Terça-feira, 18 de maio de 2021 - 06h00
Bagé, 18.05.2021
Navegando o
Tapajós ‒ Parte XXII
Boim, PA
(Elísio Eden Cohen e Maria das Graças
Pinto Paz)
Boim! Boim! Terra
dos Tupinambás
Boim! Boim! Não te esquecerei
jamais
Boim dos meus
amores
Terra boa de viver
Quero sempre estar
bem perto
Pra contigo
conviver
Tem festa de Santo
Inácio
Que é a grande
reflexão
A este Santo
Milagroso
Que é nossa
proteção. [...]
Volto a reportar informações sobre a região
de Boim, por onde passamos quando subíamos o Tapajós, tendo em vista as
conversas que mantive com ribeirinhos e moradores de Aveiro e, em especial, o
Sr. Júnior, gerente da Agência do Bradesco em Aveiro.
Boim
Distrito de Santarém, PA, assentado na
Baía do Boim, margem esquerda do Rio Tapajós, a, aproximadamente, noventa
quilômetros da sede do Município de Santarém. O termo “Boim” é de origem tupi e significa “cobrinha”, obtido através da conexão dos termos “mboîa” (cobra) e “mirim” (pequeno). Foi fundada, em 1737, pelo Padre jesuíta José
Lopes com o nome de “Aldeia de Santo
Inácio de Loiola”.
No dia 09.03.1758, a Aldeia teve sua
denominação alterada para Vila de Boim.
Igreja
Católica de Boim
A Igreja de Boim está localizada no centro
da Comunidade próxima à Praça Padre Antônio da Fonseca e ao Porto. Tentaram
várias vezes, sem sucesso, construí-la de frente para o Rio Tapajós. Os
moradores afirmam que cada vez que metade da obra era concluída os temporais a
arrasavam. Certa vez um dos operários sonhou que a igreja deveria ser
construída na mesma posição em que fosse encontrada a imagem de Inácio de
Loiola. No dia seguinte, a estátua do Santo foi encontrada de lado para o Rio. Hoje
a Igreja de Boim é a única assim posicionada em todo o Tapajós. A versão mais
aceita, porém, é a que reproduzimos a seguir.
Lenda
da Igreja
Fonte: Maickson Santos Serrão, 18.01.2011.
Em 1895, auge da Revolta
dos Cabanos, o povo boinense fugiu para a mata. Um certo homem religioso,
todavia, tratou de esconder a imagem de Santo Inácio de Loyola. Embora pesada,
escondeu-a atrás de uma árvore de Sapupema e a cobriu com folhas de Piririma e
Samambaia. Após o fim da revolta, os moradores retornaram à vila e deram pela
falta do Santo.
O homem, então, disse o
local do esconderijo e os comunitários puderam levá-lo à Igreja. Entretanto,
noutro dia, novamente o Santo havia sumido. Dessa vez, ninguém sabia onde
encontrá-lo. Resolveram procurar atrás da árvore e, para surpresa geral, lá
estava ele. Levaram-no por três vezes à Igreja e em todas ele voltava para trás
da Sapupema.
Uma senhora idosa,
curandeira, consultou os astros e disse que o Santo queria uma Igreja nova.
Começaram, portanto, a construção de um novo templo com a frente para o Rio,
como é de costume. Quando a construção estava quase finalizando, um forte
temporal a destruiu completamente. Não desistiram. Voltaram aos trabalhos e
novamente veio abaixo. Fizeram por três vezes e todas caíram. Novamente
consultaram a curandeira, que garantiu que deveriam construir a Igreja como
tinham encontrado o Santo, ou seja, de lado para o Rio. Assim fizeram e a
Igreja está até hoje de pé, com algumas remodelações feitas em 1949 e em 2005.
(SERRÃO, 2011)
Flerte
de S. Inácio e Nossa Senhora do Rosário
Fonte: Manuel Dutra baseado na obra de Elísio Eden
Cohen
Entronizado pelos
jesuítas, Santo Inácio não foi o primeiro padroeiro, cargo que pertencia a
Nossa Senhora do Rosário. As duas imagens ficavam lado a lado, no interior da
capela e os moradores logo descobriram que havia um flerte entre os dois. De
1910 para cá, Santo Inácio virou padroeiro e ninguém sabe onde foi parar a
Nossa Senhora do Rosário. Insatisfeito com a solidão, o Santo guerreiro da Espanha
Basca, como bom cavaleiro que foi na vida terrena, buscou alternativa.
