Sexta-feira, 30 de abril de 2021 - 06h00
Bagé, 30.04.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte XX
Cerâmica Santarena VII
Cachimbos
Os
cachimbos apresentam diferenças fundamentais em relação à Cerâmica Santarém no
que se refere à forma, à confecção e aos motivos ornamentais. O aspecto mais
curioso é que se trata de cachimbos angulares. Não há registros etnográficos,
até o ano de 1700, sobre o uso do tabaco pelos habitantes da Bacia do Rio
Amazonas, além disso, os cachimbos dos Índios da América do Sul são, na sua
maioria, de forma tubular. Estes cachimbos angulares foram, sem dúvida,
introduzidos pelos europeus. Frederico Barata argumenta que alguns desses
cachimbos foram modelados pelos próprios jesuítas, ou Índios sob sua
orientação. Barata afirmou que “o barro
empregado é muitas vezes o mesmo dos vasos típicos”. Contrariando esta
afirmativa, a análise da Cerâmica de Santarém mostra que o antiplástico
utilizado era, predominantemente, o cauixi e o caco moído, ao passo que nos
cachimbos, grande parte não possuía nenhum aditivo ou, quando havia, era o
caripé. A técnica utilizada na sua confecção corrobora que a manufatura dos
cachimbos é bem mais recente.
Eles
eram manufaturados em duas partes iguais para depois serem unidas. Como
curiosidade, quase metade dos cachimbos tubulares, do acervo do Museu Paraense
Emilio Goeldi, têm o formato do órgão sexual masculino. Os demais são
antropomorfos ou zoomorfos.
Pesquisa em curso
O trabalho mais recente proposto para a
área foi o de Roosevelt [1987]. Ela começou discordando das teorias
explicativas propostas para o desenvolvimento cultural das terras baixas, que
classificam a Amazônia como um ambiente de floresta tropical chuvoso, pobre em
recursos, uniforme sazonalmente, úmido e de solo extremamente lixiviado,
portanto não propício para o estabelecimento de sociedades mais complexas. A
descoberta de sociedades populosas e complexas, nestas terras baixas, como é o
caso de Santarém e Marajó, foi atribuída a invasão e difusão de povos vindos
dos Andes, local considerado como o “centro
de inovação da América”. Segundo a autora, o problema com esta explicação
do desenvolvimento cultural nas terras baixas foi a caracterização imprecisa do
meio-ambiente, que considerou a Amazônia como uma floresta tropical chuvosa.
Porém, a Amazônia não é uniforme e possui em seu interior áreas com clima
sazonal de savana, como é o caso de Marajó e Santarém. Ela ressaltou que este
também é o clima de algumas das mais antigas e avançadas culturas nas terras baixas
americanas, como os Maias e os povos da região do Circumcaribe. Roosevelt
descreveu a região de Santarém como situada na Boca do Rio Tapajós em ambiente
de savana e possuindo solo de terra firme junto à várzea. Considerou-a
diferente das outras várzeas do Amazonas, porque conserva antigas superfícies
de terra que datam do Pleistoceno e até mais antigas. Para começar sua pesquisa
na área, Roosevelt estabeleceu uma sequência hipotética, baseada na análise
tipológica das coleções e comparações com sequências, também hipotéticas de
outras regiões. Embora faça a descrição, a autora não apresenta as
características e tipos cerâmicos considerados para sua elaboração. Roosevelt
tentou:
usar esta sequência para seriar os
componentes das coleções dos levantamentos de superfície de Nimuendaju e
Bezerra de Menezes para construir estágios sequenciais de assentamentos na
região, porém estas coleções são principalmente de Cerâmica simples impossíveis
de seriar sem dados estratigráficos da escavação.
A sequência hipotética constitui-se das
seguintes fases:
‒ Santarém, Igarapé-Açu, Aldeia, Lago Grande, Taperinha, Ayaya e Rhome.
