Sexta-feira, 11 de junho de 2021 - 06h00
Bagé, 11.06.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XVI
Forte Olimpo ‒ Forte
Coimbra ‒ II
Caetano Pinto
Nesse encargo o encontrou
o novo Capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ao tomar posse do
Governo a 06.11.1796. Naturalmente, colheria informações referentes ao militar,
caso não lhe bastasse o que porventura já soubesse a respeito do geógrafo. E
como recebesse de Coimbra notícias alarmantes acerca da Expedição do Coronel
José Espíndola contra os Guaicurus, e, de Lisboa, recomendação para se manter
de sobreaviso, em consequência das inquietações provocadas por Napoleão,
resolveu confiar a Ricardo Franco o Comando do Forte de Coimbra. E
endossou-lhe, com louvável bom senso, todos os projetos de fortalecimento dos
meios defensivos, apesar da penúria que o levou a escrever ao Governador de
Goiás a 11.03.1797:
aqui carece de tudo –
ouro, gente, armas e munições, mas a primeira falta é a que se faz mais
sensível, porque sem dinheiro só os índios silvestres é que sabem atacar e
defender-se.
Sabia que fora transferido
de Moxos para o Governo de Assunção D. Lázaro de Ribeira, no tocante a cujas
hostilidades, esclareceu João de Albuquerque:
sujeito que
verdadeiramente não faz mistério de inventar chicanas, e engendrar ideias, para
nos incomodar, tendo até mesmo correspondido mal à atenção com que foi tratado
pelo Comandante e demais oficiais do Forte do Príncipe da Beira. (Carta de
30.09.1791).
Além da abnegação do
Tenente-Coronel, não poderia Caetano Pinto, magistrado mal afeito às apreensões
guerreiras, dispor de indispensáveis elementos bélicos referidos por ocasião
das hostilidades:
Eu tinha previsto, desde o
ano de 1797, mas, com a infelicidade de não terem-me enviado ainda nem da
Corte, nem do Pará, nem de São Paulo, nem do Rio de Janeiro, uma única peça de
artilharia, uma única espingarda, um único artilheiro, um único cartucho de
pólvora, além de outros muitos socorros que desde aquele ano requeri, ou sou
tido e reputado por Santo, julgando-se que passo fazer milagres ou aliás sou o
pior dos Governadores, pois me expõem a todos os caprichos da fortuna. (FILHO)
SEXTA PARTE – III CAPÍTULO
INICIATIVA, PROJETO
E CONSTRUÇÃO DO FORTE
Ricardo Franco conhecia a
situação e as condições do velho Presídio. [...] Não ignorava a história da
frágil estacada. Sabia também da vida de penúrias e desconforto que levavam os
homens daquela guarnição, visto que participara, em 1796, do Governo de
sucessão, por morte de João de Albuquerque. Chegando ali a 11.08.1797, em
poucos dias de observação, verificou que nada mais se podia esperar da velha
paliçada. Estava em lugar baixo, sem comandamento, e sujeita a ser surpreendida
e escalada pela retaguarda.
O estudo do terreno e do
Rio lhe deram a conhecer:
1° que era de capital necessidade a construção de
um Forte permanente, de boa alvenaria;
2° que a melhor posição para o Forte seria a uns
130 m à esquerda da estacada, a cavaleiro do saliente do morro. A ponta deste,
nesse ponto, avança até a beira do Rio, a moda de promontório, e nela estaca
bruscamente, formando alterosa barranca, rochosa e a pique.
O lugar era escarpado e de
difícil ajustagem a construções. Todavia, dali se podia enfiar, pela vista e
pelo canhão, longo estirão, de uns 10 km Rio abaixo, e de onde se ficava em
condições de bater os flancos da posição até muito além do alcance das armas
portáteis. O ponto fraco seria a gola do reduto, à retaguarda, que olhava a
encosta e o pico do morro. Haveria um recurso: era dar maior vulto à muralha
nessa parte e dispô-la de uma linha de seteiras e órgãos de flanqueamento, que
responderiam à possibilidade de assaltos de revés ([1])
ou da retaguarda.
O Forte, assim disposto,
ligar-se-ia pela vista com o pico do morro, de uns 100 m de elevação, e a 300 m
de distância, excelente observatório, de onde se descortinava todo o horizonte.
Em longo ofício de 02.09.1797, Ricardo Franco propõe a construção do Forte, faz
minuciosa exposição do projeto e submete tudo à consideração do
Capitão-general. Eis alguns dizeres desse documento:
Na adjunta folha, vão
unidos três diversos planos, que a escassez do tempo só me permitiu formar um
borrão, todos relativos e anexos ao Presídio de Coimbra.
O n° 1 é a planta deste
Presídio, em que a sua superfície vai lavada de cor escura, as casas de
amarelo, e a estacada que forma o seu recinto, de contíguos e pequenos círculos
pretos. O Monte pega com o lado da dita estacada, oposto ao da frente do Rio
vai espanejado de tinta da China ([2]). Monte que ficando unido e
eminentemente sobranceiro a este Presídio, lhe serve de inaudito padrasto ([3]). O n° 2 é a seção do mesmo
Presídio no seu maior comprimento [...]
