Sexta-feira, 7 de maio de 2021 - 06h02
Bagé, 07.05.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte XXV
Cerâmica Santarena XII
Ritos Fúnebres
Novamente
Arthur Ramos, na obra já citada, faz referência ao rito fúnebre dos Bororo e da
importância do clã neste momento em que cada membro utiliza as cores e
ornamentações especiais de cada clã e, logicamente, estes mesmos cuidados são
levados em conta em relação ao clã a que pertencia o morto.
Os Ritos Funerários, a avaliar pelas
descrições de Karl von den Steinen e do Padre Colbacchini, são bem complexos
entre os Bororo. Quando um Índio está muito mal, o Bari [feiticeiro da tribo] é
chamado e prediz a sua morte. Daí em diante, o Índio não toma nenhum alimento.
Se a morte não chega no dia previsto, o Bari encarrega-se de mostrar a exatidão
da sua profecia, sufocando o moribundo. Quando o Índio morre, seu corpo é
ungido de urucu e imediatamente coberto a fim de que as mulheres e as crianças
não o vejam. Começam então os altos lamentos das mulheres. Os parentes
demonstram a sua dor, talhando o corpo profundamente com conchas cortadiças, de
maneira a fazer correr profusamente o sangue. O número dos ferimentos é
proporcional ao afeto que se tributava ao morto. Os ferimentos são depois
tratados com a polpa do fruto do jenipapo. Começam os cânticos fúnebres,
cadenciados ao ritmo do Babo, instrumento feito de uma cabaça elíptica oca,
contendo no seu interior algumas sementes duras, e um cabo de madeira.
Enquanto isso, o morto é envolvido numa
esteira com os objetos que lhe pertenciam, inclusive o arco e as flechas
quebrados. O cadáver é em seguida transportado ao Baimannageggeu, espaço de
terreno, no centro da Aldeia, onde se iniciam os funerais oficiais, que duram
toda a noite. Os cânticos são dirigidos pelo chefe da Aldeia, ornado com o
Pariko. O cântico principal é depois seguido dos cânticos
de cada Clã. A sepultura, de 30 a 40 centímetros de profundidade, é cavada
próximo ao Baimannageggeu. Nela é depositado temporariamente o morto, e coberto
de terra e água, enquanto que os parentes novamente retalham o próprio corpo,
em altos gritos.
Diariamente os parentes vêm lançar água à
sepultura, para apressar a putrefação do corpo e poderem retirar os ossos. O
luto é observado pelos parentes, da maneira seguinte: arrancam ou cortam os
cabelos e depois, à medida que vão crescendo, não os cortam na fronte e ao
nível das orelhas, enquanto dura o luto. Abstêm-se de pintar o corpo com urucu.
A duração do luto é de alguns meses a um ano e mais.
Na mesma tarde do enterramento, o
Aroettowarari [médium] evoca as almas para saber a localidade onde se encontra
a caça. Partem então todos os Índios para essa caça religioso-mágica em honra
do morto. Os animais mortos são levados aos parentes do defunto e são comidos
numa refeição comum. Duas semanas depois do enterramento, recomeçam os cânticos
e as danças especiais – Mariddo, Aige e Aroe Maiwo – e por fim, ao som de um
cântico especial, o morto é desenterrado, ainda putrefeito, e os ossos são
extraídos e lavados no Rio próximo. É organizada uma refeição social, para a
qual são convidadas as almas dos mortos. As mulheres não tomam parte nesta
refeição. Os ossos são então pintados de urucu e ornados
com as cores do Clã do morto.
O crânio é também adornado cuidadosamente
com penas. Tudo é colocado num cesto, também ornado com as cores do Clã, e na manhã
seguinte, os ossos, dentro do cesto, são entregues à sua sepultura definitiva,
no Rio próximo ou num Lago, mas sempre num lugar determinado, o Aroe Gari, ou “morada das almas”. Durante todo o tempo
dos funerais, os Índios adotam as ornamentações especiais,
já descritas, e que variam para cada Clã. (RAMOS)
Contextos Deposicionais
As
escavações realizadas no entorno de Santarém, mencionadas no capítulo anterior,
identificaram dois tipos de descarte relativos à Cerâmica cerimonial dos
Tapajó: os bolsões e a Cerâmica associada ao lixo comum. Nestas modalidades é
difícil inferir qualquer tipo de ritual fúnebre já que os vestígios foram
removidos e as peças misturadas sem qualquer tipo de cuidado.
A
Noroeste do sítio Carapanari, porém, num local em que se pode descortinar o Rio
Tapajós, foi realizada, sem dúvida, a descoberta mais importante. Foi
localizado um vaso inteiro, com capacidade para armazenar em torno de 5 litros
de bebida, e ao seu redor foram detectadas cinzas, o que nos leva a crer que o
artefato foi enterrado e, ao redor dele, acesas pequenas fogueiras. No seu
interior foi encontrada uma faca confeccionada em arenito, indicando um ritual
funerário. Este modo de descarte, de deposição “in situ”, indica, evidentemente, a ocorrência de um ritual
funerário. Nos grandes vasos de bebida, como o encontrado no sítio Carapanari,
se misturavam as cinzas do morto que eram bebidas pelos participantes do rito.
Vasos de Cariátides
Para
os seres superiores, a bebida era colocada no vaso de cariátides considerando
sua pequena capacidade e a dificuldade que se teria para alcançar o líquido em
decorrência dos inúmeros artefatos aplicados em suas bordas. Os urubus-reis que
adornavam, invariavelmente, a peça de Cerâmica destinavam-se a conduzir o
homenageado para sua derradeira morada. Observamos em algumas peças que estes
animais, invariavelmente, quando voltados para a borda do vaso, tinham suas
asas fechadas e para fora abertas sugerindo um rito de passagem.
Vasos de gargalo
Os
vasos de gargalo serviam de urnas mortuárias onde eram depositadas parte das
cinzas do defunto. Estes vasos eram decorados com o animal que representava o
clã do defunto e alguns de seus animais místicos.
O
fato de as aves se apresentarem com as asas abertas ou fechadas e os grandes
sauros serem representados com a boca aberta ou fechada pode sugerir que o
falecido tenha morrido em ação, no combate ou na caça, ou simplesmente de
velhice na segurança de sua Aldeia.
Outros
animais que compõem as peças representavam, seguramente, alguma façanha
heroica, na guerra ou na caça que muitas vezes, pela sua relevância, era
motivo, inclusive, para mudar até o nome do homenageado.
As
figuras antropomorfas que, eventualmente, faziam parte dos ornamentos
representando adultos ou crianças indicavam, eventualmente, a idade do finado.
A presença constante dos batráquios nos vasos rituais reverencia o animal que
garantia a supremacia bélica dos Tapajó no combate.
Bibliografia
RAMOS, Arthur. Introdução à Antropologia Brasileira –
Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria Editora da Casa, 1961.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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