Segunda-feira, 21 de junho de 2021 - 10h22
Bagé, 21.06.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXII
Forte Coimbra – IV
João
Severiano da Fonseca (1875)
(Continuação)
Desse trajeto não é
difícil a primeira metade, e faz-se parte dela ainda à luz amortecida dos
archotes, amortecida pela deficiência do ar respirável; a segunda, porém, é tão
custosa, que somente a vista do claro da saída poderia influir à percorrerem-na
de todo e não voltarem atrás os primeiros e intrépidos visitantes. Termina em
uma grande sala tão baixa, nos seus três a quatro metros de altura, que, com a
lôbrega luz que aí reina, divisa-se suficientemente o abobadado calcário do
teto, cheio de pequenas e finas estalactites de moderna formação, que já vão
aparecendo entre os restos informes das antigas, devastadas.
É que, sendo raros os
curiosos que visitam a gruta, raríssimos são os que transpõem o túnel; e, pois,
essa segunda parte da fadárica ([1])
estância é a mais rica e aprimorada de ornato. Notei mais clara esta sala do
que as outras, seja por um efeito natural qualquer, seja porque meus olhos já
estivessem acostumados à escuridade. Abundavam os mesmos torsos e volutas, as
mesmas colunas, as mesmas cortinas revestindo as entradas das outras salas,
intrincado labirinto onde nos vimos quase perdidos.
Havia de mais as novas
concreções que do teto pendiam em forma de mil agulhetas e pequeninas
pirâmides. A estalagmite afetava em geral a forma de uma alfombra ([2])
que atapetava todo o solo; à esquerda da saída do túnel elevava-se mais,
assemelhando-se à um pitoresco canapé, estofado, bastante áspero nos seus
coxins de rocha, mas em que sentei-me com gosto por alguns instantes.
Antigos visitantes tinham
trazido um fio de “merlim” ou barbante
grosso, para guiá-los nessa viagem subterrânea. Já no túnel havíamos encontrado
e agora víamo-lo estendido sob a água que, aqui, conservava um bom palmo de
altura. Sua direção era no prolongamento do túnel à porta fronteira.
O “canapé” era um índice apreciável para a orientação deste, assim não
descurei de notá-lo, bem como sua posição em relação ao fio. Seguimos a sua
direção e entramos na primeira sala, tendo antes observado, ou melhor espiado,
apenas duas entradas, duas ou três outras salas que com aquela se comunicavam e
que pouco diferiam entre si.
Aquela para onde o fio se
dirigia era a mais extensa de todas as que vi, sem excetuar mesmo o salão, e
mais estreita em relação ao tamanho. Mediria uns quatro metros de largo: a
largura foi-me impossível de estimar. Parecia um longo corredor, ou antes
galeria, cercada de colunadas e de todas essas fantásticas e caprichosas
produções da natureza. No chão encontramos imensas raízes de gameleira [ficus
doliaria], que suponho da que ensombra a entrada da gruta: e que, sendo assim,
indica que essas salas não estão tão afastadas da entrada, como parecem.
Uma
circunstância nos privou de continuarmos nossa visita e privou-me do prazer de
melhor observar a formosa galeria, que é cheia de socavões e recônditos de um e
outro lado, e dignos sem dúvida da mais detida contemplação: notamos, à
princípio descuidados mas depois com algum temor, que o fio tão
satisfatoriamente encontrado e no qual depositamos cega confiança, nos traíra,
estando partido em vários pedaços, que se moviam, tomando ora uma, ora outra
direção, levados pelo movimento da água, que remexíamos andando.
Os soldados tinham-se
adiantado e penetrado nos outros recessos, em busca de mais mimosas e delicadas
concreções, tais como só aí se encontram. A nós faltou já a vontade de
prosseguir: todo nosso fito foi a volta; e mesmo uma espécie de terror nos
enfraquecera os ânimos, lembrando-nos de que, segundo nos haviam contado, pouco
tempo havia que um oficial de marinha aí se perdera e só ao cabo de longas
horas conseguira sair desse dédalo. Buscávamos orientar o fio; embalde ([3])!
O que víamos quieto e marcando uma direção, já tinha tido outras, que novo
movimento das águas mudara.
