Segunda-feira, 9 de agosto de 2021 - 10h49
Bagé, 09.08.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
2ª Parte – XVI
Aldeia Jatobá ‒ Aldeia Zanakwa II
Vejamos
a famosa missiva:
O grande Chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra.
O grande Chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é
gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós
vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá
com armas e tomará a nossa terra. O grande Chefe de Washington pode acreditar
no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos
podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas,
elas não empalidecem. Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra?
Tal ideia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água.
Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso
tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas
as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e
todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo. Sabemos
que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de
terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da
terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de
exaurí-la ele vai embora.
Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus
filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua
ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos.
Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez
seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende. Não se
pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o
desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez
por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os
meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a
voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere
o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento,
purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o
homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais,
árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira.
Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro. Se eu me decidir a aceitar,
imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus
irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi
milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que
os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um
fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles
vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem
sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão
espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os
homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos
guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo
em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não
tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são
muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das
grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos
pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi
tão poderoso e cheio de confiança como o nosso. De uma coisa sabemos, que o
homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus.
Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a
nossa terra.
Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem
vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é
demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez
mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há
de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos.
Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens,
quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se
encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as
águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o
fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência. Talvez compreendêssemos
com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a
seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para
que possam ser formados os desejos do dia de amanhã.
Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E
por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos
na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos
viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho
tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar
acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e
praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de
sua mãe.
Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como
nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E
com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os
seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus
é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode
evitar o nosso destino comum.
Fazenda Estrela à Aldeia Kamai (30.10.2015)
Kêtêrôkô é nome Paresí de
Aldeia Queimada. Ao lado das casas da Comissão Rondon, os índios levantaram sua
grande palhoça; lá trabalham as mulheres e vão dormir os homens que prestam
algum serviço à linha telegráfica. (ROQUETTE-PINTO)
Partimos
cedo da Fazenda Estrela e, por volta das 08h00, chegamos à Aldeia Queimada onde
acompanhados do Cacique Nelson visitamos o sítio original das casas da Comissão
Rondon. Depois da visita fizemos uma preleção sobre os objetivos da Expedição
para toda a Aldeia e seguimos viagem.
Passamos
pela Aldeia Rio Verde comandada pelo Cacique Carlito e fizemos uma parada na
Aldeia Kotitiko capitaneada pelo Cacique Juvenal que nos aguardava devidamente
paramentado. Os jovens Paresí filmavam entusiasmados nossa chegada com seus
celulares e “tablets” de última
geração. O Cacique Juvenal fez sua apresentação pessoal e falou da necessidade
de regularizar o uso de armas de fogo pelos Paresí argumentando que essa
autorização fora dada pelo Coronel Rondon, há cem anos atrás, durante o
lançamento das Linhas Telegráficas. Esse argumento foi replicado em todas as
Aldeias pelas quais passamos. De Kotitiko fomos para a Aldeia Kamai comandada
pelo Cacique Estevão. Cavalgáramos, neste dia 22 km.
Entrevistamos,
depois de um revigorante banho, o Cacique Geral João Arrezomae (João
Garimpeiro). Após a entrevista o Cacique fez uma prece emocionante, na língua
Paresí-Haliti, desejando sucesso na nossa empreitada. Fomos acomodados numa
espaçosa e muito asseada oca com piso de cimento onde passamos a melhor noite
desde que iniciamos a Expedição.
Aldeia Kamai ao AC 01 (31.10.2015)
O
dia seguiu a rotina habitual até estacionarmos no Acampamento selecionado pela
equipe de apoio – Sargento Yuri e Soldado Eder. Os insetos mencionados por
Theodore Roosevelt apareceram com toda pujança e só encontrávamos sossego no
interior das barracas. Tentei, diversas vezes, sem sucesso, contato com
familiares e amigos através do celular. Fomos dormir cedo, não havia nenhuma
opção de lazer no cerrado estorricado.
AC 01 – Fuga das Mulas (01.11.2015)
E era preciso deixá-los
inteiramente à solta para poderem vaguear à cata de sua parca alimentação,
necessitando do maior tempo possível para descanso e pasto. Ainda em tais
condições muitos se enfraquecem quando não é possível levar milho, como sucedia
conosco. Não conseguíamos encontrá-los antes de clarear o dia, levando horas
para reuni-los, o que nos obrigava a viajar durante o período mais quente e
mais fatigante do dia. (ROOSEVELT)
Nesta
manhã as mulas não foram encontradas. Como era de se esperar alguns dos animais
esfaimados e sedentos sumiram na estrada.
