Terça-feira, 29 de junho de 2021 - 06h02
Bagé, 29.06.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXVIII
Corumbá – Boca do Rio Cuiabá II
20.12.1913
Rondon
Para
evitar outras caminhadas improfícuas, mandei no dia seguinte um dos
azagaieiros, denominado Miguel Henrique, correr os campos, a ver-se encontrava
sinais recentes da presença de onças. O homem voltou com a notícia de haver
descoberto rastros da noite precedente, reveladores da passagem de um casal
daqueles felinos para um Capão de mato, onde eles tinham o seu refúgio.
(RONDON)
21.12.1913
Rondon
Para
esse lugar partimos na madrugada e 21
e, pouco depois das 06h00, descobríamos a primeira onça, um belo espécime da
nossa temível canguçu, que foi abatida por uma bala certeira da Springfield do
Sr. Roosevelt. (RONDON)
22.12.1913
Rondon
No
dia imediato tomamos rumo do Taquari Velho e descobrimos a segunda onça, que
foi morta pelo Sr. Kermit, a tiro de Winchester. (RONDON)
23.12.1913
Magalhães
A
23, pelas 11h15, partiu a carreta conduzindo as bagagens e às
14h45 partiu a comitiva da Expedição através dos campos alagados, de regresso
ao porto do Riozinho [braço do Rio Taquari] onde reembarcou todo pessoal no
paquete “Nyoac”, que aí aguardava
essa chegada. (MAGALHÃES, 1916)
24.12.1913
Pereira Cunha
Às
07h00, deixávamos o Porto do Riozinho, águas abaixo, entrando às 08h20 no Rio
Paraguai e por ele subindo em busca de Corumbá. Estávamos na véspera do Natal,
esse dia que a humanidade inteira, com ou sem ideia de religião, dedica ao
aconchego do lar, às doçuras da família e principalmente às crianças; e nós,
todos nós ali reunidos, distantes dos lares e das famílias, tínhamos,
insensível, involuntariamente, pensamentos que voltejavam em torno disso. Ao
almoço, Roosevelt, que desde o primeiro dia tinha-me sempre como seu vizinho,
encaminhou a conversa para a religião; eu discorri larga e francamente sobre o
que penso a respeito: a grande vantagem da sua ação sobre as massas, o apoio
para os crentes, o consolo para os que sofrem, e a dificuldade que sentia na adoção
de qualquer delas, embora me sentisse perfeitamente equilibrado, pautando meus
atos por uma sã moral, fruto principal de qualquer religião bem formada. Estendi-me
ainda sobre o difícil problema de encaminhar os filhos na religião, a escolha
que fizera para os meus depois de muito refletir e, após todo o meu discurso,
algumas vezes interrompido para discussão de um ou outro ponto, ficamos de
pleno acordo, como em geral sucedia com as nossas constantes palestras.
Eu
ia terminar nesse dia a minha excursão e deixar, com pesar, tão agradável
companhia, mas Roosevelt insistia para que eu continuasse e, de acordo com o
Coronel Rondon, tudo ficou arranjado de modo que fosse satisfeita a sua
vontade, que bem se casava com a minha. Realmente, durante os poucos dias dessa
primeira parte da excursão, as nossas relações eram cada vez mais estreitas e
amistosas, e dir-se-ia que, a cada sessão de prosa, que correspondia, em geral,
a cada refeição, mais intenso tornava-se esse sentimento recíproco. Aliás,
pouco após a apresentação em que, como sempre, não se trocam mais que palavras
banais, a primeira vez que tive ocasião de conversar com o Ex-presidente dos
Estados Unidos, na manhã em que partíramos de Corumbá, fácil foi sentir através
da sua conversa, do seu olhar, da sua expressão, o homem forte, enérgico,
pronto e inteligente.
A
inteligência de Roosevelt não é dessas que se percam em especulações
filosóficas vazias, sonhos quiméricos de cérebros inúteis que se divertem em
tecer palavras em torno de hipóteses, não, Roosevelt, como ele próprio diz, não
vê importância alguma nas palavras, uma vez que elas não representam ações ou
fatos; ama e defende a liberdade, mas não faz dessa “palavra” um ídolo intangível, pois que, para que todos gozem com
ordem dessa mesma liberdade, é preciso regularizá-la e não consentir que cada
um tome a porção que lhe aprouver; esse é que é o fato real e é isso que tem
importância e cunho prático; a palavra liberdade em si nada vale, e utilizá-la
sem peias é querer a anarquia.
Roosevelt
é o tipo do forte, de energia sã e ação pronta, e a prova era a viagem que ia
empreender através do Brasil: descer um Rio desconhecido, e isso com 55 anos de
idade.
