Segunda-feira, 31 de maio de 2021 - 12h32
Bagé, 31.05.2021
Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – VII
Voltemos
agora nosso olhar para um dos personagens formidáveis e, considerado por alguns
controvertido, dessa epopeica jornada. Vamos reportar suas impressões, seu
pensamento para que o leitor possa julgar por si só esta personalidade marcante
cujas ações alteraram profundamente os destinos da humanidade no alvorecer do
século XX. No seu livro “Nas Selvas do
Brasil” o Ex-presidente Theodore Roosevelt faz um relato pormenorizado de
Expedição Científica Roosevelt Rondon:
Dedicatória
A S. Exª Lauro Müller
Ministro das Relações Exteriores do Brasil e a seus colegas de Governo.
Ao Coronel Rondon
Distinto oficial do exército, homem de alta envergadura mental e moral,
explorador intrépido e a seus auxiliares Capitão Amílcar, Tenente Lira, Tenente
Melo, Tenente Lauriano, Dr. Cajazeiras, do Exército Brasileiro e Eusébio de
Oliveira, nossos companheiros no trabalho científico e na Expedição aos
Sertões.
Este livro lhes é dedicado com estima, consideração e afeto, pelo seu
amigo, Theodore Roosevelt
Capítulo I
A Partida
Certo dia, em 1908, ao findar meu mandato presidencial, o Padre Zahm ([1]),
sacerdote de minhas relações, veio procurar-me. Fôramos camaradas por algum
tempo; éramos, ambos, admiradores de Dante e gostávamos de história e ciências.
Eu costumava recomendar aos teólogos o seu livro “Evolução e Dogma”. Natural de Ohio, aprendera as primeiras letras à
velha maneira americana, numa pequena escola de madeira, onde, por sinal, era
também aluno Januarius Aloysius MacGahan, mais tarde famoso correspondente de
guerra e amigo de Skobeloff.
O Padre Zahm me contou que, já naquele tempo, MacGahan acrescentava à sua
extremada intrepidez uma cavalheiresca simpatia pelos fracos: era sempre o
defensor de qualquer menino maltratado por outro mais forte. Mais tarde, o
Padre Zahm frequentou a Universidade de Notre Dame, em Indiana, juntamente com
Maurício Egan, que eu nomeei para Ministro na Dinamarca, quando ocupei a
presidência.
Por ocasião de sua visita, o Padre Zahm acabava de regressar de uma
viagem pelos Andes, havendo descido em seguida o Amazonas, e viera propor-me
que, terminado o período presidencial, fôssemos juntos subir o Paraguai,
atingindo os Sertões da América do Sul. Naquela ocasião, meu desejo era ir à
África; e, assim, o assunto ficou de lado. Mas, de vez em quando, voltávamos a
tratar do assunto. Cinco anos depois, no verão de 1913, aceitei os convites que
me foram dirigidos pelos Governos do Brasil e Argentina, para pronunciar
Conferências em determinadas associações desses países.
Ocorreu-me então que, em vez de fazer uma viagem convencional de turista,
unicamente por Mar, em torno da América do Sul, eu poderia vir para o Norte,
depois de acabar minhas Conferências, pelo centro do continente, até o Vale do
Amazonas.
Resolvi escrever ao Padre Zahm, revelando meus projetos. Antes, porém,
queria avistar-me com os diretores do Museu Americano de História Natural, de
Nova York, para verificar se lhes interessaria eu levar comigo dois
naturalistas ao interior do Brasil e realizar, durante a viagem, coleta de
espécimes para o Museu.
Escrevi a Frank Chapman, Chefe da Seção de ornitologia do Museu, e
aceitei seu convite para almoçar no Museu num determinado dia em começos de
junho. Além de vários naturalistas, também encontrei no almoço, com grande
surpresa, o Padre Zahm. Disse-lhe então que pretendia realizar a viagem à
América do Sul.
Também ele resolvera empreendê-la e fora procurar o Sr. Chapman para ver
se este podia recomendar um naturalista para acompanhá-lo. Desde logo declarou
que iria comigo. Chapman ficou muito satisfeito quando soube que nós
pretendíamos subir o Paraguai e atravessar o Sertão até o vale do Amazonas,
porque grande parte da área que teríamos de atravessar ainda não fora explorada
com o fim de se obterem espécimes para coleções.
Entendeu-se com Henry Fairfield Osborn, Presidente do Museu, que me
escreveu dizendo que o Museu teria satisfação em comissionar, sob minha
direção, dois naturalistas que Chapman escolheria com a minha aprovação. Os
homens que Chapman recomendou foram os Srs. George Kruck Cherrie e Leo Edward
Miller. Aceitei-os com prazer.
