Segunda-feira, 7 de junho de 2021 - 12h12
Bagé, 07.06.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XII
Rondon: altura média, testa larga, fisionomia
distinta, traços finos, olhos amendoados, queixo delgado. Herói que nasceu
soldado e morrerá soldado. Mas herói “sui generis” que, para não matar, nem
deixar que se matasse um só homem, preferiu arrostar cem vezes a morte...
(Mehmed Fuad Carim ‒ Embaixador da Turquia no Brasil)
O Ex-Presidente Theodore Roosevelt
reporta, no seu diário, a jornada fluvial desde Assunção, Paraguai, até a Foz
do Rio Apa a bordo da canhoneira paraguaia “Adolpho
Riquielme” onde encontrou-se com Rondon e sua equipe:
Roosevelt:
Subindo o Rio Paraguai
09.12.1913: Na tarde de 9 de dezembro
deixamos a atraente e pitoresca cidade de Assunção para subir o Paraguai. Com
generosa cortesia, o Governo paraguaio havia posto à minha disposição a
canhoneira-iate do próprio Presidente, vapor fluvial muito confortável, de modo
que os primeiros dias de nossa Expedição foram absolutamente agradáveis. O
alimento era bom, nossas acomodações asseadas, dormíamos bem, embaixo ou no
convés, usualmente sem mosquiteiro. Durante o dia o convés, sob o toldo, era
agradável. [...]
10.12.1913: Muito tarde, no segundo dia de nossa viagem, pouco antes da meia
noite, chegamos a Concepción. Nesse dia, quando paramos para receber lenha e
conseguir provisões – em lugares pitorescos, onde mulheres moradoras em choças
cobertas de sapé e de paredes de barro lavavam roupas no Rio, ou cavaleiros
maltrapilhos nos miravam, parados na barranca, ou estancieiros morenos e bem
trajados estavam em frente de casas cobertas de telhas – apanhamos muitos
peixes. Pertenciam eles a um dos mais temíveis gêneros de peixes que existem no
mundo: a piranha ou peixe canibal, que devora o homem quando se dá
oportunidade. Mais para o Norte existem espécies de piranhas miúdas que andam
em cardumes. [...]
11.12.1913: Na madrugada do terceiro dia, vendo que ainda estávamos atracados ao
largo de Concepción, fomos à terra em canoa e perambulamos pelas ruas da bonita
e pitoresca cidade antiga que, como Assunção, foi fundada pelos conquistadores,
três quartos de século antes dos nossos antepassados ingleses e holandeses
desembarcarem onde hoje existem os Estados Unidos. Os jesuítas tomaram então,
virtualmente, posse completa do que é hoje o Paraguai, dominando e
cristianizando os índios e elevando suas florescentes missões a um apogeu de
prosperidade a que nunca atingiram missões em qualquer outra parte. [...]
12.12.1913: Continuamos navegando Rio acima. De quando em quando cruzávamos com
outra embarcação – um vapor, ou, com surpresa nossa, um bergantim, talvez, ou
escuna. O Paraguai é uma grande artéria comercial. Certa ocasião passamos por
uma grande fábrica de carnes em conserva. Casas de estâncias apareciam em ambas
as margens, poucas léguas distantes uma das outras, e nós parávamos nos portos
de lenha, à margem ocidental. [...] Às 12h00 do dia 12 chegamos à fronteira brasileira. Durante esse dia passamos por
colinas baixas, de forma cônica, próximas ao Rio. Por espaços, touças de
palmeiras irrompiam através das restingas de mato baixo e se estendiam por um
ou dois quilômetros, orlando as margens do Rio. [...] Paramos em um curtume. O
proprietário era um espanhol e o gerente um “oriental”, como a si mesmo
se chamava, uruguaio descendente de alemães. [...] Na fronteira brasileira
encontramos um vapor de fundo chato, que conduzia o Cel Cândido Mariano da
Silva Rondon e outros membros brasileiros da Expedição. O Cel Rondon
imediatamente mostrou seu valor, que superava tudo quanto se pudesse desejar.
