Segunda-feira, 23 de agosto de 2021 - 06h47
Bagé,
23.08.2021
A
exploração do Rio Papagaio constituiu importante serviço que ficamos devendo à
orientação do General Rondon, quando traçou e executou magistralmente o
programa da Expedição Científica Roosevelt-Rondon. Quando esta Expedição
[1913/14] chegou à Estação Telegráfica de “Utiariti”, nome também do belíssimo
Salto do Rio Papagaio, junto ao qual foi construída, Rondon destacou uma turma
destinada a reconhecer e explorar o Rio Papagaio, a partir deste Salto até sua
Foz no Juruena. (MAGALHÃES, 1942)
Aldeia Utiariti à Aldeia do
Buracão (08.11.2015)
A partir de Tapirapuã nosso
percurso se dirigia para o Norte, subindo e atravessando o planalto deserto do
Brasil. Das fraldas desta zona elevada, que é geologicamente muito antiga,
defluem para o Norte os tributários do Amazonas, e os do Prata para o Sul,
fazendo imensos volteios e desvios sem conta. (ROOSEVELT)
Acordamos por volta das
seis horas, o desafio de embarcar os irrequietos muares na balsa do Rio
Papagaio preocupava o “Boi” e por
isso mesmo tínhamos de iniciar cedo os preparativos. Despedi-me da amável anciã
Sr.ª Tertuliana e de seu marido e fui, como legítimo militar da arma de
Villagran, orientar meus parceiros na transposição do curso d’água, afinal isso
era uma missão bem específica da nossa Engenharia Militar.
Curiosamente a travessia do Rio Papagaio, na pequena
balsa (13°01’41,8”S / 58°16’54,2”O), diferente do esperado, processou-se
rapidamente e sem quaisquer dificuldades. Apenas um senão ‒ o cavalinho “Polaqueiro” escorregou ao desembarcar e
esfolou, sem gravidade, a pata traseira.
Desde Tapirapuã, vínhamos seguindo, à distância, a
Linha Telegráfica já que era impossível seguir a rota exata da Expedição
Original tendo em vista os alambrados que cercavam as inúmeras propriedades
particulares ao longo do caminho e a vegetação que, nos últimos cem anos, fora,
progressivamente, bloqueando a estrada da Linha. Tínhamos, até então,
percorrido apenas 2,5 km da Estrada da Linha Telegráfica na chegada à Aldeia de
Utiariti.
Hoje, depois da travessia, enveredarmos por 4,5 km da
estrada, rumo Sudoeste, até adentramos na mesma trilha (entroncamento:
13°03’07,4” S / 58°18’38,1” O) daqueles valorosos expedicionários do passado
usando, como eles, nossos vigorosos muares como meio de transporte.
Depois de percorrermos outros 15,5 km seguindo a
trilha da Linha Telegráfica encontramos uma bifurcação (13°08’14,3” S /
58°25’25,1” O), abandonamos a estrada e adentramos na trilha da direita, onde
fizemos, logo em seguida, a primeira parada. Antes de partirmos, seguindo a
trilha da Linha, os muares tiveram de ser recapturados, pois, durante a breve
parada, tinham seguido adiante. Na antiga senda, encontramos alguns dos antigos
postes erguidos pela Comissão de Linhas Telegráficas chefiada pelo Cel Rondon.
Depois de percorrermos 35 km, enfrentando bloqueios,
vespas, e extrema canícula, abandonarmos a rota Sudoeste e enveredarmos pela
trilha da Linha Telegráfica no rumo Noroeste que ia cruzar o Rio Buriti 8 km à
frente. Como a viatura Marruá ainda não tivesse chegado com a água para aplacar
a sede de nossos sedentos muares eu o “Boi”
descemos uma íngreme trilha em busca do precioso líquido. A estreita trilha que
seguimos, após passarmos pela antiga Aldeia Buracão, estava muito fechada
obrigando-nos a deitarmo-nos sobre os animais para acompanhar a tropa que
seguia célere em fila indiana.
