Quarta-feira, 26 de maio de 2021 - 06h02
Bagé, 26.05.2021
Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – IV
Padrões
de Heroísmo
Neste momento de terror, de discórdia universal, não vejo referência mais
oportuna do que às “Impressões da
Comissão Rondon”, a que chamarei, sem favor, Bíblia do Patriotismo
Brasileiro.
Escrita com singeleza e com sinceridade de apóstolo, por um dos arrojados
da civilização brasílica ‒ Major Botelho de Magalhães ‒ conforta pelos exemplos
de energia e resignação; deleita pela variedade interessante dos episódios;
comove até as lágrimas pelo altruísmo sem par desses soldados catequistas, que,
embora armados e municiados, mostram a mais sublime das coragens – da imolação
ao nobilíssimo ideal a que se votaram, matando no próprio peito o orgulho militar
das façanhas cruentas!
Como cada capítulo sugira, consoante à natureza dos anotadores, um
comentário novo, visto que em todos eles há matéria capaz das mais elevadas considerações
de ordem moral, religiosa, social e política, escolho para as reflexões aquele
que alude às humildes mulheres, cujas covas ondulam o deserto, como se fossem
leirões ([1]) de onde
brotaram as negras e tristes árvores do sacrifício – as cruzes – que o luar dos
ermos torna ainda mais tristes...
Se é verdade que estes lúgubres madeiros fazem a solidão bem mais
melancólica, não é menos certo que os seus braços hirtos ali ficam para orientar os
viajores, que ousadamente se aventuram às imensidades dos rincões agrestes.
Não sou dos que exalçam ([2]) as
vantagens da existência do sertanejo, porque não creio em que seja menos branda
que a do campino a vida dum tecelão ou dum foguista: um, curvado sobre as
meadas, atento ao risco dos matizes, horas a fio; outro, à boca rubra duma
fornalha, os olhos sempre fitos nessa visão do inferno, que o leva pouco a
pouco à cegueira. Nem sei que menos árdua seja a existência dum cavouqueiro ([3]),
pendente da rocha a pique, sob a soalheira brava, da que a dum pastor ou
vaqueano que respire livremente os ares puros dos alcantis e as brisas frescas
dos campos gerais. O povo é resistente, sóbrio e resignado, tanto no centro
quanto no litoral. [...]
Goulart de Andrade.
Expedição
Roosevelt
Considerações
[...] O Governo brasileiro, atendendo aos desejos manifestados pelo
notável e saudoso estadista da América do Norte, organizou uma Comissão
Brasileira para o acompanhar na arrojada travessia do Sertão de nossa Pátria e
escolheu para chefiar essa Comissão “the
right man to the right place” – o então Coronel Rondon. À larga visão de um
jovem estadista – o Sr. Lauro Müller – Ministro das Relações Exteriores nessa
época, devem-se os extraordinários benefícios que advieram para o nosso país,
com a acolhida de tal iniciativa, não só pelo reconhecimento geográfico de uma
região até aí desconhecida e pelos estudos de história natural realizados na
zona percorrida, como também pelo valor da propaganda do Brasil no estrangeiro,
especialmente
na América do Norte, através do livro que Roosevelt publicou sob o
título “Through the Brasilian Wilderness”,
livro que ele foi escrevendo no decorrer da própria Expedição.
Esta publicação pertence ao raro número das que se cingem à estrita
verdade dos fatos narrados e que revelam da parte do autor qualidades de uma
justa observação dos homens e das coisas. Na generalidade dos casos os
narradores de expedições, quando não inventam situações para
sobrelevar as suas qualidades pessoais, como os “Savages Landor” ([4]), contam
os fatos com parcialidade acentuada, sendo exceção os que se podem relacionar
entre aqueles que observam e julgam com exatidão. Roosevelt, porém, era um
narrador imparcial e exato, como devem ser os historiadores que bem mereçam o
qualificativo. Logo que Lauro Müller transmitiu o convite a Rondon,
este acedeu imediatamente ao apelo do Governo, ponderando em todo o caso que
estaria pronto para o desempenho da Comissão certo de que não se tratava de um
mero passeio de “sport”, mais ou
menos perigoso, mas que o Governo ligaria aos intuitos de uma travessia pelo
Sertão, objetivos científicos de utilidade para nossa Pátria. [...] Na verdade,
depois que Roosevelt fez a sua Expedição à África, a presunção geral era de que
o arrastavam exclusivamente preocupações cinegéticas.
