Sexta-feira, 28 de maio de 2021 - 06h00
Bagé, 28.05.2021
Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – VI
A
Expedição Científica Roosevelt-Rondon
No dia 04.10.1913, chegava eu à estação de Barão de Melgaço, vindo da Barra
dos Bugres, ponto extremo Meridional das Linhas Telegráficas de Mato Grosso ao
Amazonas, cujas obras e serviços inspecionara, quando recebi do Sr. Ministro
das Relações Exteriores, Dr. Lauro Müller, um telegrama, convidando-me para
acompanhar o Ex-presidente dos EUA, Sr. Cel Theodoro Roosevelt, na viagem que
projetava realizar pelo interior do Brasil, até alcançar o território de
Venezuela. Respondi, aceitando o honroso encargo; e no mesmo dia, segui em
demanda do Rio Comemoração de Floriano, que desci, servindo-me dos meios de
transporte criados pela Comissão das Linhas Telegráficas; entrei no Pimenta
Bueno e em seguida no Ji-Paraná, em cuja foz encontrei o aviso “Cidade de Manaus”, que me levou à
Capital do Amazonas.
Atendendo à urgência que havia, de providenciar sobre a organização de elementos
indispensáveis à travessia da Expedição, tomei desde logo algumas medidas que
seriam aproveitáveis qualquer que viesse a ser o itinerário finalmente
escolhido pelo eminente estadista americano, para sair do Maciço Central do
Brasil na Bacia Amazônica. De todos os caminhos que se poderiam seguir,
pareceu-me preferível um dos oferecidos pelos cursos do Arinos, Juruena,
Papagaio e Dúvida; por esse motivo, mandei preparar canoas à margem de cada um
desses quatro Rios, em pontos de fácil acesso para expedicionários que
penetrassem no Chapadão dos Paresí, vindos das cabeceiras do Paraguai. Durante
a minha viagem para Manaus, recebi comunicação de que o projeto do Sr.
Roosevelt era entrar no Amazonas pelo Tapajós e neste pelo Arinos. Mas,
evidentemente, tal percurso, de novo, pouco poderia proporcionar a uma
Expedição que visava desvendar aspectos ainda desconhecidos dos nossos Sertões.
Decidi, pois, submeter à apreciação do nosso ilustre hóspede outros
itinerários, que poderiam com mais vantagem ser seguidos pela sua comitiva, e
para esse fim telegrafei de Manaus para o Rio de Janeiro, ao Chefe da Seção de
Desenho da Comissão Telegráfica, 1° Tenente Jaguaribe de Mattos, que lhe
apresentasse, por intermédio do Ministério do Exterior, as cartas geográficas
traçadas no escritório técnico com os elementos fornecidos pelas nossas
explorações, indicando os seguintes percursos:
a) De S. Luiz do Cáceres
ou de Cuiabá, seguir pela estrada da Comissão das Linhas Telegráficas até a
estação “Barão de Melgaço”, e aí
embarcar em batelões para descer os Rios Comemoração de Floriano, Ji-Paraná e
Madeira;
b) Seguir o mesmo
itinerário até a estação “José Bonifácio”,
anterior à de “Barão de Melgaço”, e
daí, ganhando o passo da Linha sobre o Dúvida, descer e explorar este Rio,
que provavelmente levaria a comitiva ao Madeira;
c) Ganhar o Tapajós,
descendo o Juruena, e não o Arinos, que é caminho conhecido há mais de um
século, a ponto de ter servido por largo tempo de via comercial entre Pará e
Mato Grosso;
d) De S. Luiz de Cáceres
passar para o vale do Guaporé; descer em lancha, a partir da Cidade de Mato
Grosso, este Rio e o Mamoré, até a cachoeira de Guajará Mirim; tomar aí a
estrada de ferro Madeira-Mamoré, para chegar à cidade de Santo Antônio do
Madeira;
e) Finalmente, alcançar,
pela estrada da Linha Telegráfica, o Rio Papagaio, na estação de Utiariti, e
por ele entrar no Tapajós.