Mas,
como ficou dito, e sem acrescentar mais elogios ao meu novo e distinto amigo,
uma vez decidido que prolongaria a minha excursão, foi preciso tratar de pôr em
ordem o que me pertencia, ver o que era mister adicionar para a nova empresa e
preparar-me para saltar no Ladário, onde necessitaria tomar e ordenar
providências. Às 14h00, passamos pela foz do Paraguai Mirim, Braço que liga ao
Rio S. Lourenço e célebre na retomada de Corumbá pelo General José Maria
Coelho, que por aí desceu de Cuiabá, para retomar Corumbá com tropas por ele
organizadas; e, enfim, às 16h00, tomava eu o escaler do meu navio, deixando o “Nyoac” seguir para Corumbá. Se o prazer
da agradável companhia e o gênero de esporte já constituíam para mim encantos
dos quais um bastaria para arrastar-me, calcule-se como não seria intensa a
minha alegria, ao juntar-se ainda o ignorado do rumo da excursão que íamos
empreender.
Correndo
o mais que me era dado, só às 19h00 estava pronto e embarcava na lancha do meu
navio, o “Oyapock”, para apanhar o “Nyoac”, em Corumbá, quatro milhas de Rio
acima. Com ânsia, esperei que o motor da lancha quisesse acabar com um desses
caprichos que os motores de explosão reservam para desesperar e muitas vezes
matar os homens, se deles depende, como nos aeroplanos, a vida dos mortais; o
motor em movimento e embarcado que fui, mal nos tínhamos afastado poucas
dezenas de metros do costado do navio; e eis de novo o recalcitrante motor
parado, em plena correntada do Rio Paraguai... Oh raiva indizível! Oh
desespero! Oh destino cruel e maldito! Já se havia esgotado uma hora de
trabalho incessante e inútil e de irritação improfícua; a lancha descia plácida
e serena pela tranquila correnteza do Rio, enquanto o “Nyoac” ficava cada vez mais distante e suspenderia ferro, às 22h00!
Amargurados momentos!
Quando
passamos a contrabordo pelo meu navio, eu pedi socorro, mas, àquela hora, só
estava arriado um pesado bote a dois remos, e foi ele o enviado em nosso
auxílio; mas, se a esse bote já era difícil fazer vencer a correnteza,
calcula-se o que seria a dar reboque à nossa lancha, aliás bem pequena.
Avançávamos
aos centímetros e com esforços incríveis; o tempo corria vertiginoso, e a
esperança de apanhar o “Nyoac” fugia
com a mesma velocidade. Quase às 21h30, conseguimos atingir o monitor “Pernambuco” e, aí conseguindo uma outra
lancha, no seu motor, também à explosão, embarquei todas as minhas esperanças.
Os
quarenta minutos de subida do Rio foram, como sempre sucede em circunstâncias
análogas, de uma lentidão esmagadora; as luzes dos vapores fundeados em Corumbá
não permitiam que eu distinguisse o “Nyoac”
dentre eles e, assim, só ao termo da atribulada viagem, ou antes, a uns 50 m do
navio, consegui verificar que o “Nyoac”
ainda não tivera deixado o porto; mas era bem tempo. Faltavam cinco minutos
para as 22h00, e essa tinha sido a hora fixada para termo da minha espera. O
alívio que senti ao saltar a bordo e a satisfação demonstrada por Theodore
Roosevelt, ao abraçar-me, fizeram dissipar o mau humor que havia bem explodido
contra os motores de explosão, que tantos e tão bons serviços nos prestam...
quando funcionam bem.
Às
22h00, deixamos o porto, águas acima; o Paraguai dá aí 3 compridas voltas das
quais se avista, por longo tempo, Corumbá, cujo efeito é realmente belo com a
sua profusa e intensa iluminação elétrica, cintilante na elevação em que é construída,
debruçada sobre o Rio, pitoresca e garbosa como é difícil imaginar a quem nunca
tenha visto essa longínqua cidade.
Por
detrás dela, ao longe, recortando o céu límpido, avista-se a massa negra da
serra do Urucum, que encerra as ricas minas de manganês, a serra de S. Domingos
e a de Piraputanga; e, enquanto de um lado tem-se esse espetáculo, do lado
esquerdo, apertando o Rio, em que navegávamos, o pantanal imenso, sombrio e
triste na escuridão da noite, estende-se sem fim. (CUNHA)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
https://www.youtube.com/watch?v=GPT99KsJjD8&t=38s
https://www.youtube.com/watch?v=z6sVrma9a24
https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s
Bibliografia
CUNHA, Comandante Heitor Xavier Pereira da. Viagens e Caçadas em Mato Grosso: Três Semanas em Companhia de Th.
Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria Francisco Alves, 1922.
MAGALHÃES, Amílcar A. Botelho de. Anexo
n° 5 – Relatório Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon –
Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Papelaria
Macedo, 1916.
RONDON, Cândido Mariano da Silva.
Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel
Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os
Trabalhos da Expedição Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil
‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C.,
1916.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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