Era evidente que conhecia a fundo seu ofício e era igualmente óbvio que seria
um companheiro agradável. Fora colega do Sr. Lauro Müller, na Escola Militar do
Brasil. É de sangue índio quase puro, e positivista ‒ os positivistas
constituem, realmente, uma forte agremiação no Brasil, como sucede na França e
no Chile. [...] Na comitiva do Cel Rondon estavam o Cap Amílcar de Magalhães, o
Ten João Lira, o Ten Joaquim de Mello Filho e o Dr. Eusébio de Oliveira,
geólogo. Os vapores pararam. O Cel Rondon e vários de seus oficiais,
corretamente uniformizados de branco, vieram a bordo; à tarde visitei-o no seu
navio, para trocar ideias sobre nossos planos. [...] O Cel falava francês tão
bem como eu; mas é claro que ele e os outros preferissem o português e então
Kermit servia de intérprete. (ROOSEVELT, 1944)
Expedição Centenária
03.08.2017:
Chegamos a Porto Murtinho, MS, no dia 03.08.2017, por volta das 19h00, e fomos
gentilmente recepcionados com um magnífico jantar no Saladeiro Cuê gerenciado
pelo Ir:. Antônio Carlos Dias Barreto (Toninho) e sua querida esposa Conceição
Aparecida Montanheri.
A organização do evento foi
patrocinada pela 2° Cia Fron sob a coordenação impecável de seu SCmt Cap Tiago
de Lima Ferreira e do 1° Ten Walmir Mathias Teixeira. Enquanto os amigos
expedicionários, o anfitrião e os amigos da 2° Cia Fron conversavam
animadamente eu e a D. Conceição confidenciávamos à cabeceira da grande mesa.
D. Conceição mesclava nosso bate-papo declamando e cantando para os convidados.
Depois de conhecer minha história de
vida, da situação da minha esposa, enferma há quase 14 anos, ela pediu para que
eu declamasse uma de minhas poesias preferidas – Vento Xucro de Jayme Caetano
Braun e depois cantou uma música de sua autoria especialmente dedicada ao seu
caro esposo Toninho.
Toninho
(D. Conceição Aparecida Montanheri)
No dia em que eu te conheci
O céu abriu as portas e eu entrei
Um novo sentimento eu conheci
Eu tive tanto medo, mas eu te amei.
Você me deu coragem e eu cresci
Nas nuvens mais distantes flutuei
Você mostrou-me a fonte e eu bebi
Soprou-me as asas e eu então subi.
Sonhando em teus braços eu voei
Eu voei, voei alto como só voa o Condor
Vendo estrelas do prazer do nosso amor.
Junto comigo você também voou
Eu voei entre os astros de mãos dadas com você
Se pus fé nas minha asas foi porque
Você me fez bem mais forte do que sou
Foi em você que eu me descobri
Mas como aconteceu isso eu não sei
Eu tinha um coração batendo aqui
Mas antes de você eu nem notei.
Você é muito mais do que eu pedi
É a força da palavra de um Rei
É a neve que ampara o meu esqui
É o livro onde amar eu aprendi.
Eu sei que em outras vidas eu já te amei
Eu voei, voei alto como só voa o Condor
Vendo estrelas do prazer do nosso amor.
Junto comigo você também voou
Eu voei, entre os astros de mãos dadas com você
Se pus fé nas minha asas foi porque
Você me fez bem mais forte do que sou.
Com os olhos rasos d’água, gravei a
linda declaração em forma de canção que D. Conceição solicitou que eu, um dia,
levasse até o leito de minha esposa e tocasse para ela ouvir. A viagem até
Porto Murtinho foi altamente recompensada graças à oportunidade de poder
conviver, ainda que por breves momentos, com este fantástico casal além de
poder conhecer as instalações da charmosa pousada às margens do Paraguai.
A partir do século XVI, os espanhóis
introduziram, na região, a pecuária que deu origem à indústria do charque que
se transformou, a partir do século XIX, em uma das principais atividades
econômicas. A indústria do charque ou “saladeiros”,
contava com mais de 20 instalações, construídas às margens do Rio Paraguai com
o intuito de facilitar a importação de insumos e a exportação de seus produtos.
Os saladeiros aproveitavam além da
carne e do couro, o osso, o chifre, a gordura e o casco. O empresário uruguaio
José Grosso de Ledesma (Don Pepe) fundou, em 1912, no Barranco Branco, a sua
indústria que, em 1917, foi transferida para o local onde atualmente funciona o
Hotel Saladeiro Cuê, que era composto de chalés para diretores e operários. A
maioria do gado era oriundo da Fazenda São Francisco, do próprio Don Pepe. O
estabelecimento, que funcionou até a década de 1960, processava cerca de 100
reses por dia e empregava mais de 100 indivíduos.