Chegamos, finalmente, ao leito seco do que deveria
ser, na época das águas, um pequeno Ribeirão. O “Boi” foi à frente reconhecer o terreno e pediu para que eu
aguardasse com os animais. Algum tempo depois, ouvi um grito do “Boi” que me pareceu ser de júbilo, por
ter encontrado água, e toquei a tropa em sua direção, logo à frente vi a
montaria do “Boi” amarrada a um
tronco com os quartos atolados no lodo. O “Boi”
gritou, de longe, pedindo que eu voltasse com os animais afirmando que o
terreno dali para frente era muito pior, imediatamente manobrei os animais que
ao retornar enveredaram, em louca carreira, pela apertada trilha. Tentei, em
vão, controlar os animais e nessa empreitada perdi meu gorro de selva, um
troféu que sempre usara com orgulho desde que, em 05.11.1999, concluíra o Curso
de Operações de Selva. Novamente uma estranha sensação me envolveu, a mesma que
senti quando perdi, nas águas do Rio Solimões, em 12.01.2009, minha veterana
Bússola Silva, que há mais de 32 anos me indicava a rota correta e o chapéu
Bandeirante, meu velho parceiro, no dia 12.11.2014, nas águas do Roosevelt após
um convívio de 36 anos.
Uma profunda angústia invadiu todo o meu ser e veio-me
à mente o som vigoroso e fúnebre do “Requiem
Dies Irae”, de Wolfgang Amadeus Mozart. Adeus, velho amigo! Partiste como
um dia quero partir, vendo, tratando e pelejando!
As
aldeias dos índios da Serra do Norte, em geral, são construídas no alto de
pequenas colinas, longe dos cursos d’água. Algumas distam mais de um quilômetro
do Rio ou do Ribeirão mais próximo. Visam dois objetivos, ao que supomos,
levantando suas palhoças em tal situação: sofrem menos dos mosquitos e dominam
o território vizinho, o que é vantajoso, vivendo, como até agora viviam, em
lutas constantes. (ROQUETTE-PINTO)
A tropa só foi controlada depois da chegada da viatura
Marruá com equipe de apoio (Sargento Yuri e Soldado Eder), Coronel Angonese e o
Dr. Marc. Montamos acampamento (AC03 ‒ 13°13’22,8” S / 58°30’49,1” O) nas
proximidades da antiga Aldeia do Buracão, onde os pequenos e irritantes insetos
assediavam a todos comprometendo a execução das tarefas mais simples. A Aldeia
do Buracão foi abandonada pelos Nambiquara depois de terem ocorrido uma série
de acidentes, alguns fatais, na sua íngreme trilha de acesso. É interessante
ressaltar que a edificação de uma Aldeia Nambiquara em local próximo a um curso
d’água e muito insalubre contraria todas as observações realizadas pelos
antigos pesquisadores e, fundamentalmente, o preconizado pelos seus ancestrais.
Relatos Pretéritos do Rio Papagaio
Alguns leitores não entendem porque insisto em
reportar relatos de outros autores sob o título de “Relatos Pretéritos” e eu respondo dizendo que estas narrações são
fundamentais. Não me considero um colunista, cronista ou escritor e não tenho
nenhuma pretensão de ser reconhecido como historiador e, por isso mesmo,
procuro amparo nos textos antigos para embasar minhas afirmações.
Sou apenas um humilde garimpeiro da história e quando
encontro algumas pérolas extraviadas nos escaninhos mais empoeirados da
Biblioteca Universal procuro repercuti-los. Tento, com isso, apresentar o ponto
de vista das “fontes primas” para que
elas possam ser estudadas, comparadas e analisadas pelo próprio leitor. Mesmo
quando há uma unanimidade na percepção de redatores diversos podemos encontrar,
no mínimo, belas nuances na expressão literária de cada um.
