Sexta-feira, 13 de agosto de 2021 - 06h02
Bagé, 13.08.2021
A Missão de Utiariti
Os missionários decidiram mudar-se, em 1945, para Utiariti, considerando que o local possuía terras mais férteis, apresentava condições ideais para a construção de uma Pequena Central Hidrelétrica e, além disso, possuía uma Estação Telegráfica instalada pelo Cel Rondon. Apenas um aspecto negativo foi considerado pelos católicos – a presença de uma missão protestante – a “Inland South American Missionary Union” – com quem, logicamente, teriam de concorrer.
A
Missão Utiariti dedicava-se especialmente às crianças. Os jovens, na maioria
órfãos, eram separados de seus familiares e mantidos em regime de internato ‒
os Jesuítas sabiam que as crianças eram mais suscetíveis à pregação doutrinária
do que os adultos. A Missão reuniu crianças de várias etnias tais como a dos
Apiaká, Canoeiro, Irantxe (Iranxe), Kaiabi, Nambiquara e Paresí.
Elas
aprendiam a língua portuguesa, geografia, história, matemática e religião além
de serem iniciadas nas artes e ofícios considerados mais importantes. As
meninas eram adestradas no tricô, bordado, corte e costura, e artes culinárias
enquanto os meninos nos trabalhos de marcenaria, serraria, pecuária, e mecânica.
O internato estabelecia, portanto, um interessante e salutar convívio interétnico ‒ membros de etnias indígenas hostis eram obrigados a participar de tarefas em conjunto, compartilhar do mesmo dormitório e dividir a mesma mesa durante as refeições, tudo isso mantido sob severa vigilância e rígida disciplina dos membros da Companhia de Jesus.
Depois
do Concílio do Vaticano II e da Conferência de Medellín, nos idos de 1970, a
Missão foi desativada e os jovens aborígenes retornaram à suas aldeias de
origem. Embora alguns encontrassem alguma dificuldade em relação à sua antiga
língua nativa, o conhecimento adquirido muito contribuiu para o progresso e
absorção de novas tecnologias pelos seus pares.
Entrevista com a Professora Terezinha
O
relato abaixo é uma “adaptação” da
entrevista que realizei, em Utiariti, com a Professora Terezinha da Aldeia
Nambiquara Três Jacus:
Meu nome é Terezinha, sou descendente da etnia Paresí-Nambiquara ‒ Paresí
por parte de mãe e Nambiquara por parte de pai. Acredito que a missão do
Coronel Rondon não era somente a de construir as Linhas Telegráficas, mas,
sobretudo, de pacificar os indígenas. Os Nambiquara e Paresí, antes da chegada
de Rondon, eram inimigos ferrenhos, quando os Nambiquara atacavam uma Aldeia
Paresí eles queimavam-lhes as ocas e sequestravam suas mulheres. Os Nambiquara,
além disso, eram extremamente arredios a qualquer contato com outros povos
nativos e os brancos.
Quando Rondon chegou a Utiariti ele ficou sabendo do local exato, na
margem de um pequeno córrego, onde os Nambiquara escondiam suas armas e lá
deixou facões e machados. Mais tarde, os Nambiquara vieram até o córrego para
banhar-se e avistaram maravilhados aqueles instrumentos, estavam começando a
manuseá-los quando surgiu a figura altaneira de Rondon envergando seu impecável
uniforme de campanha.
Os Nambiquara instintivamente flecharam o intruso e uma das flechas
endereçada a Rondon, felizmente, atingiu o bornal que ele carregava à tiracolo.
Os membros da Comissão que acompanhavam Rondon preparavam-se para atirar quando
este interveio impedindo-os.
Rondon, então, tranquilamente chamou a atenção dos Nambiquara e usando o
facão cortou facilmente um tronco da vegetação marginal. Os indígenas
acostumados com seus toscos machados de pedra ficaram encantados com o
desempenho da nova ferramenta. Estabelecidos os primeiros contatos, Rondon
alertou às tribos rivais que eles não podiam continuar com essas hostilidades
porque logo iriam exterminar-se mutuamente. (TEREZINHA)
Entrevista com a Senhora Tertuliana
O
relato abaixo é, também, uma “adaptação”
da entrevista que realizei, em Utiariti, com a Senhora Tertuliana da Aldeia
Paresí Utiariti:
Quando Rondon chegou à região foi informado que o nome daquelas
magníficas pedrarias era Utiariti e que por atrás das quedas habitava um belo e
mítico pássaro branco que era a encarnação do espírito de um grande Pajé
Paresí. (TERTULIANA)
Relato Pretérito: Estrada Tapirapuã/Utiariti
Os muares vindos de Tapirapuã, carregados, chegavam a Juruena “estrondados” ([1])
e só com grande esforço podiam vencer os 100 km que ficam entre esse Rio e a
Serra do Norte. Mas quando conseguiam fazer o percurso total, ficavam em
condições de não poderem ser utilizados de novo sem um descanso completo de,
pelo menos, três meses, durante os quais precisavam ser tratados a milho e
alfafa. Para vencer essas dificuldades, adaptou Rondon a estrada às condições
necessárias para poder ser trafegada por automóveis, desde Tapirapuã até
Utiariti.
