Quarta-feira, 30 de junho de 2021 - 06h02
Bagé, 30.06.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXIX
Corumbá – Boca do Rio
Cuiabá III
25.12.1913
Pereira da Cunha
O
dia seguinte, Natal, foi todo de navegação no Rio Paraguai; a monotonia das
margens baixas, alagadiças, despovoadas e tristes, aumentava as tristezas do
Natal fora de casa, mas, a conversa animada e o bom humor de alguns souberam
vencer ou abafar a melancolia dos outros. À tardinha, para o jantar, o “salão” do “Nyoac” estava enfeitado com palmeiras e flores agrestes, e assim,
não faltou a esse dia a pompa que era possível dar-lhe naquelas condições.
A
“sala de refeições” desse nosso
vaporzinho, bastante ampla para que sejam armadas as redes, quando funciona
como dormitório, fica a dois palmos d’água, e finos varões de ferro, largamente
espaçados, cercam-no sem nenhum outro anteparo; duas grandes lâmpadas a
petróleo, penduradas ao centro, intervaladas no sentido de popa à proa,
iluminam essa peça ao rés do chão, perdão, ao rés d’água, cuja ausência de
anteparos tanto a refresca quanto permite a franca e livre entrada dos
mosquitos, mutucas, mariposas, cascudos e toda a espécie de insetos que os
pantanais de Mato Grosso têm por bilhões de bilhões, e que, salamandras aladas,
ardem pela luz.
Ora,
a Roosevelt, sempre meu vizinho à mesa, foi designado um lugar bastante próximo
a um desses lampiões, embora mais próximo ainda, bem em frente, tivesse então
de ficar este seu modesto vizinho; a cortesia fica bem mesmo quando nos possa
trazer algum proveito, e foi assim que não tive dúvidas em aconselhar Roosevelt
a tomar outro lugar mais distante do fascinador de insetos. O meu vizinho da
esquerda não deve ter ficado muito contente com o conselho que a minha cortesia
e boa precisão fizeram o nosso hóspede aceitar, pois que, daí em diante, a ele
coube a “melhor” porção dos
importunos insetos. Roosevelt e eu ficamos um pouco menos atormentados durante
o jantar, mas, em compensação, de quando em vez, olhava para o prejudicado
vizinho e para o lampião, e exclamava: “le
rusé commandant...” ([1])
Apesar
dos turbilhões de insetos que esvoaçavam em torno dos lampiões, certa noite
encontrei o nosso ilustre hóspede, sob uma dessas lâmpadas, muito vermelho,
suando por quantos poros tinha, envolvido por uma nuvem de insetos que, sem
conta da fidalguia da hospedagem, irreverentemente caiam sobre a cabeça,
pescoço, mãos e papéis em que escrevia Roosevelt. Este limitava-se a soprar
continuamente o papel em que corria o seu lápis-tinta e, se não fora essa
necessidade de desobstrução a sopro, dir-se-ia que aquela avalanche que o
envolvia e atormentava não lhe causava o menor transtorno. Ao vê-lo trabalhando
assim, não me foi possível deixar de perguntar como podia ele escrever daquela
forma; e Roosevelt, interrompendo um momento o seu trabalho, disse-me: “meu amigo eu tenho um contrato; devo dar
tantos artigos até tal época, e é preciso cumprir”.
E,
como se estivesse escrevendo em sua secretária de Sagamore Hill, continuou,
imperturbável, rubro, suando e soprando, a escrever o seu artigo. Roosevelt
escreve sempre a lápis-tinta e, intercalando dois “carbonos” entre as folhas do bloco de papel, tem sempre duas
cópias, além do original; este ele conserva, remete uma das cópias [do primeiro
ponto em que isso é possível], guarda a segunda e remete-a de outro lugar. Com
tal sistema, diz ele, um, ao menos, há de salvar-se. Mas, ainda que não tenha
artigos para escrever, ou mesmo que os tenha, Roosevelt trabalha sempre porque,
enquanto viaja, escreve o livro que tem de publicar, e de modo tal que
terminada a viagem está terminado o livro. [...]
O
nosso hóspede mostrava-se seguro do nosso rápido progresso, e, assim,
asseverava ter certeza de que, dentro de cinquenta anos, às margens do Paraguai
estariam como estão hoje as do Mississipi; dizia que estava farto de ouvir
dizer que não havia energias sob os trópicos.
No
entanto, tinha encontrado a cidade do Rio de Janeiro, que sabia reformada em
curtíssimo prazo, e que era mais bem Iluminada,
mais limpa,
mais bem calçada e melhor policiada do que
Nova York, Paris, Londres, Chicago, ou Berlim, só excetuando esta última quanto ao
policiamento; que vira a Avenida Beira-Mar, feita pela mão do homem, e que
desafia qualquer outro passeio no mundo; que vira o Instituto Oswaldo Cruz e o
colossal resultado da campanha contra o mosquito.
Visitara
ainda o Instituto Butantã, onde se entusiasmara diante dos trabalhos e
resultados obtidos pelo Dr. Vital Brasil sobre o soro antiofídico, e diante o
bem cuidado aparelhamento daquele Instituto, único no mundo, apesar da grande
Inglaterra possuir as Índias e aí ser a cobra um verdadeiro flagelo; que vira,
finalmente, além de outras coisas, o caminho
aéreo do Pão de Açúcar, concebido por
brasileiros, construído por operários e
engenheiros brasileiros, com capital
brasileiro, e que, se fosse em S. Francisco da Califórnia, todo o mundo diria: “veja o gênio, a
audácia dos americanos!”
Como
suspeitasse poder pairar dúvidas em nossos espíritos sobre a sinceridade do que
dizia, Roosevelt, cuja sagacidade é extraordinária, acrescentou: “e isso que lhes estou dizendo não é para ser
agradável; já escrevi”. E, de fato, no número da revista americana “The Outlook”, publicada a 20 de dezembro
desse ano, os maiores elogios são feitos à nossa capital. (CUNHA)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
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https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s
Bibliografia
CUNHA, Comandante Heitor Xavier Pereira da. Viagens e Caçadas em Mato Grosso: Três Semanas em Companhia de Th.
Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria Francisco Alves, 1922.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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