Roosevelt identificou a fase Santarém
com a chefia ou cacicado dos Tapajó datando do primeiro milênio A.C.. Seus
numerosos sítios de terra preta, localizados nas terras firmes, indicam uma
enorme população multiétnica. A Cerâmica tem como aditivo cauixi e possui uma
decoração extremamente trabalhada com aplique, incisão e pintura, sendo filiada
ao horizonte-estilo Inciso Ponteado. Suas formas mais comuns são as garrafas,
tigelas, pratos e efígies. Além dessas, inclui cachimbos, apitos e alguns
pequenos vasilhames perfurados, possivelmente para tomar drogas.
A fase Igarapé-Açu é datada
relativamente em torno de A.D. 500-1000, filiada às tradições Borda Incisa e
Policroma e possui, como aditivo da Cerâmica, o cauxi. Segundo Roosevelt, da
Cerâmica conhecem-se apenas amostras de superfície, cujos motivos
característicos são os grandes entalhes nas paredes dos vasilhames e nas bordas
flangeadas e entalhadas.
Roosevelt relacionou a fase Aldeia,
localizada em Santarém, com os horizontes estilo Saladoíde-Barrancoíde do
Orenoco e considerou-a mais antiga que a anterior. Segundo sua descrição, a
Cerâmica possui uma pasta avermelhada, com tempero de cauixi ou caripé, pintura
vermelha e branca, asas zoomorfas e entalhe curvilíneo. Sua datação é estimada
em cerca de 2100 A.C. a A.D. 500 no Orenoco.
A fase Lago Grande que
aparece no local de mesma denominação e em Santarém, é ainda mais antiga. É
caracterizada por uma Cerâmica de paredes espessas, temperada com cascalho e
cauixi. As formas dos vasilhames são hemisféricas de cor vermelho-amarronzado,
com decoração simples, incisa e ponteada.
A Cerâmica da fase Taperinha é
proveniente de um sambaqui na região de mesmo nome, localizado aproximadamente
a 40 km de Santarém. Roosevelt, baseada na hipótese de Hartt, supôs que o
sambaqui possa representar um período de transição entre as ocupações
pré-cerâmicas e as primeiras ocupações cerâmicas. Os vasilhames são hemisféricos
e não decorados, tendo a pasta temperada com cascalho e conchas.
Ainda neste sambaqui, definiu a fase
hipotética pré-Cerâmica Ayaya, com base no material lítico toscamente
lascado, como pontas, raspadores, quebra-coquinhos e batedores.
E além desta fase pré-cerâmica, sugeriu a
possibilidade de uma mais antiga no mesmo local, chamada Rhome. O
material característico desta seriam grandes pontas finamente entalhadas, com
base côncava ou pedúnculo, filiadas morfologicamente ao Protoarcaico.
Roosevelt afirmou que se sua reconstituição
hipotética do sambaqui de Taperinha estiver correta, as três últimas fases
descritas seriam os primeiros componentes conhecidos das primeiras ocupações
cerâmicas e do pré-cerâmico registrados nas várzeas do Amazonas. Com o objetivo
de testar sua sequência hipotética criada, a autora planejou escavações em
Santarém, Taperinha e Lago Grande. O projeto iniciou-se em 1987, realizando
corte-testes em Taperinha e Aldeia. As escavações em Taperinha revelaram um:
sambaqui bastante extenso apresentando 6,5m de profundidade e diversos
hectares de terra. Os líticos lascados do sítio compõem-se de toscos artefatos
de sílex local laminados por percussão, incluindo ainda lascas utilizadas,
raspadores, gumes, cinzéis, machados, pedras de quebrar nozes, moedores,
alisadores e utensílios de ossos e chifres.
