Quinta-feira, 10 de junho de 2021 - 06h02
Bagé, 10.06.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XV
Forte Olimpo ‒ Forte Coimbra ‒ I
O distinto engenheiro Ricardo Franco por algum
tempo opinou pela sua inutilidade; diversas considerações, porém, fizeram-no
modificar o seu parecer e insinuar ao Governador Caetano Pinto a conveniência
da continuação do Forte, que o mesmo oficial levou a efeito quase sem dispêndio
da Fazenda Real, servindo ele de Arquiteto, de Feitor e de Mestre carpinteiro e
pedreiro.
(Barão de Melgaço)
08.08.2017
(Forte Coimbra)
A alvorada magnífica permitia
vislumbrar, ao longe, ainda imerso no nevoeiro, o bastião monumental erguido
pela férrea determinação de Ricardo Franco, um dos maiores baluartes de nossa
história. Na chegada ao Forte fomos gentilmente recepcionados pelo Cmt da 3°
Cia Fron Cap Glauco Viana Coitinho que nos acompanhou, pela manhã em uma visita
ao Forte.
14.12.1913: Forte Coimbra
Magalhães
Às 10h45, continuamos a
subir o Rio Paraguai, montando, às 13h55, a pirâmide de base quadrada que, a
poucos metros da margem direita, assinala os limites do Brasil com a Bolívia.
Às 15h00, paramos junto ao porto de Coimbra. (MAGALHÃES, 1916)
Rondon
A 14 estávamos em frente do legendário Forte de Coimbra; o Sr.
Roosevelt não o visitou, nem a famosa Gruta do Inferno, por considerar que o
tempo de que dispunha para estar ausente da sua Pátria, mal comportaria a
realização do programa anteriormente traçado. (RONDON)
Roosevelt
No decurso do dia seguinte
o terreno à margem Oriental se tornara um vasto pantanal escalonado, aqui e
ali, de coroas de terras mais altas, cobertas de mata. A manhã estava chuvosa,
em contraste com o bom tempo que até então havíamos tido. Passamos portos de
lenha e fazendas de gado. O proprietário de uma destas, argentino filho de
irlandeses, que ainda falava inglês com o sotaque da terra nativa de seus pais,
observou que era a primeira vez que o pavilhão americano aparecia no Alto do
Paraguai, pois nossa canhoneira levava-o hasteado no mastro grande. Tendo, ao
começo da tarde, alcançado o ponto onde ambas as margens do Rio eram território
brasileiro, chegamos ao antigo Forte Coimbra, da época colonial portuguesa.
Está situado onde dois escarpados morros se erguem, um de cada lado do Rio ([1]),
e defende a garganta fluvial que entre eles passa. Foi tomado pelos paraguaios
durante a guerra havida há quase meio século. Alguns canhões modernos foram aí
montados e existe uma guarnição de tropa brasileira. O Forte alveja ao alto, na
encosta do morro, na qual se encastoa, e sobe, terrapleno após terrapleno, com
bastião ([2]),
parapeito e muro ameado.
No sopé do morro, na
planície ribeirinha, estende-se a antiga vila com suas casas cobertas de folhas
de palmeira. Na vila residem algumas centenas de almas ‒ na maioria oficiais,
soldados e suas famílias. Tem uma comprida rua. (ROOSEVELT)
Para entendermos melhor o contexto que
levou o Capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ao assumir o
Governo da Capitania do Mato Grosso, a nomear como Comandante da Fronteira Sul
o Ten Cel Ricardo Franco vamos reportar o Capítulo II, da Sexta Parte, do livro
“Um Homem do Dever – Coronel Ricardo
Franco de Almeida Serra” do General Raul Silveira de Mello – o grande
memorialista do Forte Coimbra:
SEXTA PARTE – II CAPÍTULO
Ricardo Franco Encontra Fragílima
A Defesa de Coimbra e da Fronteira Sul
A paliçada construída por
Matias Ribeiro da Costa, em 1775, era uma obra de emergência. Os outros
Comandantes, até 1797, nada mais fizeram do que retocá-la e melhorá-la, sem
nada adiantar quanto ao seu valor defensivo. A crosta terrosa do sítio em que
fora construída media uns dois palmos de espessura e assentava diretamente na
rocha, de tal sorte que as estacas, mal firmadas, podiam ser derrubadas com um
murro, como dissera o Major Joaquim José Ferreira. Certa vez, uma pedra,
rolando do morro, de encontro ao Presídio, derrubou as estacas que achou pela
frente, tal como bola no jogo do boliche. Este fato inquietou o então
Comandante, advertindo-o de que tal expediente poderia ser usado de surpresa
pelos castelhanos, em plena noite, e até pelos índios, para estabelecerem a
desordem na guarnição.