Destas cinco propostas, a que encerrava maiores dificuldades e
imprevistos, era a relativa ao Rio da Dúvida; foi a escolhida pelo Sr. Roosevelt.
Ainda em viagem de Manaus para o Rio de Janeiro, onde cheguei a 11 de novembro, organizei o quadro da
Comissão Brasileira, escolhendo profissionais que se pudessem encarregar, com o
maior aproveitamento possível para o País, dos serviços de astronomia e
determinação de coordenadas geográficas, de topografia, botânica, zoologia e
geologia, além dos relativos à administração. Destes meus dedicados auxiliares,
os que se achavam no Rio de Janeiro seguiram, em turmas sucessivas, de 22 de novembro a 05 de dezembro, para Montevidéu, afim de dali subirem o Paraguai,
em demanda de Corumbá e de outros pontos em que deveriam aguardar a chegada da
Expedição, aprestando os serviços de que se achavam encarregados.
Quanto a mim, obrigado a demorar-me na Capital da República, para atender
às últimas necessidades do aparelhamento dos meios indispensáveis ao bom êxito
da Comissão que me fora confiada, seguiria por terra o mais tarde possível, mas
ainda a tempo de descer o Paraguai e ir esperar a entrada do Sr. Roosevelt no
território da nossa Pátria; para me acompanharem nessa viagem retive comigo o
Capitão Amílcar Magalhães e o Dr. Euzébio de Oliveira, respectivamente ajudante
e geólogo da Expedição. Todos os volumes de material e bagagens seguiram também
por água, via Montevidéu. A 28 de
novembro comunicou-me o Ministério do Exterior que o Sr. Roosevelt partiria de
Buenos Aires para Assunção, no dia 04
ou 05 de dezembro, e três dias
depois continuaria a subir o Paraguai, em demanda de Corumbá.
De posse desse aviso, saí do Rio de Janeiro para S. Paulo, no trem da noite de 02 de dezembro, tendo antes tomado as providências necessárias para poder viajar ininterruptamente pelas estradas de ferro Central do Brasil, Sorocabana, Noroeste e Itapurá a Corumbá. Ao anoitecer do dia 05, chegávamos à ponta dos trilhos da estrada Itapurá a Corumbá, que se achava com a construção um pouco além do Rio Verde, e isso mesmo tendo alguns quilômetros ainda não consolidados e só trafegados por trens de lastro. Aí organizamos a nossa marcha a cavalo, para alcançarmos o extremo da linha que se vinha construindo de Porto Esperança para Itapurá. Percorremos, assim, 168 quilômetros, até Campo Grande, onde chegamos às 06h00 do dia 09. Três horas depois saíamos de Campo Grande em trem especial, que nos levou a Porto Esperança, situado a 2.248 quilômetros do Rio de Janeiro, e onde desembarcamos às 23h00.
Passamo-nos imediatamente para bordo do vapor “Nyoac”, do Lloyd Brasileiro, que, por ordem do Sr. Ministro do
Exterior, aguardava, de fornalhas acesas, a nossa chegada, e demos ordem de
zarpar ainda antes de começar a madrugada do dia 10. Pouco depois de uma hora da tarde de 11, ancorávamos defronte da Foz do Rio Apa, onde nos cumpria ficar
à espera do Sr. Roosevelt e da sua comitiva. No fim de duas horas, descobrimos
a silhueta de um vapor, que vinha subindo a toda velocidade; corremos a fazer
os últimos aprestos para a recepção, que julgávamos dever realizar-se daí a
pouco.
No tombadilho do “Nyoac” já
envergando o uniforme branco designado para essa ocasião, não desprendíamos a
vista da embarcação, que, novo Protheus, se nos afigurava mudar de forma a cada
instante, ora confirmando as nossas esperanças, ora desenganando-nos.
