Quarta-feira, 18 de agosto de 2021 - 06h00
Bagé, 18.08.2021
No tipo masculino, a cabeça cabe 7,5 vezes na altura; obedece ao cânon dos gregos ([1]), o que é realmente interessante. A distância interocular é maior que o comprimento da fenda ocular; a altura total da face é pouco maior que o comprimento da mão. A mão tem cerca de 1/10 da altura total do corpo; o pé corresponde a 1/8 daquela altura. Braço e antebraço têm comprimentos equivalentes; são sensivelmente iguais. O olho mongol é raro.
Nos índios da Serra do Norte não se vê a queda precoce dos incisivos, tal
qual é encontrada nos Paresí. A norma da erupção dos dentes, pelo que andei
observando em alguns rapazes e meninos, não é a mesma que se costuma deparar na
raça branca; porque as idades, em que a segunda dentadura se completa, me
pareceram outras. [...] Aos sete anos rompe o primeiro molar; aos oito, os
incisivos medianos e aos nove os laterais. Aos dez, o primeiro pré-molar; aos
11, o segundo. Os caninos, aos 12. O segundo molar, aos 13. O dente do siso,
que é o terceiro molar, aparece aos 18, mofino e sem préstimo, quando não se
deixa ficar metido no alvéolo durante toda a vida. [...]
A dentição completa-se, naquela gente, ao que me pareceu, muito mais
cedo. Os molares, que o povo chama dentes do siso, e tendem a desaparecer na
raça branca, nos índios, não são dentes de enfeite. Têm função e tamanho de
considerar. Acredito que o excesso de trabalho, imposto ao aparelho da
digestão, tenha seu rebate nessas características dentárias. Os grandes molares
aparecem mais cedo porque são solicitados por mastigação frequente e forte.
Comem sempre, de tudo, sem regra nem medida. Não sei de animal que não devorem.
Rejeitam, apenas, o tubo intestinal da caça abatida. Os do Juruena comem mais
carne que os outros; os de José Bonifácio alimentam-se mais de mandioca e
milho. Sua flatulência fá-los companheiros desagradáveis. Todos têm língua
saburrosa e muitos as gengivas arregaçadas pela piorreia alveolar. Os dentes,
ao contrário do que se verifica frequentemente nos crânios dos sambaquis, não
sofrem o processo de usura que Lund, em 1842, descreveu no homem de Lagoa
Santa; padecem da cárie que lhes não poupa as coroas.
Uma dermatose especial grassa entre os índios da Serra do Norte. Em
verdade, alguns oficiais da Comissão Rondon haviam notado as placas
características da doença. Mas, talvez porque não tivessem sido encontrados
casos típicos, como esses que me caíram sob as vistas, as manchas passavam por
simples descamações epidérmicas traumáticas, oriundas do atrito do corpo na
terra, pois que os índios da Serra do Norte dormem sobre o solo. Examinando os
indivíduos, cujas fotografias aqui se encontram, verifiquei, porém, a
existência de verdadeira dermatose ([2]),
imitando diversas das que se acham indicadas entre os nossos aborígenes.
A doença aparece em toda idade; foi encontrada em crianças de peito e em
velhos. Ataca igualmente ambos os sexos. Parece ser mais frequente nos índios
dos Rios Juruena e Juína. Os Paresí, próximos vizinhos deles, não conhecem o
mal; e não me consta que já se tenha verificado qualquer caso no pessoal da
Linha Telegráfica. Nenhuma região do corpo é poupada, a não ser o couro
cabeludo. As unhas são respeitadas, e a face não é sede predileta das lesões. A
doença não é rara; em muitos índios é fácil reconhecer traços de sua
existência. No entanto, creio que evolui com intensidade mui variável, porque
só em oito indivíduos, dentre cerca de 400, pude verificar suas manifestações
bem definidas. (ROQUETTE-PINTO)
O paraíso, sonhado pela gente de outras idades, começa
a definir-se aos olhos dos modernos, com as possibilidades que o passado apenas
imaginava. O homem culto chegou a voar melhor do que as aves; nadar melhor do
que os peixes; libertou-se do jugo da distância e do tempo; realiza em um
continente o que concebeu em outro, alguns momentos antes; ouve a voz dos que
morreram, conservada em lâminas, com o seu timbre, e as inflexões da dor e da
alegria; imortaliza-se, arquivando a palavra articulada, com todas as suas
características, e as suas formas e seus movimentos com todas as minúcias; e
enquanto, mágico inesgotável, vai modificando a terra e lutando contra a
fatalidade da morte, fazendo reviver as vozes que ela extinguiu, as formas que
ela decompôs, o homem não consegue transformar-se a si mesmo, com igual
vertiginosa rapidez. (ROQUETTE-PINTO)
IX
Habitam territórios banhados por águas amazônicas os índios que se acham
espalhados pelos vales do Juruena e pela Serra do Norte. São chamados
Nambiquara [Nhambikwaras, Nambiquaras, Nambicoaras, Mambyuaras, Mambryáras,
Membyuares etc] pelos sertanejos e pelos índios civilizados, seus vizinhos.