A Cerâmica encontrada em Taperinha possui
como aditivo areia. [...] Baseada em datações radiocarbônicas de carvão,
conchas e carbono proveniente da Cerâmica, a idade deste sambaqui foi
estabelecida entre 5.000 e 4.000 A. C.. Roosevelt afirma que, embora a Cerâmica
de Taperinha seja semelhante a algumas outras cerâmicas antigas, é no mínimo
1.000 anos mais antiga de que a do Norte da América do Sul e 3.000 anos mais
antiga que a Cerâmica dos Andes e Mesoamérica. Isso prova portanto, que a
Cerâmica de Taperinha não pode ser derivada delas, porém é possível que as
outras sejam derivadas da Cerâmica amazônica ou que tenham origens
independentes. As escavações em Santarém não produziram material possível de
ser datado. Porém com base nos estilos horizontes cerâmicos da Amazônia,
Roosevelt estabeleceu que:
em algum momento após cerca de 3.000 anos A.C., surgiu ao longo das
várzeas dos Rios, em diversas partes da Grande Amazônia, um modo de vida que
parece ter sido bastante similar àquele dos atuais Índios amazônicos.
Isto é, eram:
culturas de Aldeias de agricultores sedentários, embora estas culturas
aparentem ter sido totalmente agrícolas na Amazônia. Elas parecem representar o
estabelecimento generalizado nas terras baixas de horticultores de raízes.
Sua subsistência, além do cultivo de
raízes, incluía a caça e a pesca. Embora os sítios da região Santarém e Lago Grande ainda não
tenham produzido datações [o primeiro provavelmente por falta de material
adequado, uma vez que o sítio fica no centro da Cidade de Santarém, e o segundo
porque ainda não foi escavado], a análise do material cerâmico com base nos
estilos horizontes confirma a sequência hipotética da autora. Ao contrário dos
outros, Taperinha produziu datações inquestionáveis, provando assim sua
antiguidade como a estabelecida na sequência hipotética. Os resultados do
projeto desenvolvido por Roosevelt vêm fornecendo importantes contribuições
para arqueologia amazônica, pois derrubou a suposição que o solo amazônico não
suportaria ser habitado por longos anos, estabelece o surgimento da Cerâmica
como mais antiga na Amazônia do que em outras regiões do Norte da América do
Sul e muda as teorias sobre a ocupação Pré-histórica da América. (GUAPINDAIA)
Fases
Santarém (Primeiro Milênio A.C.)
Temperada
com “cauixi”, é ricamente elaborada e
suas formas mais comuns são as garrafas, tigelas, pratos, efígies, cachimbos,
apitos e pequenos vasilhames perfurados.
Igarapé-Açu (A.D. 500-1000)
Temperada
com “cauixi”, seus motivos característicos
são os grandes entalhes nas paredes dos vasilhames e nas bordas flangeadas e
entalhadas.
Aldeia (2100 A.C.)
Temperada
com “cauixi” ou “cariapé”, localizada em Santarém e considerada a mais antiga que a
anterior. A Cerâmica possui pintura vermelha e branca, asas zoomorfas e entalhe
curvilíneo.
Lago Grande
Temperada
com “cascalho” e “cauixi”. Oriunda do Lago Grande e de
Santarém, é ainda mais antiga. Possui paredes espessas, os vasilhames são
hemisféricos de cor vermelho-amarronzado com decoração simples, incisa e
ponteada.
Taperinha (A.C. 5000-4000)
Temperada
com “cascalho” e “conchas”. Proveniente de um sambaqui na
região de Taperinha, a uns 40 km de Santarém. Vasilhames hemisféricos e sem
decoração, embora semelhante a algumas outras cerâmicas é, no mínimo, mil anos
mais antiga do que a do Norte da América do Sul e 3.000 anos mais velha que a
Cerâmica dos Andes e Mesoamérica.
Ayaya
No
mesmo sambaqui de Taperinha, definiu esta fase com base no material lítico
toscamente lascado, como pontas, raspadores, quebra-coquinhos e batedores.
Rhome
O
material característico desta seriam grandes pontas finamente entalhadas, com
base côncava ou pedúnculo filiadas morfologicamente ao Protoarcaico.
Bibliografia
GUAPINDAIA, Vera Lúcia
Calandrini. Os Tapajó: Arqueologia e
História ‒ www.historiaehistoria.com.br, 2004.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H