80 quilômetros aproximadamente na fronteira do
Suriname com o Brasil (Norte do Pará). As observações de Miranda são reforçadas
pelos relatos de Oscar Canstatt, em 1871, de Roquette-Pinto, em 1912 e de
Warren Kempton Dean, em 2004:
Seu modo de caçar os animais em fuga é bárbaro e só possível onde não há
nenhuma lei protetora das florestas. No tempo seco, sobretudo, quando o Sol
tropical torra com seus raios abrasadores os campos e o mato baixo, ateiam-lhe
fogo, e emboscam a caça em lugar onde o elemento destruidor não os pode
atingir. Aí é fácil abater a caça que, em desabalada fuga, corre para a única
vereda salvadora. (CANSTATT)
Por meio do fogo costumam também matar algumas espécies: ateiam labaredas
no cerrado, de maneira a rodear certa área; quando a caça foge às chamas,
atacam-na. [...] O fogo das queimadas que o raio acende, ou o índio, ou o
sertanejo, lambe o karêke e o sapé, requeima o murici e a mangabeira; e eles
custam a brotar. Mas o pau-santo, mal cessa o fogo, ainda todo negro, com o
tronco rachado pelo calor, cobre-se de pontos alvos, abre em flor, qual um
retalho de noite que se matiza de estrelas. (ROQUETTE-PINTO)
Um grupo caingangue residente no Paraná, que havia recebido ferramentas
de aço apenas no século XX, lembrava-se de que não mais tinha de escalar
árvores, outrora uma atividade muito frequente, para apanhar larvas e mel.
Muitos dos que caíam das árvores morriam ‒ agora eles simplesmente derrubavam
as árvores. (DEAN)
Madame
Marie Octavie Coudreau, quando realizava o reconhecimento do Rio Cuminá,
afluente do Rio Trombetas, no dia 28.07.1900, narra:
A jusante da Cachoeira do Armazém, à margem direita, entre as colinas que
se estendem ao longo das margens, uma espessa fumaça preocupou-me. Que fumaça
será essa? Existem campos além dessas colinas, ou será que os indígenas estão
fazendo a coivara? Só posso fazer conjecturas, não tenho meios para me
certificar. (OCTAVIE COUDREAU)
Leandro
Narloch apresenta, igualmente, uma série de evidências que desfaz a imagem
preservacionista do indígena brasileiro e mostra a preocupação dos
colonizadores com a manutenção e a exploração sustentável das florestas.
O mito do índio como homem puro e em harmonia com a natureza já caiu há
muito tempo, mas é incrível como ele sempre volta. [...] As tribos que
habitavam a região da mata atlântica botavam o mato abaixo com facilidade,
usando uma ferramenta muito eficaz, o fogo. [...] Os portugueses criaram leis
ambientais para o território brasileiro já no século XVI. [...] No Brasil, essa
lei protegeu centenas de espécies nativas. Em 1605, o regimento do Pau-Brasil
estabeleceu punições para os madeireiros que derrubassem mais árvores do que o
previsto na licença. [...] “Essa
legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de
Pau-Brasil até 1875, quando entrou no mercado a anilina”, escreveu o
biólogo Evaristo Eduardo de Miranda. “Ao
contrário do que muitos pensam e propagam, a exploração racional do Pau-Brasil
manteve boa parte da mata atlântica até o final do século XIX e não foi a causa
do seu desmatamento, fato bem posterior”. (NARLOCH)
Eu
era ainda um jovem adolescente quando tomei conhecimento, pela primeira vez, da
Carta que o Cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, em
meados do Século XIX, enviou ao então Presidente dos Estados Unidos Franklin
Pierce (04.03.1853 a 04.03.1857) quando este apresentou uma proposta de comprar
as terras ocupadas por aqueles nativos. O desabafo do Cacique ainda me vem à
mente cada vez que vejo ambientalistas de gabinete propalando que os aborígines
são lídimos defensores da natureza.
Lembro,
apenas a título de exemplo, que: em setembro de 2000, os índios Caiapó da
aldeia Puicararanca, São Félix do Xingu, PA, fizeram reféns 40 agentes da
Polícia Federal e IBAMA, que fiscalizavam a extração ilegal de mogno dentro da
Reserva Indígena. Que em 2014, o doleiro Carlos Habib Chater foi denunciado na
operação “Lava a Jato” por
associar-se ao Cacique João Bravo na extração ilegal de diamantes na devastada
terra dos Cinta-larga. A lista seria interminável, por isso mesmo, paro por
aqui.
A
Carta em questão deve ser considerada dentro de um contexto cronológico e
histórico adequado, embora alienados ambientalistas desconsiderem esses
fatores, deve-se levar em conta também, que a dinâmica social de todos os seres
humanos vem sofrendo mudanças radicais alterando a visão dos nossos íncolas em
relação à natureza que os cerca, tornando-os cada vez mais pragmáticos.
Achar
que os interesses dos aborígenes são diversos dos demais seres humanos é
trabalhar com a ficção é moldá-los com o lirismo fantasioso e encantador do
grande escritor José Martiniano de Alencar.
Filmetes
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
https://www.youtube.com/watch?v=rECpPlEurDI&t=23s
https://www.youtube.com/watch?v=wxA1AJchYFM&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=23
Expedição
Centenária R-R - III Parte - Fase I - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=3bt42u-sGtA&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=20
Bibliografia
CANSTATT, Oscar. Brasil: Terra e Gente (1871) ‒ Brasil ‒
Brasília, DF ‒ Senado Federal, 2002.
DEAN, Warren Kempton. A Ferro e Fogo: a História e a Devastação
da Mata Atlântica Brasileira ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Cia. Das letras,
2004.
MIRANDA, Evaristo Eduardo
de. Quando o Amazonas Corria para o Pacífico
‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Editora Vozes, 2007.
NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do
Brasil ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Editora Leya, 2009.
OCTAVIE COUDREAU, Marie. Voyage au Cuminá – França – Paris – A.
Lahure, Imprimeur-Éditeur, 1901.
ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒
Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta Sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de
Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H