O primeiro teria de atender, sobretudo, à ornitologia e o segundo à
mamalogia ([2])
da Expedição, mas ambos deveriam auxiliar-se mutuamente. Seria impossível
encontrar dois homens melhores para uma Expedição dessa natureza. Eram ambos
veteranos das florestas tropicais americanas.
O jovem Miller, natural de Indiana, era um naturalista entusiasta, e com
aptidão literária e científica. Achava-se, na ocasião, nas florestas da Guiana,
e reuniu-se a nós em Barbados. Cherrie, mais idoso, natural de Iowa, era então
fazendeiro em Vermont. Tinha esposa e seis filhos. A senhora Cherrie
acompanhara-o por dois ou três anos, nos primeiros tempos de casados, em suas
viagens de coleta pelo Orenoco. O segundo filho do casal nascera num
acampamento duas centenas de milhas distante de homens e mulheres brancos. Em
uma noite, poucas semanas depois, foram obrigados a abandonar o local onde
pretendiam pernoitar, porque a criança estava impertinente, e com seu choro
atraiu uma onça que se pôs a rondar o acampamento, ao escurecer, e cada vez
mais próximo, até que o casal julgou mais seguro voltar ao Rio e buscar outro
lugar para dormir. Cherrie passara cerca de 22 anos colhendo materiais nos trópicos
americanos. Tal como a maioria dos naturalistas de campo que tenho conhecido,
era ele um homem excepcionalmente destemido e eficiente; por vontade própria ou
por força das circunstâncias, vira-se obrigado a mudar de profissão várias
vezes, chegando a tomar parte em revoluções. Por duas vezes esteve preso em
consequência dessas atividades; passou três meses no cárcere de um país
Sul-americano, esperando a cada momento ser fuzilado.
Em outro país, como interlúdio às suas ocupações
ornitológicas, tomou o partido de um aventureiro político, levando 2,5 anos
nessas atividades entrecortadas de imprevistos. O “chefete” revolucionário, a cuja sorte ele se ligou, subiu ao poder
e Cherrie imortalizou-o dando seu nome a uma nova espécie de tordo
papa-formigas – detalhe delicioso, por associar duas atividades que raramente
vivem juntas: a ornitologia e as guerrilhas.
Em Anthony Fiala, que fora explorador ártico, encontramos um homem
excelente para cuidar da organização do equipamento e do embarque. Além dos
seus quatro anos de região ártica, Anthony Fiala servira na esquadrilha de Nova
York em Porto Rico, durante a guerra com a Espanha, e nessa ocasião conheceu
sua gentil esposa, que era de Tennessee. Ela veio com os quatro filhos do casal
para as despedidas no cais.
Meu secretário, o Sr. Frank Harper, seguiu conosco. Jacob Sigg, que
servira três anos no Exército dos Estados Unidos, e que era ao mesmo tempo
enfermeiro e cozinheiro, com inclinação natural para aventuras, ia como
assistente pessoal do Padre Zahm. No Sul do Brasil, meu filho Kermitt reuniu-se
a mim. Trabalhava na montagem de uma ponte e, dois meses antes, quando estava
numa enorme viga de aço suspensa por um guindaste, esta falseou e ele caiu com
a ferragem sobre o leito de pedras. Escapou com duas costelas quebradas, dois
dentes arrancados e um joelho em parte deslocado, mas já estava praticamente
restabelecido quando partiu conosco.
Em sua composição, a nossa Expedição era tipicamente americana. Kermitt e
eu éramos de velha cepa revolucionária, correndo em nossas veias um pouco de
todas as espécies de sangue que existiam neste lado do oceano nos tempos
coloniais
O pai de Cherrie nascera na Irlanda e sua mãe na Escócia; vieram muito
jovens para os Estados Unidos e seu pai serviu durante toda a guerra civil num
regimento de cavalaria de Iowa. Sua mulher era de velha estirpe revolucionária.
O pai do Padre Zahm era um imigrante alsaciano e sua mãe, filha de escocês e
americana, descendia de uma sobrinha do General Braddock. O pai de Miller viera
da Alemanha e sua mãe, da França. Os pais de Anthony Fiala eram tchecos da
Boêmia. O pai servira quatro anos na guerra civil, no Exército da União. Sua
mulher, natural de Tennessee, descendia de revolucionários. Harper era natural
da Inglaterra e Sigg da Suíça. Éramos tão diferentes em matéria de credo
religioso, quanto em origens étnicas. O padre Zahm e Miller eram católicos, Kermitt
e Harper episcopais, Cherrie presbiteriano, Fiala batista, Sigg luterano e,
quanto a mim, pertencia à igreja protestante holandesa.
