Quarta-feira, 19 de maio de 2021 - 06h02
Bagé, 19.05.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte XXIII
(Eimar Franco)
Uma das belas características do Tapajós são as
nuances de cor que apresenta durante os dias e as noites. Algumas vezes ele tem
a cor de esmeralda; outras, a de chumbo; outras, o dourado – como se
caprichasse para nos extasiar com sua beleza…
Partida de Aveiro (24.10.2013)
Partimos
de Aveiro ao alvorecer e programamos a primeira parada no Sítio dos Sonhos do
Sr. Júlio. Tínhamos acabado de aportar quando ele apareceu, acompanhado de sua
simpática esposa, e aproveitamos, mais uma vez, para nos despedir deste caro e
empreendedor amigo. No Tapajós, as enormes Barreiras de arenito, conhecidas
como “Barreiras Vermelhas”, na margem
direita, são características das praias a partir da Ponta da Fortaleza, a ESE
de Aveiro, até as proximidades da Comunidade de Itapuama onde pernoitamos.
Na
margem esquerda, encontramos formações similares que se estendem desde a meia
distância entre a Comunidade de Paú e Escrivão para ESE até os limites entre
Pinhel e Cametá. As Grandes Barreiras, portanto, estão confinadas, “curiosamente”, às longitudes de
55°37’17,30” O e 55°37’17,20” O, em ambas as margens – em um alinhamento quase
perfeito.
Alguns
destes ciclópicos paredões exibiam feias cicatrizes de recentes erosões.
Algumas provocadas pela ação dos elementos, outras pela camada vegetal que se empoleira
nas fissuras do arenito ou ainda pela combinação de ambos.
A
rústica vegetação se desenvolve lentamente, equilibrando-se instável e
perigosamente nos abismos verticais, entranhando suas delicadas raízes nas
pequenas frestas da rocha e, pouco a pouco, como garras vulturinas vão ganhando
corpo até que provocam a fratura irreversível do frágil arenito, despencando
com ele num suicídio deliberado. Decidimos pernoitar, em uma pequena enseada, a
um quilômetro ao Norte da Comunidade de Itapuama. Estava ajudando o Cb Eng
Mário Élder a colocar a “malhadeira”
quando um cardume de jaraquis aproximou-se, agitando a superfície d’água, e
quatro deles emaranharam-se na rede antes mesmo de termos concluído a operação.
Era muito bom variar o cardápio de enlatados com arroz ou enlatados e massa
para uma caldeirada de peixes frescos.
Falha
Geológica
A
simples observação da dilatada Foz do Tapajós a jusante de Aveiro, a “curiosa” semelhança da ocorrência das
Barreiras Vermelhas nas duas margens em um “curioso”
alinhamento longitudinal e a verificação de que o desenho destas margens se
encaixam quase que perfeitamente me levaram a considerar a possibilidade da
ocorrência de uma falha geológica na região. Considera-se falha geológica uma
descontinuidade formada pela fratura das rochas superficiais da Terra (algumas
dezenas de quilômetros) pela ação das forças tectônicas.
Como
leigo no assunto resolvi consultar minha querida e muito especial ex-aluna do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) Raquel Gewehr de Mello estudante de
Geologia da UFRGS e Bolsista de Iniciação Cientifica (PIBIC/CNPq). Disse a ela
que a maior parte das formações era de arenito e a minha amada bruxinha foi
taxativa:
São arenitos do final do
cretáceo, com estratificação cruzada, pelitos e conglomerados. Faziam parte de
um sistema lacustrino deltaico com influência marinha e algumas bordas possuem
cobertura laterítica e depósitos aluviais recentes.
A
Raquel enviou-me mapas e estudos que confirmaram minhas expectativas. Em um
deles, intitulado “Neotectônica da Região
Amazônica: Aspectos Tectônicos, Geomorfológicos e Deposicionais” de João
Batista Sena Costa e outros os autores fazem a seguinte consideração:
Oeste do Pará
Na
região Oeste do Pará, as estruturas compõem dois conjuntos principais atribuídos
ao Terciário Superior e ao Quaternário [J.B.S. Costa et al. 1994, 1995]. [...]
b) O segmento distensivo NNE-SSW
tem extensão em torno de 200 km, é marcado por falhas normais que controlam o
Baixo curso do Rio Tapajós, e seu desenvolvimento deve ter relação com
reativação das falhas normais do Mesozóico. (SENA COSTA)
Partida de
Itapuama (25.10.2013)
Partimos
mais cedo e fizemos a segunda parada na Ponta Macau. A fotografia aérea do
Google Earth mostrava que tínhamos uma Ilha à nossa frente e decidi navegar
pela parte interna, entre ela e a terra firme, para fugir dos fortes ventos de
NE que travavam nosso deslocamento. Ledo engano, fomos forçados a voltar. Ainda
bem que o erro foi de apenas uns 3,5 km, o grande problema de remar a favor do
vento, porém, é que se neutraliza, em parte, a sensação de frescor provocada
por ele. Antes de consultar as datas dos mapas do Google Earth e da Carta
Náutica da Marinha, eu achava que a diferença entre a fotografia e o terreno
tinha como justificativa o período em que a fotografia foi tirada. A imagem
poderia ter sido obtida durante uma das grandes cheias do Rio Tapajós e agora
nos encontrávamos em plena vazante. O episódio do frustrado atalho fez-me “engarupar na anca da história” e voltar
ao caso da superprodução de tartaruguinhas, em 2009, no Tabuleiro Monte Cristo
administrado pelo IBAMA. A produção que sempre girava em torno de 500.000
animaizinhos pulou, em 2009, para mais de um milhão. Logicamente as mamães
tartarugas, tracajás e pitius acompanharam atentamente os resultados
catastróficos provocados pela cheia de 2009 e precavidas procuraram, no final
do mesmo ano, um local mais elevado e consequentemente mais propício para a
desova. Os quelônios trocaram as praias em que normalmente desovavam pela
segurança oferecida pelo Tabuleiro Monte Cristo, a única praia cuja cota
garantia que ficaria fora do alcance das águas durante as grandes cheias na
região.