Continua a descrição do
projeto, chamando a atenção para o desenho, no qual ele marca, com letras, os
sítios e pontos que menciona. A seguir, relaciona o material de que precisa
para as construções e acrescenta estas sugestões:
[...] no caso que V. Exª
queira mandar fazer esta obra, para animar estes trabalhadores da guarnição se
faz necessário alguma aguardente de cana que todos os dias se dê a provar aos
obreiros. Enfim, Senhor, eu julgo esta obra indispensável e só a positiva única
e possível segurança deste lugar, que considero como o mais importante dos
Estabelecimentos Portugueses do Paraguai; olhado como a mais Austral barreira;
aos próximos Espanhóis de Bourbon, de que dista em linha reta vinte e duas
léguas. E a rivalidade destes dois vizinhos e diversos estabelecimentos exige
que eles se respeitem temam e vigiem reciprocamente; sem que possamos avançar
mais para o Sul, nem eles para Norte, enquanto existirem Coimbra e Bourbon. Além
do que Coimbra é a chave que guarda e cobre os Rios Emboteteu, e Taquari, e
ainda Paraguai-mirim; entrando todos no grande Paraguai superiormente a este
Presídio, e inferiores em igual distância à Povoação de Albuquerque; a qual não
serve de obstáculo algum que possa impedir aos Espanhóis, ou seja como inimigos
ou sub-reptícia e clandestinamente o penetrar, ver e navegarem pelos dois
nossos privativos Rios Mondego e Taquari e ainda pelo Furo do Paraguai-mirim.
As ponderadas vantagens só
as tem Coimbra que, sem dúvida, se deve considerar como um passo para a
navegação Espanhola pois, apesar da larga inundação das respectivas campanhas,
que lateralmente formam as extensas margens do Paraguai, estas alagadas
planícies têm suas interpoladas elevações no terreno que veda o passo, e não
dão vão aos grandes barcos Espanhóis que só pelo álveo do Paraguai, ou seja no
tempo das secas, ou no das águas podem navegar, passando necessariamente entre
o Monte de Coimbra e o que lhe fica na oposta margem: circunstância atendível,
e que mostra quanto é preferível a segurança deste lugar ao de Albuquerque; que
fortificado como exponho a V. Exª fica muito mais respeitável, e ainda
defendido do que a dita Povoação.
O ofício a respeito dele
que tenho a honra de juntamente dirigir agora, com este relativo a Coimbra, a
respeitável presença de V. Exª evidencia, na combinação de ambos a preferência
e atenção que por todas as faces patenteia e merece este Presídio de Coimbra.
Eu já quis dar alguns
princípios a esta obra que não deixam de ter alguns defeitos e que só grande
despesa e maior Guarnição podem evitar, porém o projeto exposto é o que os pode
remediar da mais possível forma. Suspendi porém o dar algum princípio a esta
obra temendo nos fizesse ela novidade, ou servisse de algum pretexto aos
Espanhóis.
Mormente por dizer o Cabo
Batista, que foi a Bourbon levar as cartas de V. Exª que o Padre Perico que ali
se acha queria vir até este Presídio a confessar-se com o nosso Capelão. Por
todo o expedido, espero as ordens de V. Exª que determinará o que lhe parecer
mais justo.
Noutro ofício da mesma
data, declara que projeta assentar o Forte na encosta do morro e discute todos
os aspectos da defesa do Rio nesse lugar. A seguir, em ofício de 7 de setembro,
volta a tratar do projeto do Forte. Diz que o mapa, em borrão, n° 5, representa
o terreno contíguo ao Presídio. Passa a descrever a situação deste, o morro
adjacente, os canais do Rio, etc.
Descreve o morro
fronteiro, diz que é escarpado e inacessível, de aspérrima escarpa e sem
assentos para opositores, havendo somente acesso praticável pela parte Norte. O
cume é composto de furnas e saltos, havendo nele de espaço a espaço umas
pequenas e estreitas assentadas que só podem acomodar pequeno número de
ofensores.
Trata a seguir dos
arredores do morro fronteiro, do paul ([4])
que se estende na frente até ao Rio, da Baía que lhe fica ao Norte, dos baixios
em roda e da bateria que lá devia ser colocada para cruzar fogos sobre o Rio
com os canhões do Forte.
Este mapa, e os do n° 1 e
correspondentes ofícios que faço agora chegar a preclaríssima presença de V.
Exª mostram que, se em lugar desta fraquíssima Estacada de Coimbra, se
fortificasse com competentes muralhas a ponta do morro, neste lugar se pode
contar com um positivo fecho [...]
Ricardo Franco, tendo
chegado ao Presídio a 11.08.1778, a 03 de novembro lançou a primeira pedra das
muralhas do Forte, como se lê na planta que ele mesmo desenhou. Esperara até aí
a aprovação do projeto e a palavra do Governador para dar início às obras.