Somam alguns milheiros. Quantos? Não sabemos. Qualquer estimativa seria
invaliosa ([3]).
Sendo cerca de uma dúzia de aldeias de que tivemos notícia segura, por
visita ou por informação, e dando para cada qual, em média, 100 habitantes,
atingimos o total de 1.200 ([4]).
É muito importante a difusão do nome Nambiquara; existe em Mato Grosso, e no
Pará, para os índios de que nos ocupamos. Quer dizer que, do lado Norte e do
Sul, os habitantes daquela Serra têm a mesma designação. A concordância faz
pensar, à primeira vista, que o nome deve ser, efetivamente, muito
característico. No entanto, é apelativo que os nomeados não conhecem, palavra
absolutamente estranha ao dialeto de qualquer dos grupos. Convém conservá-la,
todavia, para evitar confusões. O limite Meridional da região dos Nambiquara é
o Rio Papagaio. Ao Norte parece que sua zona de distribuição atinge o
Ji-Paraná; a Leste, o Tapajós; a Oeste, o Guaporé. O grupo que habita próximo
às margens do Juruena e do Juína, do Rio Papagaio até o Camararé, que chamarei
grupo de Sudeste, denomina-se Kôkôzú ou Kôkôçú.
O que habita no baixo Rio 12 de Outubro e se estende provavelmente até a
confluência do Arinos com o Juruena, onde também devem chegar alguns
representantes do primeiro, denomina-se Anunzê; chamá-lo-ei grupo de Nordeste.
O que vive a Sudoeste da invernada de Campos Novos desce até o Guaporé é
denominado Uaintaçú e constitui o grupo do Sudoeste. O grande grupo Nordeste
mora já na vizinhança das águas do Madeira, nas margens de tributários do
Ji-Paraná. Parece-me formado por diferentes núcleos secundários, cujas relações
ainda não foram bem caracterizadas; pertencem-lhe os índios que encontrei na
invernada de Três Buritis, nos Campos de 14 de Abril, em José Bonifácio, Campos
de Maria de Molina. Seu núcleo principal habita entre os Rios 12 de Outubro e
Roosevelt [Rio da Dúvida]. Do grupo Setentrional só encontrei os
Tagnanis, Tauitês, Salumás, Tarutês, Taschuitês; mesmo assim, apenas sobre
Tagnanis e Tauitês consegui diversas notas. Os Anunzês, de Campos Novos, falam
nos Taiópas e nos Xaodi-Kókas, até agora não achados; no extremo norte da
região, Rondon tem descoberto, recentemente, grupos pertencentes a outras
nações indígenas. [...]
As aldeias dos índios da Serra do Norte, em geral, são construídas no
alto de pequenas colinas, longe dos cursos d’água. Algumas distam mais de um km
do Rio ou do Ribeirão mais próximo. Visam dois objetivos, ao que supomos,
levantando suas palhoças em tal situação: sofrem menos dos mosquitos e dominam
o território vizinho, o que é vantajoso, vivendo, como até agora viviam, em
lutas constantes. A aldeia é construída numa grande praça, de 50 metros de
diâmetro; o chão, limpo de mato, arrancado à mão, é entretido sempre assim pelo
piso dos moradores.
Uma noite de dança, interminável caminhar nos mesmos pontos, basta para
alisar o terreiro das vilas. A mancha circular, que faz o chão da aldeia no
meio do cerrado, toma a feição de uma estrela, mercê dos trilhos que partem de
sua circunferência. O acesso à praça das vilas é livre: não há cerca, nem tapume,
que impeça a chegada ao terreiro. Ao redor, não há fortificações, nem defesas.
Constam sempre de duas casas as aldeias Nambiquara; uma defronte da outra, nas
extremidades de um dos diâmetros da praça. Aquela região compreende grandes
matas, cerrados e charravascais, poucos tapetes de campo. Os índios escolhem de
preferência o cerrado para localizar sua aldeia. A mata é perigosa pelas
serpentes, pelas feras e até pelos madeiros, que se despencam, muitas vezes, e
esmigalham os caçadores; o campo também o é porque oferece a aldeia ao ataque
do inimigo, não protege, de nenhum modo, a casa contra o invasor.