A produção atendia ao mercado interno,
principalmente Rio de Janeiro e Nordeste, e era exportada, também, para o
mercado europeu. Pernoitamos a bordo da embarcação KEMOSABE ancorada no porto
da 2ª Cia Fron.
04.08.2017:
Acordei, como de costume, antes do alvorecer, às 05h00. A avifauna promovia uma
agradável manhã festiva nas barrancas do Paraguai. Visitei a Agência Fluvial da
Marinha, comandada pelo Capitão-Tenente Sandro Silvetri, com a finalidade de
solicitar, se possível, o uso de sua rede para reportar nossa jornada. Fiquei
sabendo, então, que a embarcação que tínhamos contratado (KEMOSABE) não estava
com a documentação em dia, e, portanto, impedida de seguir viagem. O CT
Silvetri autorizou que o 1° Sgt Leonardo Abrantes de Lima Nova nos orientasse
na busca de uma nova nau, sendo, depois de muitas tratativas, acordado que
seria a Chalana “Calypso”.
Por espaços, touças de palmeiras irrompiam
através das restingas de mato baixo e se estendiam por um ou dois quilômetros,
orlando as margens do Rio. (ROOSEVELT, 1944)
À tarde, fomos até a Boca do Rio Apa,
apoiados por militares da 2ª Companhia de Fronteira. Extensas matas de carandás
(Copernicia alba) adornavam as margens majestosamente. O Carandá é uma palmeira
nativa da região do Chaco boliviano e paraguaio, Brasil (MS e MT) e Argentina.
Seu belo tronco, que pode atingir até 30 m, de altura é usado na indústria
madeireira, suas folhas na alimentação dos animais, cobertura de abrigos e
produção de artesanato e os frutos como isca.
05.08.2017:
Mantive minha espartana rotina e antes do Sol nascer fui dar um passeio pela
cidade. Porto Murtinho é uma cidade por demais pacata e agradável. Uma sadia
miscigenação gerou um cadinho de finas especiarias dentre as quais as que mais
se destacam são a simpatia e a educação de seus ordeiros habitantes. O site da
Prefeitura nos informa:
Estrategicamente
localizado na fronteira com o Paraguai, Porto Murtinho foi criado em 1911 e emancipado
em 13.06.1912, tendo como cenário principal, a exuberância do Rio Paraguai. Com
mais de 100 anos, o município se destaca por ter sido palco de uma série de
acontecimentos marcantes na história do nosso País, como a Guerra da Tríplice
Aliança e a Revolução de Getúlio Vargas de 1932. Foi também um dos municípios
mais importantes para o desenvolvimento de Mato Grosso do Sul, pois, devido ao
Porto de exportações, passou por ciclos econômicos importantes que à época
impulsionaram a economia do Estado. As construções arquitetônicas e monumentos
históricos espalhados por toda a cidade são verdadeiros museus a céu aberto e
se tornaram um dos principais atrativos turísticos. Uma volta pela cidade expõe
a riqueza vivida pela população no auge dos ciclos da erva-mate, tanino e
charque. [...]
Roosevelt:
Porto Murtinho
12.12.1913: Pela tarde, logo após o
nascer da lua, paramos para receber lenha em Porto Murtinho, pequena cidade
brasileira, onde vivem cerca de 1.200 habitantes. Alguns edifícios eram de
alvenaria; uma grande morada particular, com uma torre acastelada, era de
pedra; havia casa de comércio e correio, depósitos, um restaurante, salão de
bilhares e armazém para o mate, que em grande vulto é produzido na região
adjacente. Na maior parte as casas eram baixas, com telhados inclinados em
rampa, e havia jardins com altos muros, em cujo interior se viam árvores,
muitas das quais olorosas.
Vagueamos em ruas largas e
cheias de pó, caminhando em seus estreitos passeios. Era um anoitecer cálido e
o cheiro dos trópicos impregnava o ar abafadiço de dezembro. Pelas portas e
janelas abertas avistamos vagamente os moradores seminus das casas mais pobres;
mulheres e meninas ficavam sentadas fora de suas portas, ao luar. (ROOSEVELT)
Bibliografia
ROOSEVELT, Theodore.
Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil
‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
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