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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCX - Navegando o Tapajós ‒ Parte XXIV - Cerâmica Santarena XI


A Terceira Margem – Parte CCX - Navegando o Tapajós ‒ Parte XXIV - Cerâmica Santarena XI - Gente de Opinião

Bagé, 06.05.2021

 

Navegando o Tapajós ‒ Parte XXIV

 

Cerâmica Santarena XI

 

Clãs

 

Precisamos analisar outro aspecto antes de esboçar qualquer tipo de hipótese sobre o simbolismo dos vasos rituais dos Tapajós (cariátides e gargalo). Considerando que sua cultura se perdeu nas brumas do passado, precisamos recorrer à sofisticada organização social e aos rituais fúnebres de outras etnias indígenas cujos costumes lembram, um pouco, a dos Tapajó. Os animais reverenciados pelos Tapajó e aqueles que simbolizavam o clã ou mesmo a genealogia do morto eram, sem dúvida, reproduzidos na Cerâmica ritual.

 

Tikuna

 

Ao descer o Solimões, em 2008, conheci os formidáveis Tikuna. Através de textos de conhecidos antropólogos e do Cacique João Farias Filho, da Comunidade Feijoal, conheci suas Lendas, Costumes e Organização Social. A sociedade Tikuna está dividida em Metades exogâmicas ([1]), cada qual composta por Clãs patrilineares ([2]). Para ser reconhecido como Tikuna é necessário falar a língua Tikuna, pertencer a um Clã e casar obedecendo às regras dos Clãs.

 

Yo’i fez um caniço e usou como isca para pescar o caroço do tucumã maduro, os peixes quando caíam na terra, se transformavam em animais, novamente o herói experimentou outra isca, dessa vez, usou a macaxeira, com essa comida os peixinhos começaram a se transformar em seres humanos. Yo’i pescou muita gente, mas seu irmão não estava entre essas pessoas. A mulher pegou o caniço e pescou Ipi, este saltou para a terra e pescou os peruanos e outros povos que acompanharam o herói e foram embora na direção do poente. Da gente pescada por Yo’i descendem os Tikuna e também outros povos que rumaram para a direção do nascente, inclusive brancos e negros, daí vem a autodenominação dos Tikuna que se chamam Maguta, o povo pescado. (GRUBER)

 

Mas Yo’i separou-as, colocando as suas a Este e as de Ipi a Oeste. Então ele ordenou que cozinhassem um jacururu e obrigou todo mundo a provar o caldo. E assim cada um ficou sabendo a que Clã pertencia, e Yo’i ordenou aos membros dos dois grupos que se casassem entre si. (NIMUENDAJÚ)

 

Curt Nimuendaju estudou os Costumes e Organização Social dos Ticuna na década de quarenta e, na oportunidade, identificou quinze Clãs para a “Metade Plantas” e vinte e um para a “Metade Aves”. Os Ticuna identificam esses grupos através do nome de árvores, animais terrestres e insetos (“Metade Plantas”) e aves (“Metade Aves”).

 

O fato da “Metade Plantas” ser composta por elementos tão distintos, segundo Nimuendaju, encontra amparo na mitologia Tikuna que acredita que a alma de algumas árvores vagueiam à noite, assumindo a forma do animal com o qual mais se identificam. Segundo os Tikunas, as formigas saúvas pertencem, também, a “Metade Plantas” simplesmente porque elas têm o costume de subir nas árvores.

 

 

Metades

 

Plantas

Aves

 

 

Subclãs

 

Subclãs

C

 

l

 

ã

 

s

Auaí

Auaí grande, Auaí pequeno, Jenipapo do Igapó.

Arara

Canindé, Vermelha, Maracanã, Maracanã grande, Maracanã pequeno.

Saúva

Açaí, Saúva.

Mutum

Mutum cavalo, Urumutum.

Buriti

Buriti, Buriti fino.

Tucano

Tucano.

Onça

Seringarana, Pau mulato, Acapu, Caraná, Maracajá.

Urubu-Rei

Urubu-Rei.

 

Alguns pesquisadores, no entanto, defendem que os critérios para pertencer a este ou àquele Clã era baseado apenas entre os grupos de animais de “Pena” e dos grupos “Sem Pena” o que simplificaria muito a classificação, mas que, ingenuamente, deixaria de levar em conta o misticismo Tikuna. A origem dos Clãs está intimamente ligada ao mito da criação do mundo segundo a versão Tikuna.