Ricardo Franco, ao assumir
o comando do Presídio em agosto de 1797, ficou admirado de como essa frágil
posição se tivesse mantido, face às possibilidades oferecidas aos índios
Guaicurus, senhores da região, ou aos castelhanos de Assunção, aliados dos
Paiaguás, de virem expugná-la e varrerem dali os portugueses. Foram certamente
estes considerandos ([3])
e a responsabilidade de que estava investido que levaram Ricardo a formular o
projeto de um Forte permanente, de alvenaria de pedra, e de propor a sua
construção. Eis como se exprime ele a respeito, no ofício de 02.09.1797, a que
me referi no capítulo anterior:
Ficam patentes os defeitos
que oferece esta estacada [...]. Mas, quando ainda os não tivesse, bastaria ser
uma débil e estreita estacada de 12 palmos de altura e menos de um de grosso
[...].
para que nada de
resistência pudesse oferecer à artilharia do inimigo. A obra, porém, que
Ricardo Franco desejava levantar, em substituição à velha paliçada, por si só
era bastante para aumentar a confiança e o valor dos homens da guarnição contra
qualquer investida de inimigos. Não se pode acusar de todo os Capitães-generais
de desídia ([4])
ou descaso pela falta de atendimento às necessidades de defesa da Fronteira
Sul, reclamadas sem cessar pelos Comandantes de Coimbra e da Povoação de
Albuquerque. É sabido, todavia, que Luís de Albuquerque se interessara, em
caráter de preferência, pela construção do Forte do Príncipe da Beira. Ali
empenhara enormes somas de dinheiro, muito embora esse local, na margem direita
do Guaporé, não mais sofresse contestação dos confrontantes, por estar resguardado
pelos Tratados de Limites.
Assim, porém, não
acontecia a Coimbra e Albuquerque. Estas se achavam na margem Oeste do Rio
Paraguai, fora das raias portuguesas. Não havia direito líquido sobre elas. A
partir de 1777, as Comissões Demarcadoras deveriam definir, no terreno, a linha
de separação dos territórios das duas metrópoles. Ora, prescrevendo o Tratado
de Limites que as raias correriam pelo Rio Paraguai, era necessário que
houvesse acordo nas demarcações para que fossem reconhecidas, como portuguesas,
as ocupações destes na margem direita do Rio. Todavia, os comissários de
limites, durante longos anos de negaças ([5])
e desentendimentos, não conseguiram arrancar do impasse aqueles importantes
casos controvertidos. Os Capitães-generais, não obstante sustentarem perante a
Corte os direitos subsistentes, e as razões vitais da manutenção de Coimbra e
Albuquerque, temiam que o Governo Português, por outros motivos, não menos
poderosos, chegasse a negociar a evacuação daquelas posições e entregá-las às
autoridades castelhanas. Essa ideia não é gratuita.
Ela andou bailando na
cabeça dos Governantes Portugueses. Não fosse a resistência tenaz de Luís de
Albuquerque, talvez ela tivesse vingado, à custa de compensações de outra ordem
de interesses. O Gabinete Português chegou mesmo a prometer à Corte Madrilena,
talvez para lograr outras vantagens, talvez por despistamento, que abandonaria
aquelas posições. Fá-lo-ia, no entanto, em duas etapas. Primeiramente,
evacuaria a região de Albuquerque para que viesse a servir às ligações fluviais
de Chiquitos com Assunção e o Prata. Posteriormente, mediante novo acordo
quanto ao tempo, destruiria o Presídio de Coimbra e abandonaria também essa
posição.
Não padece dúvida a
existência desse entendimento luso-castelhano. Azara, em suas cartas, faz
menção dele e acusa as autoridades mato-grossenses de não lhe darem
cumprimento. Sincero fosse ou não, o que é fato é que Luís de Albuquerque e
seus sucessores não julgaram prudente realizar obras permanentes ou
dispendiosas naquela região contestada. Nem a Povoação de Albuquerque nem
Coimbra, até 1790 pelo menos, tinham consentimento para construírem obras de
alvenaria, na suposição de as terem de abandonar aos castelhanos. Esta
assertiva figura na conversação entretida por José Antônio Pinto de Figueiredo,
Cmt de Albuquerque, e o piloto Martin Boneo ([6]),
no encontro que tiveram no Rio Paraguai em setembro de 1790.