Como
se este desastre já não fosse suficiente a Viatura Marruá empenhada na busca
dos mesmos perdeu sua roda dianteira esquerda, justamente o rodado que fora
objeto de manutenção no 2°BFron. Perdemos o dia todo procurando os fujões até
recebermos notícia de que os mesmos tinham sido encontrados e presos pelo filho
do Cacique Marinho da Aldeia Zanakwa. Conseguimos contatar o Comando do 2°BFron
que nos prometeu providências para o dia seguinte.
AC 01 à Aldeia Zanakwa (02.11.2015)
Zaiakúti – Escudo de caçada; é
formado por um arcabouço de varas flexíveis mantidas por meio de tiras de
urubamba ou mesmo de arame. Tem cerca de um metro de altura e 0,40 de largura.
Se a vegetação não auxiliasse o disfarce, seria fraco protetor, dispondo de
área tão escassa. (ROQUETTE-PINTO)
No
dia seguinte, enquanto meus parceiros deslocavam-se para a Aldeia Zanakwa fui
com o filho do Cacique Marinho até a Aldeia Rio Verde tentar, sem sucesso,
contato com o 2° B Fron. À tarde fomos tomar um banho revigorante nas límpidas
águas do Rio Verde seguidos por algumas simpáticas crianças da Aldeia. O
Sargento Yuri tinha permanecido na estrada com a viatura Marruá e no final da
tarde conduziu a nova viatura até a Aldeia. A ação rápida e meritória do Cmt do
2° B Fron trouxe tranquilidade à equipe preocupada com a possibilidade de mais
um dia perdido. O Cacique Marinho mostrou-nos uma oca em construção e encenou o
uso do escudo de caçada (Zaiakúti).
Relatos Pretéritos
22 a 25.01.1914
Rondon
22 a 23.01.1914: Do
acampamento do Salto prosseguimos, na manhã seguinte, a nossa marcha para o
interior do Sertão; passamos por Aldeia Queimada no dia 23, onde recebi pedido de exoneração, que concedi, do Dr. Fernando
Soledade, Tenente Luiz Thomaz Reis e o Botânico Hoehne, membros da Comissão
Brasileira, que vinham com a turma chefiada pelo Capitão Amílcar Magalhães, meu
dedicado e diligentíssimo ajudante.
25.01.1914: Dois dias depois,
acampávamos na cabeceira da Mandioca, nome dado pelos primeiros exploradores de
seringa do Rio Sacre, para lembrar que aí encontraram as roças de uma aldeia de
Paresí cujo auxílio lhes era indispensável paia se poderem manter no Sertão.
Nesse acampamento, fomos alcançados pelos caminhões automóveis do serviço
das Linhas telegráficas, que vinham de Tapirapuã e seguiam paia Utiariti,
carregados com volumes da Expedição. Ao padre Zahm, ocorreu então a ideia de se
aproveitar desse (RONDON)
Magalhães
24.01.1914: Às 14h00, do dia 24, recebi em meu acampamento o Sr.
Coronel Roosevelt, seu filho Kermit Roosevelt, os naturalistas Miller e
Cherrie, assim como os membros da Comissão Brasileira destacados na 1ª Turma.
Mandei armar as suas barracas em uma área já preparada por mim defronte ao meu
acampamento, onde permaneceram até o almoço do dia imediato.
25.01.1914: No dia 25, após o almoço seguiu o Sr. Coronel
Roosevelt com sua comitiva para o Rio da Dúvida, em cuja margem direita
acampou. Às 16h55 o corneteiro do meu acampamento deu o sinal de comando do 5°
Batalho de Engenharia, anunciando a vossa chegada ao meu acampamento [...]
(MAGALHÃES, 1916)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
https://www.youtube.com/watch?v=rECpPlEurDI&t=23s
https://www.youtube.com/watch?v=wxA1AJchYFM&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=23
Expedição
Centenária R-R - III Parte - Fase I - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=3bt42u-sGtA&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=20
Bibliografia
MAGALHÃES, Amílcar A. Botelho de. Anexo
n° 5 – Relatório Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon
– Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ, 1916
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências
Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido
Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos
da Expedição Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de
Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Através do
Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora
Nacional, 1944.
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Rondônia
‒ Brasil ‒ Rio, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1938.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador,
Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da Academia
Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
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Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H