À noite, quando todos
dormiam, exceto o boto conquistador, Inácio Lopez de Loyola deixava o seu
pedestal e, descendo algumas léguas Tapajós abaixo, em pouco tempo estava ao
lado de N. Sr.ª da Saúde, na Vila de Alter do Chão. Não foi uma nem duas vezes
que os fiéis, ao chegarem para a reza matinal, assustaram-se ao perceber as
vestes do santo úmidas pelo orvalho e a orla de seu manto apinhada dos
carrapichos do mato por onde andara na noite anterior.
Seja como for, nada
diminui a fé de quantos até hoje prometem-lhe mil coisas em troca de outras
tantas, sobretudo pistolas. Assistir a uma festa religiosa em Boim é ouvir o
estourar dos fogos do começo ao fim. Por cima de tudo, Santo Inácio é Santo
mesmo. Não é o tronco de carvalho no qual a imagem de quase um metro e meio foi
esculpida. Ele assume a mesma estatura do fiel que, com devoção, se aproximar
dele em oração. Antes da última restauração, que deixou a estátua bem vistosa
para a festa de 31 de julho, havia um buraquinho entre os lábios, deixado por
um antigo restaurador de imagens de Santarém. Porém, não se tratava de um lapso
do artista. Era naquele orifício que Inácio colocava o cigarro que fumava em
suas sortidas noturnas, para espantar os carapanãs. (DUTRA)
Boim
Contra os “Ingerados”
Fonte: Maickson Santos Serrão
Desde a infância, sempre
nas contações de histórias que ouvimos dos mais velhos da comunidade, nos
deparamos com a figura dos “ingerados”,
que são pessoas, segundo a crença, demoníacas que se transformam em outros
seres, principalmente animais. De madrugada, o fulano se “ingera” para cavalo. O sicrano se “ingera” para uma onça. A beltrana se “ingera” para uma porca. Essa metamorfose acontece devido a essas
pessoas possuírem “orações feias”, ou
seja, pactos demoníacos. As incertezas pairam entre as pessoas, mas aquelas de
mais idade garantem que é real. Afirmam que já viram, presenciaram esse momento
macabro. Os “ingerados” circulam
geralmente altas horas da noite e perseguem pessoas, principalmente quando
estão sozinhas, e cães nas ruas. Mas há aqueles que, talvez, sejam mais “poderosos” ou mesmo “sem vergonha” e resolvem passear cedo da
noite mesmo, sempre em locais com pouco movimento.
Um dia desses, um senhor
da comunidade foi surpreendido por um desses seres. Próximo ao cemitério,
deparou com uma porca que o fez correr. O senhor acabou passando mal e foi
parar na água doce. Alguns comunitários, em solidariedade, foram caçar a tal
porca, que é uma pessoa “ingerada”.
Não a encontraram. Acabam surgindo suspeitos nas conversas de vizinhança e
outros até apostam que sabem quem é a pessoa que se “ingera” para a porca. A caçada continua. Quarta, dia 16.10.2013,
algumas pessoas a avistaram no bairro do Tucumatuba. Os mais corajosos da
comunidade garantem que o fim dos seres “ingerados”
está próximo. Será? Existem mesmo? Já imaginou você encontrando um cavalo, uma
onça, que o persiga à noite? Prefiro não duvidar e espero nunca encontrá-los em
minhas andanças por aí! (SERRÃO, 2013)
(Alcides Werk)
VI
O amargo deste sal que me alimenta
Agora, eu mesmo o consegui catando
Abismos nesse Mar desconhecido
Que o tempo me mostrou depois de mim.
Este sabor estranho de distância
Que vivo a cada hora e que me envolve,
Vem da vida que vi nessa voragem.
Sei, agora, que após a ronda inútil
Por além dos limites do meu nada,
Voltamos mais vazios, eu e o barco
Que construí para guardar tesouros.
No regresso noturno, cumpro o gesto
De buscar o local, em cada porto
Onde possa esconder um sonho morto.
(Alcides Werk)
[...] Nas minhas tardes vazias, enquanto o
céu não me espera por total falta de méritos, atravesso essas fronteiras à
procura de outras vidas, e quando retorno à casa trago a alma pesada de canções
amargas. Mas se ergo a voz uma vez, e canto um canto rebelde num gesto forte de
amor, todos me julgam um hostil estrangeiro. Quando se esgotar o meu tempo de
luta, construirei minha morada entre árvores sadias e simples, e assistirei em
silêncio força do tempo destruindo as fronteiras.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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