Deste ponto em diante melhoram as condições do terreno e conta-se com as
pastagens existentes nas capoeiras dos índios e nos Campos Indígenas.
(COMÉRCIO)
Relatos Pretéritos do Salto do Utiariti
Roquette-Pinto (1912)
Utiariti onde se ergue uma estação, será, em breve, um povoado daquele
Sertão bruto. Hoje é colônia de Paresí do grupo Uaimaré, chefiada pelo Major
Libânio Koluizôrôcê, meu antigo conhecido do Museu, onde estivera em 1910.
Vivem ali, felizes, muitas famílias, trabalhando em roças bem mantidas, tomadas
pela mandioca e pelo milho. Come-se lá o que Utiariti produz. Já não é pouco.
Brasileiros havia dois homens; tudo mais era Paresí. Milho, para nossas
montarias, comprei-o também dos índios. Utiariti é semente forte, sã, de vila
ou cidade, que se plantou naquele solo.
O Rio Papagaio passa-lhe ao lado, cheio de claro, para despencar-se,
pouco adiante da estação, no mais lindo salto que se possa contemplar na terra.
Numa destas páginas, encontra-se a evocação daquela maravilha, em pálido
esboço, que o Sol gravou numa placa fotográfica, alegria e prazer dos meus
olhos. Escondida na mágica beleza da queda, que não quero amesquinhar em
comparações, porque não sei de outra lindeza igual, vive uma força enorme. A
água espirra, em ducha colossal, de 80 metros de altura por 90 de largura; sua
energia atinge aos 80 mil cavalos. Uma estreita calha, escavada na rocha quartzífera
que a sustenta, deixa passar o arranco do esguicho imenso.
A denominação que os índios dão aos seus médicos sacerdotes, por
extensão, serve também para batizar um pequeno gavião [Falcos sparverius] que é
totem da tribo.
Na expedição de 1909, chegando ao rio, viram os exploradores sobre uma
árvore, ao lado do salto, um pequeno representante do tipo. Para a coleção
destinada ao Museu Nacional, foi alvejada ([2])
a avezinha; mas antes que o tiro partisse, o índio Tôloírí, Mathias, influente
chefe, e guia da coluna, pediu fosse poupado o Utiarití, protestando que, se o
matassem, não poderiam ser felizes, nunca mais, porque daquela espécie de ave
provinham os Paresí.
O gavião não morreu. Rondon, em homenagem à crença dos seus auxiliares,
deu aquele nome ao Salto do Rio Papagaio.
E foi feliz... (ROQUETTE-PINTO)
Rondon (1914)
Dali a 13 km, atingimos outras quedas de muito maior volume e altura ‒ e
muitas outras havia nessa região, capazes de fornecer força ilimitada a um
parque industrial. Eram esses Saltos do Utiariti de incomparável beleza
infelizmente recebeu ali o Sr. Roosevelt telegrama anunciando o falecimento da
sobrinha que o acompanhara, e à Mrs. Roosevelt, nas visitas a São Paulo,
Uruguai, Argentina e Chile. Havia, a uns 800 m, grande aldeamento de índios, já
sob a influência do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). O Chefe da tribo
envergava o uniforme de Major e eram estreitas as relações com a Estação
Telegráfica que estabelecêramos, porque a esposa do funcionário, uma linda
morena, dava aulas às meninas índias.
Tinham as quedas de Utiariti o dobro da largura e da altura das de Salto
Belo ‒ despenhavam-se as águas de 80 m ‒ a que excediam de muito em beleza e
majestade. Cerca de 100 m antes da queda, alargava-se o Rio cuja água, pouco
profunda e coroada de espuma se precipitava envolta em névoa que o vento, às
vezes, rasgava, deixando entrever a floresta. Ouvia-se, desde muito longe, o
ronco atroador das ondas furiosas e tremia o solo da borda do abismo de onde se
evolavam ([3])
nuvens volumosas de eterno nevoeiro. A vista, abaixo das quedas, era de rara
magnificência. O Rio lançava-se sobre uma parede de rocha, transversal à
corrente, mas, à esquerda, uma saliência nessa parede formava uma belíssima
catarata em avanço sobre a queda principal. “À exceção do Niágara”, disse o Sr. Roosevelt, “não há na América do Norte catarata que se possa comparar às quedas de
Utiariti.” (VIVEIROS)
Annaes da Bibliotheca Nacional n° 35
Rio de Janeiro, RJ, 1913
Aborígenes e Ethnographos
[...] É uma ideia filiada ao “totemismo” ([4]).