Entravamos ora aqui, ora
ali, num socavão, numa sala; estranhávamos, não a conhecíamos: voltávamos,
passávamos à outras; ou ainda não as tínhamos visto, ou pelo menos tal se nos
afigurava: buscávamos outra saída, dávamos noutra caverna que ainda era nova
para nós, ou porque realmente assim seria, ou por efeitos do medo, que nos
assaltara, de perdermo-nos nesse intrincado labirinto, afastando-nos cada vez
mais da saída. Entramos por vezes na sala do “canapé”, vimo-lo, reconhecemo-lo e ficamos alegres e como que
tranquilos: mas debalde procurávamos a entrada do túnel, apesar de supormo-la
bem assinalada: não a encontrávamos, e só novas salas e novos recônditos.
Desanimados voltamos à
galeria para esperarmos os soldados, que eram práticos. Já não tínhamos olhos
para contemplar as magnificências que nos rodeavam. E talvez que essa parte da
gruta seja a mais bela, como é a mais conservada, por não ser tão accessível
como as outras, e ter menos sofrido da mão insaciável e devastadora dos
curiosos que as visitam.
Já estávamos na gruta
havia mais de cinco horas. Era meio-dia e as nossas embarcações deviam sair às
14h00. Chegaram os soldados, e renascida a confiança tratamos da retirada. Mas,
em pouco esmorecemos de novo, e desta vez quase de todo, vendo-os, eles os
práticos, nossa única esperança, confusos confessarem que não atinavam com o
caminho. Ao cabo de não sei que tempo, séculos de ansiedade, sempre
esperançados no cordel e sempre ludibriados; já seguindo um troço, já outro que
ficava perpendicular ao primeiro; entrando ora aqui, ora ali; entregamo-nos,
afinal ao acaso e passamos a revistar todas as salas e buracos mais próximos.
Entramos, uma última vez,
na sala do canapé: vimo-lo, reconhecemo-lo de novo; e só a custo os soldados
descobriram a boca do túnel, que já muitas vezes tínhamos visto, mas não
reconhecido, por parecer-nos mais estreita, mais baixa e sem fundo! Quase seis
horas depois da nossa descida chegávamos à sala da entrada e encontramos os
companheiros, já aflitos com a nossa demora. Haviam chamado e gritado por nós,
sem que os ouvíssemos; e um deles chegou a disparar os seis tiros do seu
revolver junto a boca do túnel, com o mesmo resultado; esquecendo-se de que,
querendo fazer-nos bem, podia, com esse modo de avisar, fechar-nos a porta do
abismo. (FONSECA)
Cândido M. da Silva Rondon
(1903)
03.03.1903: Afinal, beirando o Rio Paraguai, chegamos à tarde ao Forte de Coimbra
onde se achava o 25° Batalhão do qual fora Cabo o Ex-presidente Getúlio Vargas.
Aproveitei para visitar a
Gruta do Inferno. A entrada da gruta é um simples buraco que dá acesso à antessala
de um verdadeiro “Palácio de conto de Fadas”.
Ensombra-a uma grande
figueira de folha larga, Ficus doliaria, cujas raízes penetram pelas frestas e
gretas das pedras soltas, semiengastadas no maciço que constitui o Morro do “Buraco Soturno” ou “Gruta do Inferno”. Há aí uma escada que permite descer para a
antessala. Vê-se ao lado direito da entrada um segundo buraco por onde é
iluminado o compartimento, constituído por grandes pedaços de pedras soltas,
atirados desordenadamente aqui e ali e, entre eles, depósitos de carbonato de
cálcio, verdadeira argamassa feita por mão inteligente.
Para lá chegar, é
necessário passar por dentro d’água, nadando, e com luzes, porque a escuridão é
completa. Assim se passa de salão em salão, e há verdadeiro deslumbramento
quando a luz se reflete nas estalactites e estalagmites de cristal, raras na
antessala. É um palácio encantado que os séculos construíram, com a concreção
sucessiva de cada gota.
Observamos, entretanto,
consternados que a selvageria de alguns visitantes, sob pretexto de colecionar
minerais, destruíra à alavanca e martelo grande parte das estalactites. Será
necessário proteger tão maravilhosa beleza natural contra tais vândalos.
(VIVEIROS)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
Bibliografia
FONSECA, João Severiano da. Viagem
ao redor do Brasil 1875-1878 (Tomo I) – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Tipografia de Pinheiro & C., 1880-1881.
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta
sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
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