Escolhera aquele dia, por ser o primeiro aniversário da chegada de Caetano
Pinto à Vila Bela.
Em 22 de dezembro, Ricardo
Franco inicia a muralha e
enquanto não chegou o
mestre pedreiro que V. Exª remeteu, eu mesmo fui mestre
declara ele ao
Capitão-general.
Em 01.01.1798, Ricardo Franco
cai doente e só convalesce, a 20.02.1798. O impaludismo, de que era fértil a
baixada mato-grossense, assaltava frequentemente o incansável lutador. A
06.03.1798, dirige Ricardo Franco longo ofício, 10 folhas de miúda caligrafia,
ao Capitão-general. Começa dizendo que chegou ali o Cap Pedro Antônio Miers,
Comandante do Forte Bourbon, trazendo-lhe uma carta de D. Lázaro de Ribera,
Governador do Paraguai, em resposta a que lhe escrevera a 06.10.1797.
A dita carta de D. Lázaro
não deixa de mostrar a hábil sutileza deste distinto oficial que, sem falar do
estabelecimento de Mondego, derramou nela expressões vagas e lisonjeiras.
Informa Ricardo Franco que
os oficiais espanhóis foram hospedados no Presídio e, quando saíram, foram
observando, do meio do Rio, a nova Fortificação que se mostrava na ponta do
morro e dava-lhes a ideia de quanto seria alterosa. Declara, em consequência,
que espera que D. Lázaro mande qualquer dia um oficial a tratar com ele a
respeito [...] da nova Fortificação. Quando assim acontecer:
[...] faço conta de
responder o seguinte: Que duas forçosas e pungentes razões me obrigam a isso:
1ª que reedificando-se a Estacada que forma o
recinto deste Presídio há sete anos, e achando-se ela na maior parte arruinada
e podre, sem que, nos largos campos e terrenos que a cercam e por distância de
muitas léguas, haja madeiras próprias para esses consertos, esta dificuldade me
suscitou e pôs na ideia daquela nova obra; e também a saúde desta guarnição,
porque como a superfície da máxima enchente do Paraguai fica quase de nível com
o solo e pavimento deste Presídio, sucede que no dito tempo fica [...] como um
receptáculo de víboras, sapos, e outros insetos venenosos além da muita umidade
que o cerca. O que o faz sumamente doentio.
2ª e principal razão daquela obra, além da
referida, consiste que, resultando das três últimas expedições espanholas
contra os Guaicurus, que se tinham acolhido e abrigado nos terrenos que formam
o Rio Mondego, ou Emboteteu, o Domínio Português, que estes índios segundo a
paz que tinham contraído com os Portugueses, esperando que nós os
coadjuvássemos no seu despique ([5]), acharam pelo contrário só
uma tácita negativa e repulsa dissuadindo-os dos seus intentos hostis,
coibindo-os e embaraçando-os, e ainda com violência, motivo por que veio a
maior parte deles a mostrar manifesto alvoroto ([6]) derramando-se entre todos
o conceito de que os Portugueses os queriam entregar à vingança dos Espanhóis. Conceito,
segundo eles constantemente contam, lhes é ministrado pelos Guaicurus, do
Capitão-general Montenegro, que vive próximo a Bourbon, com paz e aliança com
eles, Espanhóis. Com que fez que alguns se retirassem mais para o interior do
país e que outros, em magotes ([7]), dessem sinais da sua
costumada cantiga pérfida, chegando a ameaçar-nos e a virem algumas e
imprevistas vezes arrostar este Presídio, e só a grande vigilância, que houve
com reforçadas e armadas patrulhas faria talvez ver, ineficazes os seus
denegridos e bárbaros projetos, e que à vista de todo o referido, vendo-me
dentro de uma Estacada podre, [...]
índios por vezes, para entrarem, arrancarem
alguns paus, tudo me obrigou a urgentíssima precisão da segurança deste
Presídio, e da sua diminuta Guarnição, construindo na ponta do morro conjunta a
ele um muro de pedra e barro para formar um recinto que lhes fosse menos
acessível, e não pudessem queimá-lo, e arrancar-lhe alguns paus.
Assim, Ilm° e Exm° Senhor
lanço sobre eles, espanhóis, a causa desta nova Fortificação, e espero talvez
até o fim de maio o dito protesto, e se a V. Exª lhe parecer, que esta minha
resposta não é coerente, nem correlativa ao estado político e críticas
circunstâncias, em que se acha esta Fronteira me faça V. Exª especial graça em
insinuar-me o que devo dizer, pois tenho amor próprio, como a minha reputação,
inda que afigure para com estes Espanhóis com luzes alheias, muito Superiores a
minha fraca instrução. (MELLO)
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
Bibliografia
FILHO, Virgílio
Alves Correia. Ricardo Franco de Almeida Serra – Brasil – Rio de
Janeiro, RJ – Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil
– Volume 243 – Departamento de Imprensa Nacional, abril-junho 1959.
MELLO, Raul
Silveira de. História do Forte de
Coimbra – Brasil –Campo Grande, MS – IHGMS, 2014.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do Colégio
Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H