Em diversas tribos essa variedade de fetichismo pode ser verificada. No “totemismo”
o “fetiche”, ao qual o culto é dirigido, em vez de ser um determinado
objeto é a espécie à qual esse objeto pertence; assim os Parecis, de Mato
Grosso, respeitam como ave sagrada um pequeno gavião [Falco sparverius], que
denominam Utiariti. Qualquer ave desta espécie recebe o mesmo culto rudimentar.
O vocábulo Utiariti significa propriamente o Mestre, o Padre, o Médico. Em
geral a espécie “totem” representa os antepassados do povo. [...] (ABNRJ
N° 35)
Jornal do Commercio n° 216 ‒ Rio, RJ
Quinta-feira, 05.08.1915
I – Populações Indígenas Encontradas
nos Sertões Mato-Grossenses; Contatos e Relações Estabelecidas Entre elas e a
Comissão Rondon; Hábitos e Costumes Indígenas
[...] A palavra “Pareci”, de que nos servimos para designar estes
índios é de invenção portuguesa; o nome que eles mesmo dão à sua nação é “Ariti”,
o qual se encontra nos seus cantos, nos títulos dos chefes e, em geral, em
todas as instituições de caráter nacional, isto é, naquelas que compreendem o
conjunto dos grupos acima indicados. Assim, ao Padre-médico Pareci chamam
Uti-Ariti; “Chefe Pareci” e “Língua Pareci” dizem respectivamente
Ariti-Amúri e Ariti-Niranê-nê. Como vemos entre eles existe já a separação das
funções dos dois poderes fundamentais de toda sociedade organizada: o poder
temporal, mandando diretamente sobro as ações dos homens, e o poder espiritual,
governando as opiniões e procurando modificar ou regularizar os atos da vida
individual e social, pelo conselho deduzido do um sistema de princípios aceitos
por todos.
Como nas civilizações antigas, que engendraram a nossa, o sacerdote
Pareci é, ao mesmo tempo, médico, e, para exercitar esta parte das suas
funções, ele dispõe do vasto arsenal terapêutico tirado de ervas, folhas e
raízes, das quais extrai os seus medicamentos ora por infusões, ora por
cozimentos, outras vezes por maceração, etc., e os administra conforme os casos
ou em aplicações tópicas ou fazendo o doente ingeri-los. Destes remédios o
Coronel Rondon coligiu uma lista contendo 52 espécies, de cada uma das quais dá
a indicação de como o Utiariti as prepara, como as administra e para que fim.
Dos médicos e dos medicamentos, parece muito natural que se passe para as
cerimônias que procedem aos falecimentos. Quando ocorre algum falecimento os
parentes e amigos do morto, que constituem, por assim dizer, toda a aldeia de
que ele fazia parte, pranteiam-no longamente, lamentando-se em voz alta, em
coro monótono e plangente. Depois enterram-no no interior da casa em que ele
morava, abrindo para isso uma cova bem próxima do lugar em que estava a sua
rede: na sepultura colocam os seus arcos, roupas, utensílios diversos e as flechas,
previamente quebradas.
As covas são redondas, o que faz crer que o cadáver nelas é posto
sentado; enchem-nas de terra, que cai diretamente sobre o corpo; a sepultura
fica assinalada por um montinho de terra que se acumula em sua abertura. Mas
apesar de terem assim tão presentes esses monumentos de tristeza, os Parecis
são muito joviais e nunca perdem um pretexto para dançar e cantar. Nestas
ocasiões eles se fazem acompanhar de flautas e do ruído sonoro produzido por
uma enfiada de castanhas do piqui que prendem no tornozelo da perna direita,
com a qual propositalmente marcam o compasso. [...] (JORNAL DO COMMERCIO N°
216)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
https://www.youtube.com/watch?v=rECpPlEurDI&t=23s
https://www.youtube.com/watch?v=wxA1AJchYFM&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=23
Expedição
Centenária R-R - III Parte - Fase I - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=3bt42u-sGtA&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=20
Bibliografia
ABNRJ N° 35. Aborígenes e
Ethnographos – Dr. Roquette Pinto– Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Annaes da
Bibliotheca Nacional n° 35, Officinas Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1913
COMÉRCIO, Jornal do. Missão Rondon ‒ Brasil ‒ Brasília, DF ‒
Edições Senado Federal, Conselho Editorial, 2003.
JORNAL DO COMMERCIO N° 216. Populações
Indígenas Encontradas nos Sertões Mato-Grossenses; Contatos e Relações
Estabelecidas Entre elas e a Comissão Rondon; Hábitos e Costumes Indígenas
‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Commercio n° 216, 05.08.1915.
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Rondônia ‒ Brasil ‒ Rio, RJ ‒ Companhia
Editora Nacional, 1938.
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta Sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de
Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
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Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H