Mas o cerrado cumpre muito bem esse mister; poucos são os males que
favorece e muitos os benefícios que proporciona. Bem o entenderam os
Nambiquara; suas palhoças se confundem com o matiz acinzentado da vegetação
ambiente. São moitas do cerrado; quem olha, à distância, quase não as vê.
Diluem-se suas formas, aliás bem definidas, nas formas imprecisas do cerrado.
Naturalmente, alguém que tenha o hábito de ver as coisas naquele véu poeirento
da flora xerófita dos chapadões dá depressa com as palhoças; a confusão não
ilude uma vista experiente. Mas o fato desse mimetismo é real. Nas aldeias
encontra-se a morada fixa, definitiva; mas além dessa habitação-domicílio, usam
ainda os Nambiquara um tipo de habitação-provisória que levantam rapidamente,
onde quer que se encontrem à hora de anoitecer.
As casas definitivas, dos índios do vale do Juruena, são
pouco diferentes das habitações dos que vivem no extremo da Cordilheira do
Norte.
A aldeia – (Kôkôzú) – do Rio Juína, onde estivemos, constava de duas
casas. A primeira era pequena, hemisférica, mal feita, provida de uma porta
mais ou menos ampla; cabiam nela, à vontade, cerca de 20 indivíduos. A outra
tinha forma de prisma reto, triangular, de que o solo formava uma das faces.
Era mais bem acabada. Media nove metros de comprimento, 3.5 de largura por 2,5
de altura. Uma das suas extremidades era fechada; ao lado, escondida pelas
folhas que caíam do teto, uma pequena porta. A outra extremidade era aberta
livremente. A cabana estava orientada no sentido Este-Oeste; a extremidade
fechada, do lado do nascente. Destarte, à tarde, o Sol entrava pela casa a
dentro, durante algumas horas. Duas forquilhas, plantadas nos extremos,
sustentavam a travessa longitudinal, à qual vinham ter alguns caibros fixados,
do outro lado, no chão, e destinados a suportar as grandes palmas protetoras do
uauaçu. As palmas que se achavam de um lado eram dobradas, no alto, sobre o
outro lado do teto, por cima da travessa longitudinal; para mantê-las assim,
corriam, ao longo da casa, duas varas, amarradas aos caibros interiores por
meio de laços de embira. [...]
Frequentemente mudam o local do domicílio. Seguindo o trilho que nos
levou à maloca do Juína, onde pernoitamos, passamos por diferentes lugares onde
havia estado a aldeia. Não é ainda conhecida a causa determinante das mudanças
para locais tão próximos; talvez a morte de um índio, ou a ocorrência de alguma
desgraça comum. [...]
Para prevenir a entrada da enxurrada por debaixo da palha, que vem do teto ao chão, cercam os índios Tagnanis e Tauitês as suas casas cônicas, pelo lado de dentro, ao longo da linha que as limita, com uma série de talas imbricadas, feitas das cascas do jatobá. A chuva não penetra. Quem imaginasse que o interior das cabanas é abafadiço e quente faria injustiça ao edifício; o ar entra de um modo admirável, através dos intervalos das folhas. Todavia, quando os índios acendem foguinhos, a coisa muda de figura. E, felizmente para eles, a permeabilidade da cobertura de palha livra seus olhos de graves doenças, que se encontram em muitos povos incultos, cujas habitações retêm a fumaça. [...]
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
https://www.youtube.com/watch?v=rECpPlEurDI&t=23s
https://www.youtube.com/watch?v=wxA1AJchYFM&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=23
Expedição
Centenária R-R - III Parte - Fase I - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=3bt42u-sGtA&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=20
Bibliografia
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Rondônia ‒ Brasil ‒ Rio, RJ ‒ Companhia
Editora Nacional, 1938.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] No cânone de Policleto seriam 7 vezes e, no de Lisipo, 8,0 vezes.
[2] Pereba: como
curiosidade pere’wa (ferida) é nome tupi para lesões cutâneas.
[3] Invaliosa: sem valor.
[4] 1.200: O Cel Rondon superavaliou erroneamente a população dos
Nambiquara afirmando tratarem-se de 20.000 indivíduos. Em 1938, Claude
Lévi-Strauss (LÉVI-STRAUSS) simplesmente replicou o equivocado levantamento de
Rondon nas suas anotações.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H