No decorrer da Expedição Roosevelt, adquirimos a convicção de que o seu
espírito superior e a sua coragem individual, só estavam ao serviço das caçadas
com o nobre objetivo de obter espécimes destinados ao Museu de New York e com
os desejos de ser ele próprio o caçador dos animais de maior porte e de
aquisição mais perigosa. A Expedição durou quase cinco meses, desde que
Roosevelt se encontrou com a Comissão Brasileira, em 12.12.1913, na Foz do Rio
Apa, limite do Brasil com o Paraguai, até fins de abril de 1914. Durante dois
meses Roosevelt, Rondon e o pequeno grupo de expedicionários que desceram o “Rio da Dúvida”, atravessaram uma região
inteiramente virgem e sentiram as sensações das surpresas do desconhecido e as
emoções inesquecíveis das verdadeiras explorações, que se caracterizam pelas
incertezas de seu êxito e da sobrevivência dos exploradores...
Roosevelt “Versus”
Savage
Tertius Gaudet ([5])
Quando no Pará e antes de embarcar para os
Estados Unidos, o Sr. Roosevelt prometeu que iria contestar todas as patranhas
e lorotas que o explorador Savage Landor tem dito sobre o grande sertão norte
do Brasil. Sabedor
disso, o Sr. Savage Landor já desafiou o Sr. Roosevelt
a que realizasse tal ameaça.
Roosevelt:‒
Engole! Engole todos canarás que tua fantasia esquentada tem produzido. Você é
um explorador de meia tigela!
Savage Landor:‒
E Você acha que é melhor do que um sapo?
Zé Povo:‒
Hein, seu Lauro Isto é o diabo! Que me diz a esse futuro bate-barbas?
Lauro Muller:‒
Digo-te que tudo quanto o diabo faz, também é para melhor. Nesse próximo duelo
de explorações sairá vencedor o Brasil explorado, que ficará mais conhecido.
Trabalhos
Realizados
[...] A parte geográfica compreendeu o levantamento dos Rios da Dúvida,
Papagaio, trechos do Taquari, do Comemoração de Floriano e Ji-Paraná. Todas as
cadernetas desses levantamentos e os desenhos correspondentes foram
incorporados ao acervo da Comissão Rondon e estão sendo aproveitados para a
remodelação da Carta Geográfica do Estado de Mato Grosso.
Revelações
Geográficas
A Expedição identificou o Rio da Dúvida ao Alto-Castanha, resolvendo
simultaneamente duas incógnitas: uma apresentada pela Comissão Rondon, quando,
pela primeira vez, em 1909, cortou esse curso de água que, pela direção,
poderia ser afluente do Aripuanã, ou do Ji-Paraná [donde o nome de Rio da
Dúvida]; outra quanto à posição até então desconhecida das cabeceiras do Rio
Castanha verificou que se tratava do mesmo Rio e o locou definitivamente no
Mapa do Brasil, dando-lhe o nome de Rio Roosevelt, desde suas cabeceiras até
sua Foz no Madeira e considerando o Rio Aripuanã como seu afluente da margem
esquerda, além da homenagem prestada ao estrangeiro ilustre, a Comissão Rondon,
atribuindo ao antigo Rio Castanha o papel de principal, modelou o acidente
geográfico lançado ao Mapa, segundo as mais modernas teorias, que fazem
prevalecer como principal, não o Rio de maior volume de água, mas o que se
apresenta na direção geral do vale, relegando ao segundo plano a condicional da
descarga.
É evidente que essa descoberta só foi realizada graças à ideia de
Roosevelt atravessar o nosso Sertão e que só este duplo resultado seria
atingido com a exploração e o levantamento a que se procedeu, percorrendo a
parte desconhecida e nunca penetrada desse Rio.
Outra descoberta de ordem geográfica é a que se refere ao Rio Papagaio.
Quando a Comissão Rondon, sob a iniciativa de seu ilustre chefe, começou a
apagar das velhas cartas existentes a indicação de desconhecido que cobria
larga faixa do Noroeste do Brasil, ao interceptar com a linha telegráfica e com
as suas explorações o vasto leque formador do Rio Tapajós, ainda formulara a
princípio a hipótese de que o Rio Papagaio iria lançar-se no Sacuruiná
[Xacuruiná em certos mapas] logo abaixo da confluência deste com o Rio do
Sangue.