É extremamente importante recorrer ao relato de
historiadores ou cronistas que estiveram cronologicamente o mais próximo
possível dos eventos considerados.
Infelizmente alguns dos pretensos “historiadores” nacionais foram, nas
últimas décadas, totalmente contaminados por ideologias alienígenas espúrias
apresentando uma versão da “história”
totalmente travestida, uma realidade maquiavelicamente distorcida do que
realmente aconteceu.
(Francisco
Pinto da Fontoura)
Mas não basta pra ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo
Ao denegrirem a imagem dos heróis do passado ao invés
de cultuar-lhes a memória e o exemplo pelo inestimável legado que nos deixaram
desconsideram, por má fé, a máxima de Isidore Auguste Marie François Xavier
Comte de que:
Os vivos são sempre e cada vez mais governados
necessariamente pelos mortos.
Um povo que não cultua seus heróis, suas virtudes está
condenado, inevitavelmente a ser escravo.
O Rio Papagaio guarda eternamente em suas margens mais
uma das inúmeras heroicas passagens patrocinadas por Rondon. A retirada da “Expedição de 1907”, desde o Rio Juruena,
sob a presença sempre hostil dos índios Nambiquara, os alimentos escassos, foi
extremamente penosa e quando chegaram, finalmente, às margens do Rio
Papagaio...
Rondon (1907)
04.11.1907:
A 4 de novembro atingimos o Sauêruiná com o pessoal faminto, exausto, sem
forças nem ânimo para nada. Até os mais resistentes, o João de Deus e o
Domingos, estavam aniquilados. E tínhamos de atravessar o Sauêruiná! Na viagem
de ida, havíamos utilizado uma canoa para transportar o pessoal e o material
enquanto os animais faziam a travessia a nado. Ficara a canoa amarrada à margem
esquerda e com ela contávamos para voltar à margem direita ‒ mas esquecêramos
os índios: haviam eles soltado a embarcação que desaparecera na correnteza! Foi
tão grande a decepção, que tirou aos abatidos companheiros os últimos restos de
coragem e energia.
Como transpor o Rio? A nado? Seria impossível para
homens famintos, derreados pela fadiga, doentes, apavorados com a possibilidade
de um ataque: eles que viessem e pusessem termo aos seus esforços de
moribundos; ali ficariam no chão à sua espera. Não perdi, entretanto, a
esperança de salvar a Comissão e de levá-la a bom termo. [...] A situação não
comportava palavras e gestos inúteis. Era preciso agir. Com um couro de boi,
revestido de um arcabouço de varas ligeiramente vergadas e amarradas, construí
uma pelota. Carreguei-a com volumes de material e bagagem e, a nado, por meio
de uma corda amarrada aos dentes, fui rebocando a improvisada embarcação,
através da correnteza.
Depois de repetidas viagens ‒ das 13h00 às 18h00 ‒
tinha eu transportado os doentes, a bagagem e o material. Os homens inclinavam
a cabeça para o peito e eu vergastava-os com incisiva apóstrofe:
‒ Soldado
não baixa a cabeça como qualquer covarde!
Estava salva a Expedição do Juruena! (VIVEIROS)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
https://www.youtube.com/watch?v=rECpPlEurDI&t=23s
https://www.youtube.com/watch?v=wxA1AJchYFM&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=23
Expedição
Centenária R-R - III Parte - Fase I - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=3bt42u-sGtA&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=20
Bibliografia
MAGALHÃES,
Amílcar A. Botelho de. Impressões da
Comissão Rondon – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Companhia Editora Nacional,
1942.
ROQUETTE-PINTO,
Edgard. Rondônia ‒ Brasil ‒ Rio, RJ
‒ Companhia Editora Nacional, 1938.
ROOSEVELT,
Theodore. Através do Sertão do Brasil
‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.
VIVEIROS,
Esther de. Rondon Conta Sua Vida ‒
Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H