 

Os irmãos e Ipi são os personagens centrais da Criação da Humanidade. Yo’i resolveu, um dia, pescar seu povo usando como isca uma fruta de tucumã, os peixes logo que saíam da água se transformavam em queixadas, porcos do mato e outros animais. Yo’i resolveu trocar a isca para a macaxeira e os peixes se transformaram no povo Maguta (povo pescado do Rio). Os Maguta pertenciam a um único Clã e as pessoas, consequentemente, não podiam casar-se. Yo’i fez, então, um caldo de jacururu e distribuíram ao povo para que o provassem. Os primeiros que provaram a mistura passaram a ser reconhecidos como “Clã da Onça”, depois o “Clã da Saúva”, e desta maneira foram criados os diversos Clãs.

 

Apinagé

 

Arthur Ramos de Araújo Pereira, médico psiquiatra, psicólogo social, etnólogo, folclorista, considerado o pai da Antropologia Brasileira escreveu uma obra monumental – “Introdução à Antropologia Brasileira” – que deveria ser o livro de cabeceira dos que se candidatam, nos dias de hoje, ao estudo da antropologia. Vamos reportar suas considerações sobre a organização social dos Apinagé, um dos ramos do povo Gê.

 

O estudo mais recente e mais completo sobre a organização social dos Gê se deve a Curt Nimuendaju. No seu trabalho citado sobre os Apinagé, vemos que são Matrilocais ([3]) e organizados em Metades. Matrilineares ([4]), cada uma das quais ocupa inicialmente uma determinada parte da Aldeia. O todo é disposto em círculo, sendo a metade superior (Kol-Ti) localizada ao Norte e a metade inferior (Kol-Re) ao Sul. Os Apinagé de hoje, embora topograficamente não mais obedeçam àquela localização, ainda se referem a Kol-Ti e Kol-Re, como sendo a “Aldeia de Cima” e a “Aldeia de Baixo”, respectivamente.

 

De acordo com a lenda, Kol-Ti foi criado pelo Sol e Kol-Re pela Lua. As cores são o vermelho para os primeiros e preto para os segundos. Os chefes são sempre Kol-Ti tendo esta “metade” a primazia na vida social de todo o grupo, embora nos grandes festivais, cada “metade” tenha o seu próprio chefe. As metades Apinagé não são exogâmicas, sendo o casamento regulado por um sistema diferente.

 

Cada “metade” possui uma série de nomes pessoais “grandes” e “pequenos”, masculinos e femininos. Esses nomes são transferidos do tio materno ao filho da irmã, e da tia materna à filha da irmã. A avó materna ou sua irmã podem tomar o lugar da tia, enquanto que o avô materno pode tomar o lugar do tio. Acontece que, impacientes, o tio ou a tia materna se apressem a transferir o nome, antes de a criança nascer e podendo suceder que a menina fique com o nome masculino e vice-versa.

 

Os portadores de nomes gozam de privilégios de acordo com a sua categoria. E há festas com dança e música especiais, não só nas cerimônias de transferência dos nomes, como em ocasiões futuras quando o portador do nome se obriga a certas tarefas.

 

Independentemente da organização dual, em “metades”, a tribo Apinagé é dividida em quatro Kiyé, nome que significa “lado” ou “partido”. Estes Kiyé não são Sibs unilaterais, mas unidades bilaterais, constituídas no modelo familiar, isto é, os filhos seguem o pai, as filhas seguem a mãe. São exógamos, os homens de um Kiyé só podem desposar as mulheres de outro Kiyé. Suponhamos os quatro Kiyé, A, B, C, D; os homens de A só podem se casar com as mulheres de B; os homens de B com as mulheres de C, etc. As mulheres seguem o caminho inverso: as de B só podem casar com os homens de A; as de C com os homens de B; as de D com os homens de C. (RAMOS)

 

Bibliografia

 

GRUBER, Maria Jussara Gomes. Os Índios Ticuna como Agentes de um Processo de Educação Integrada – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Pré Conferência do XXV Congresso Mundial da INSEA, 1984.

 

NIMUENDAJÚ, Curt. Nimongaraí: o Batismo Ritual de Nimuendajú – Brasil – Brasília, DF – Revista Brasileira de Linguística Antropológica ‒ Volume 2, julho de 2010.

 

RAMOS, Arthur. Introdução à Antropologia Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria Editora da Casa, 1961.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Exogâmicas: Metade Plantas e Metade Aves. Exogâmica: regime social no qual os casamentos só se podem realizar com membros de outras tribos ou Clãs.

[2]    Patrilinear: sucessão por linha paterna

[3]    Matrilocal: o marido, depois do casamento, é obrigado a seguir a mulher, passando a morar na localidade dela.

[4]    Matrilinear: sucessão por linha materna.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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