Voltando
ao nosso frustrado atalho. Depois de verificar que a fotografia, de baixa
resolução do Google Earth, tirada em 31.12.1969, mostrava um acesso ao Rio que
estava agora totalmente bloqueado, inferi que aconteceu um assoreamento
provocado pelos sedimentos carreados pelo Igarapé em consequência do
desmatamento sem controle de suas margens.
A
Carta Náutica, de 30.12.1984, a que mais tarde tive acesso, mostrava que na
época em que foi confeccionada esta Boca já não mais existia. Continuando com a
nossa jornada, acampamos em um enorme Banco de Areia na altura da Ponta
Jaguarari onde depois aportou o simpático e festivo pessoal do Hospital Barco
Avaré.
Partida de
Jaguarari (26.10.2013)
Os
ventos fortes e a canícula foram nossos maiores adversários. Procuramos
contornar o problema realizando diversas paradas para nos refrescarmos e
hidratarmos. Fizemos as duas últimas antes de Alter do Chão nas proximidades de
duas belas Pousadas para poder degustar um bem-vindo refrigerante gelado bem
mais barato do que o vendido na Praia de Alter.
Ao
ultrapassarmos o extenso Banco de Areia do Cururu, ouvi um grito de “Selva” vindo da embarcação M. M. Vieira,
ao que respondi imediatamente, e só então, ao olhar rapidamente para trás,
identifiquei meu caro Amigo o TCel Eng Artur Clécio Aragão de Miranda. Mais
tarde soube, por ele, que havia uma comitiva com diversos Generais a bordo
conhecendo as belezas do Rio Tapajós.. Aportamos na Praia da Moça às 15h40, dez
horas depois de iniciarmos nossa exaustiva jornada.
Praia da Moça
(Ponta do Cururu)
Era
notável a diferença da paisagem da região que observáramos quando por aqui
passamos, no dia 10.10.2013, e a de hoje. As praias, que antes recém começavam
a despontar, agora exibiam majestosamente suas imaculadas areias brancas.
Uma
das belas pedras da Praia ostenta uma pequena cruz que segundo o “Magnata” – guia turístico de Alter do
Chão – foi onde o corpo de uma jovem foi encontrado após o naufrágio da
embarcação que a transportava. Debaixo de uma das árvores, onde acampamos, sob
a areia, encontram-se vestígios dessa embarcação.
Fiquei
encantado com as inúmeras formações rochosas esculpidas pelas mãos do Grande
Arquiteto do Universo. À primeira vista nos parece um caótico e desarranjado
amontoado de grandes monólitos, mas um olhar mais atento, faz-nos descartar
esta possibilidade. Há uma estranha e magnífica harmonia por trás desta aparente
desordem. Cada formação apresenta um desenho único, uma inclinação, uma
composição de cores, uma posição na linda praia que mais parece um museu de
arte.
Ponta do
Cururu – um Pedacinho do Céu Engastado no Tapajós
Travessos
e atabalhoados Querubins provocaram a cisão de parte do Paraíso Celeste. Os
atentos Arcanjos tentaram prontamente remediar o desastroso acontecimento
procurando na terra um local onde o fragmento pudesse pousar suavemente e
permanecer camuflado, oculto, despercebido pelo menos da grande maioria dos
mortais.
Depois
de vasculharem os ermos sem fim do Planeta Terra, encontraram um local
apropriado na margem direita de um amazônico Rio cor de esmeralda, cuja
paisagem compunha um cenário idílico compatível com aquela pequena fração do
Éden.
Três
belas enseadas foram então encravadas na ponta do Cururu, a NO de Alter do
Chão, permanecendo ocultas aos olhos da maioria dos humanos que trafegam por
aquela área, mais preocupados em desviar suas embarcações dos grandes bancos de
areia ali existentes do que apreciar a paisagem ímpar daquelas plagas.
Amigos
Investidores
Nossa
jornada tapajônica só foi possível graças ao apoio incondicional do Exército
Brasileiro por intermédio do Departamento de Cultura e Ensino do Exército
(DCEx), do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), do 2° Grupamento de
Engenharia (2°GptE), do 8° Batalhão de Engenharia de Construção (8°BEC) e do
53° Batalhão de Infantaria de Selva (53° BIS) além do necessário aporte
financeiro patrocinado por 33 fiéis amigos investidores.
Parceiros de
Fé
Nossa
jornada tornou-se mais fácil graças à colaboração sempre pronta de dois grandes
amigos expedicionários – o Cabo Eng Mário Elder Guimarães Marinho responsável
pela segurança, apoio logístico e imagens da Expedição e o Soldado Eng Marçal
Washington Barbosa Santos, parceiro de remadas e nosso caro “mestre cuca”.
Filmetes: http://desafiandooriomar.blogspot.com/2013/12/
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H