Como armamento, os naturalistas levavam espingardas de dois canos calibre
16, das quais uma, a de Cherrie, tinha um terceiro cano, estriado, sob os
outros dois. As armas de fogo para o resto da Expedição foram fornecidas por
Kermitt e por mim, inclusive a minha carabina Springfield, duas carabinas
Winchester de Kermitt, uma de calibre 405 e 30-40, a espingarda Fox calibre 12
e outra calibre 16 e dois revólveres, um Colt e um Smith and Wesson. Levamos de
Nova York duas
canoas de lona, barracas, mosquiteiros, bastante filó, inclusive
redes para chapéus, e camas de vento e redes leves. Levamos cordas e roldanas
que nos foram muito úteis em nossa viagem de canoa. Cada qual se vestiu segundo
suas preferências. Minhas roupas eram de pano cáqui, como as que usei na
África, com duas camisas de flanela do Exército americano e duas camisas de
seda; um par de sapatos ferrados e perneiras e um par de botas de couro, com
atacadores, que me subiam até os joelhos.
Os dois naturalistas me haviam prevenido de que convinha usar ou perneiras ou botas altas como proteção contra cobras; levei também luvas por causa dos pernilongos e mutucas. Pretendíamos, sempre que possível, alimentar-nos com o que pudéssemos encontrar, mas levamos algumas rações de emergência, das que se usam no Exército, e também 90 latas, cada uma com provisões diárias para cinco homens, preparadas por Anthony Fiala. [...]
Meu plano exato de operações teria de ser, necessariamente, um tanto
indefinido. Mas, chegando ao Rio de Janeiro, o Ministro Lauro Müller, que com a
maior gentileza manifestara grande interesse pessoal pela minha Expedição,
informou-me de que havia arranjado as coisas de modo que no Alto Paraguai, na
cidade mato-grossense de Cáceres, eu me encontrasse com um Coronel do Exército
Brasileiro quase índio pelo sangue.
O Cel Rondon tem sido durante um quarto de século o mais destemido
explorador do “hinterland”
brasileiro. Naquela ocasião estava em Manaus, mas seus subordinados se
encontravam em Cáceres e foram avisados de nossa chegada.
O Sr. Lauro Müller, que, além de eminente homem público, é também um
espírito dotado de grande cultura, possuindo traços que me faziam lembrar John
Hay, se propôs a me auxiliar no sentido de dar a minha viagem muito maior
alcance do que eu havia a princípio planejado. Tomado de vivo interesse na
exploração e desenvolvimento do interior do Brasil, convenceu-se de que minha
Expedição podia ser utilizada para difundir no estrangeiro um conhecimento mais
geral do país.
Declarou-me que cooperaria comigo de todas as maneiras, se eu quisesse
chefiar uma Expedição que, entrando pela área inexplorada do Oeste de Mato
Grosso, tentasse descer um Rio que corria para rumo desconhecido, mas que
exploradores bem informados, acreditavam ser um Rio caudaloso inteiramente desconhecido
pelos geógrafos. Pressuroso e satisfeito, aceitei a proposta, pois senti que
com esse apoio a Expedição podia ter alto valor científico e trazer uma
contribuição considerável ao conhecimento geográfico de uma das regiões menos
conhecidas regiões da América do Sul. De acordo com o nosso entendimento, ficou
assentado que o Cel Rondon e alguns de seus auxiliares me encontrariam em
Corumbá ou em outro local Rio abaixo, e que juntos tentaríamos a descida do tal
Rio cujas cabeceiras eles já haviam atravessado.
Eu precisava viajar pelo Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, durante seis
semanas, a fim de cumprir meus compromissos, fazendo Conferências. Quanto a
Fiala, Cherrie, Miller e Sigg, eles se separaram de mim no Rio de Janeiro,
prosseguindo para Buenos Aires no navio em que viéramos de Nova York. De Buenos
Aires, subiram o Paraguai para Corumbá, onde ficaram esperando por mim. Os dois
naturalistas seguiram na frente, a fim de começarem a colheita de material;
Fiala e Sigg viajaram com mais vagar, levando a bagagem pesada. (ROOSEVELT, 1944)
Roosevelt
foi recebido e aclamado no Brasil como grande estadista que era em função de
suas memoráveis intervenções facilitando o equacionamento da Questão Acreana
agravada com a criação do Bolivian Syndicate e mediando com ponderação e acerto
os termos do Tratado de Portsmouth.
O
reconhecimento mundial pelos seus esforços e determinante atuação em prol da
assinatura do Tratado de Portsmouth, conciliando interesses tão antagônicos,
entre a Rússia e o Japão, foi materializado através da concessão do prêmio
Nobel da Paz de 1906, tornando-se o primeiro norte-americano a receber tal
distinção. O Jornal “O Paiz”, RJ,
publicou uma série de reportagens à respeito da vinda de Roosevelt ao Brasil:
Bibliografia
ROOSEVELT, Theodore. Através
do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional,
1944.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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