A Expedição Roosevelt, destacando uma turma de exploração que desceu e
levantou o Rio Papagaio, determinou o seu verdadeiro curso, desde o passo da
linha telegráfica [Estação Telegráfica de Utiariti, onde se encontra o belo e
potente salto do mesmo nome] até a Foz no Rio Juruena. Assim o Rio Papagaio,
depois de confluir com o Sacre, recebe o Buriti pela margem esquerda;
reune-se-lhe a jusante ainda e pela mesma margem o Saueuiná [nome Paresí do
Papagaio] indo afinal lançar-se no Juruena pela margem direita. O Rio do Sangue
[Zutiaharuiná em língua Paresí], depois da confluência com o Sacuruiná, recebe
sucessivamente de montante para jusante o Membeca, o Treze de Maio e o Cravari,
descendo depois a desaguar no Juruena pela margem direita, abaixo do Papagaio.
A publicação número 26 da Comissão Rondon [3° volume do relatório geral
do Chefe] traz apenso um Mapa do Rio Juruena, organizado segundo os últimos
trabalhos e que qualquer curioso poderá confrontar com as cartas anteriores,
para verificar a profunda modificação decorrente do serviço geográfico
realizado nessa zona, mesmo comparando-se o que ali está com o que se encontra
na segunda edição [1913] do Mapa do Brasil, editado pelo Jornal do Brasil, onde
já entraram correções geográficas provenientes dos nossos trabalhos.
Minha
Colaboração
[...] Ao concluir os serviços de campo, fui nomeado, em maio de 1914,
Chefe do escritório central da Comissão Rondon, cargo que me honro de
desempenhar até a presente data ([6]). Já
empossado destas funções, coube-me o trabalho de encerrar as contas da
Expedição, visto que o então Cel Rondon, despedindo-se de Roosevelt, em Belém
do Pará, regressara ao insano labor do Sertão, na árdua tarefa de concluir a
Linha Telegráfica de Cuiabá a Santo Antônio do Madeira, inaugurada em 1915. Além
disto, cumulativamente ao afanoso encargo que assumira, superintendi os
trabalhos de publicação dos Relatórios da Expedição Roosevelt. A este propósito
cumpre salientar que nem todos os nossos homens de Governo compreendem o
alcance que representa a impressão dos mapas e dos trabalhos de história
natural! O Sr. Lauro Müller, porém, manifestava-se de acordo com o nosso ponto
de vista: “sem publicar, tudo se perde nos arquivos, além de representar um capital inativo,
à falta de circulação”.
[...] (MAGALHÃES, 1916)
Bibliografia
MAGALHÃES, Amílcar A. Botelho de. Anexo
n° 5 – Relatório Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon –
Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Papelaria
Macedo, 1916.
SENADO FEDERAL ‒ V. 8. Missão Rondon: apontamentos sobre os trabalhos realizados pela Comissão
de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas sob a direção do
Coronel de Engenharia Cândido Mariano da Silva Rondon, de 1907 a 1915 –
Brasil – Brasília, DF – Senado Federal, Conselho Editorial, 2003.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Leirões: sepulturas.
[2] Exalçam:
exaltam.
[3] Cavouqueiro:
indivíduo que trabalha em minas ou pedreiras.
[4] Savages Landor: O Sr. Roosevelt [...] relatou ao Cel Rondon o
seguinte episódio: Quando ele exercia a presidência dos Estados Unidos, foi o
Sr. Savage Landor às Filipinas. Os oficiais do exército de ocupação receberam o
visitante com as maiores considerações e proporcionaram-lhe os meios de
realizar uma viagem segura pelo interior das ilhas. Pois a imaginação do
fecundo explorador não precisou mais do que isso, para vir relatar à Europa
embasbacada que havia realizado arriscadíssimas expedições, no decurso das
quais descobrira, entre outras coisas espantosas, uma tribo de índios brancos!
(SENADO FEDERAL ‒ V. 8)
[5] Tertius Gaudet: o Terceiro se beneficia.
[6] Presente data:
1921.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H