Declarou o Sargento-mor
português àquele oficial espanhol, que o povoado de Albuquerque tudo produzia
bem, e, portanto, no sentido de melhorar-lhe as condições de habitabilidade,
propôs construir ali casas duráveis, de tijolo e telhas. A isso lhe respondeu o
Capitão-general que tratasse tão só de conservá-lo nas condições em que estava,
até que se realizassem as demarcações, pois poderia acontecer que esses
terrenos passassem à Espanha e tudo o que ali fizessem ficaria perdido. Coimbra
recebera idêntico aviso, afirmou Pinto de Figueiredo.
Boneo certificou-se que
Figueiredo não adiantara uma informação graciosa, porque, quanto a Coimbra, já
antes lho havia dito o Cmt daquele Presídio:
hay mucha piedra de cal, y se halla buen barro para teja y ladrillo, que no
se hacían por prohibición.
Por estes considerandos ([7]),
verifica-se que demoraram as providências dos Capitães-generais para tornar o
Presídio de Coimbra uma posição eficiente e capaz de impor-se definitivamente,
a exemplo do Príncipe da Beira. Seria, neste caso, o melhor e mais legítimo
título do domínio português na margem Ocidental do Rio Paraguai. A ideia e o
interesse de melhorar as condições defensivas de Coimbra e Albuquerque só
tomaram vulto após a visita de Martin Boneo àquele Presídio. A esse tempo, não
mais ocorria temor algum na Frente ([8])
do Guaporé. Aconteceu então que, excluído o ano de 1775, pela primeira vez
volveu sua atenção para a Frente Sul o Governo de Vila Bela.
Nos primeiros tempos,
comandaram Coimbra oficiais de milícia, improvisados, homens dedicados e leais,
capazes de todos os sacrifícios, mas grosseiros e sem luzes necessárias para
apreciar devidamente uma situação tática e defrontar-se com tropas regulares inimigas.
Foi, pois, somente a partir de 1790, sob a perspectiva de um ataque castelhano,
que a Expedição Martin Boneo fizera prever, que o Governo de Vila Bela decidiu
inscrever na ordem de primeira importância os problemas de segurança da
fronteira Sul. O primeiro Comandante à altura da nova situação enviado para
ali, foi o Major Joaquim José Ferreira, do Real Corpo de Engenheiros, que ali
esteve de 1790 a 1792.
Agravando-se, porém, de
novo, em 1797, as relações entre as metrópoles, decidiu Caetano Pinto enviar
para o Presídio de Coimbra, no comando da Fronteira Sul, o oficial de maior
relevo na Capitania, que era Ricardo Franco, então Tenente-Coronel. Foi este
grande soldado que impôs, em definitivo, o domínio português na margem
Ocidental do Rio Paraguai e assegurou defesa e respeito à Fronteira Sul da
Capitania. (MELLO)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
Bibliografia
FILHO, Virgílio Alves Correia. Ricardo
Franco de Almeida Serra – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral
do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Volume 243 – Departamento de
Imprensa Nacional, abril-junho 1959.
MAGALHÃES, Amílcar A. Botelho de. Anexo
n° 5 – Relatório Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon –
Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Papelaria
Macedo, 1916.
RONDON, Cândido Mariano da Silva.
Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel
Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os
Trabalhos da Expedição Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil
‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C.,
1916.
ROOSEVELT, Theodore. Através do
Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora
Nacional, 1944.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Local também
conhecido como “Fecho dos Morros”.
[2] Bastião
(baluarte): parte saliente de uma fortificação, normalmente de forma um
pentagonal, com duas faces formando um ângulo saliente dianteiro, enquanto
outras duas, mais curtas, formam flancos reentrantes, que protegem as obras
adjacentes.
[3] Considerandos: motivos.
[4] Desídia:
desleixo.
[5] Negaças: enganos, logros.
[6] Martin Boneo e Inácio de Pasos, em 1790, por ordem do Governador
do Paraguai, Joaquín de Alós y Brú, comandaram uma Expedição que partiu de
Assunção, Paraguai, com a missão de forçar a retirada dos portugueses do Forte
de Nova Coimbra. Os castelhanos foram informados de que os portugueses tinham se
estabelecido, na mesma margem do Rio Paraguai, na Povoação de Albuquerque.
Boneo tentou, então, ir até lá, no que foi impedido pelo Comandante do Forte de
Nova Coimbra. Boneo tentou, então, subir o Paraguai, sendo impedido, desta
feita, pelo Comandante de Albuquerque. Apesar destes contratempos, Boneo
conseguiu obter e levar, até o Governador do Paraguai, informações importantes
sobre o efetivo e artilhamento das guarnições dos Fortes portugueses nas
regiões por onde passou sua Expedição.
[7] Considerandos: motivos.
[8] Frente: linha de território contínuo sujeita às ações bélicas.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H