Afinal, acabamos reconhecendo não ser o tão desejado “Riquielme”, mas sim um rebocador
carregado de índios Chamacocos, que passavam para algum estabelecimento
industrial das margens do Paraguai e lá iam continuar o triste fadário de
semiescravizados de uma sociedade de estranhos, que transformaram as suas
livres florestas numa Pátria madrasta, desafeituosa e dura. Assim passamos o
dia e a noite de 11 de dezembro. A
manhã imediata já nos encontrou a postos, inspecionando o caminho de Assunção.
As horas escoaram-se lentamente até às 10h00, e já iam prosseguindo na sua
marcha fatal, quando todos nos alvorotamos, vendo aparecer ao fundo do estirão, um navio. Em breve
descobrimos o pavilhão que tremulava no mastro de popa e por ele reconhecemos a
canhoneira paraguaia.
Às 11h30, a “Riquielme” estava
a bombordo do “Nyoac”, e do seu
portaló o Sr. Roosevelt correspondia aos acenos de antecipadas saudações que
íamos levar a bordo, com os oferecimentos de afetuosa hospedagem que o Governo
do meu País lhe mandava oferecer. Ainda a âncora paraguaia não havia mordido o
fundo do Rio, e já eu, com os meus auxiliares, me dirigia para o navio, cujo
tombadilho ia servir de palco às cerimônias das primeiras apresentações que se
tinham de fazer entre um estadista iniciado nos altos segredos ao protocolo da
diplomacia europeia e um homem que, havia perto de 25 anos, vivia internado nos
Sertões, frequentando as chancelarias Bororos, Paresí e Nhambiquaras e
aprimorando-se na etiqueta das respectivas cortes.
Contudo, não me atormentavam os calafrios da estreia, porque, afinal, o
conjunto das circunstâncias exteriores, que formam o meio em que temos de agir,
nos amparam e ajudam a encontrar os gestos adequados ao momento que
atravessamos; e se, quando nos cumprimentamos em Bororo, logo nos dispomos a
sentir o odor acre de corpos nus, pintados de urucum, em compensação, quando
trocamos amabilidades na língua de Corneille e de Molière, insensivelmente somos
arrastados para os domínios das gentilezas e da graça, e sem esforço
reencontramos as encantadoras filigranas de que se entretece a vida dos nossos
salões. Eis-me, pois, no tombadilho do navio de guerra paraguaio cumprimentando
o Sr. Roosevelt em nome do Governo Brasileiro, reiterando-lhe o oferecimento da
nossa hospitalidade e apresentando-lhe os membros da Comissão Brasileira, que,
desde aquele momento, ficavam às suas ordens. O Sr. Roosevelt respondeu às
nossas palavras, não só com a distinção característica do seu grande espírito e
alta cultura, mas também com a afabilidade de um verdadeiro amigo da nossa
terra e da nossa gente.
Era pensamento do Governo Brasileiro que ali mesmo, na Foz do Apa,
recebêssemos a bordo do “Nyoac” a
Comissão Americana; mas, ao aludirmos a esta parte do nosso programa, vi que a
oficialidade paraguaia passaria por verdadeira decepção se fosse privada da
honra de transportar o Ex-presidente dos Estados Unidos até Corumbá. Como o
desejo de todos colimava acordemente o mesmo objetivo, que era prestar
homenagem ao nosso hóspede, cedi o passo aos paraguaios, satisfeito de que o
Destino tivesse sido tão benévolo para comigo a ponto de me proporcionar, logo
da primeira vez que me encontrava em caráter oficial nesse País, ocasião de manifestar
os meus sentimentos de fraternidade para com o povo de fundo mais genuinamente
americano dentre todos os que se formaram nestas terras de Colombo. Resolvido
isto, pouco depois do meio-dia a “Riquielme”
continuou a subir o Rio, em direção ao Brasil, e o “Nyoac” seguiu-a de perto, comboiando-a. (RONDON, 1916)
Bibliografia
RONDON, Cândido Mariano da
Silva. Conferências Realizadas nos dias
5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no
Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição
Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia
do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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