Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCXXXVI - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – XVI


A Terceira Margem – Parte CCXXXVI - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – XVI - Gente de Opinião

Bagé, 11.06.2021

 

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XVI

 

Forte Olimpo ‒ Forte Coimbra ‒ II

 

 

Caetano Pinto

 

Nesse encargo o encontrou o novo Capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ao tomar posse do Governo a 06.11.1796. Naturalmente, colheria informações referentes ao militar, caso não lhe bastasse o que porventura já soubesse a respeito do geógrafo. E como recebesse de Coimbra notícias alarmantes acerca da Expedição do Coronel José Espíndola contra os Guaicurus, e, de Lisboa, recomendação para se manter de sobreaviso, em consequência das inquietações provocadas por Napoleão, resolveu confiar a Ricardo Franco o Comando do Forte de Coimbra. E endossou-lhe, com louvável bom senso, todos os projetos de fortalecimento dos meios defensivos, apesar da penúria que o levou a escrever ao Governador de Goiás a 11.03.1797:

 

aqui carece de tudo – ouro, gente, armas e munições, mas a primeira falta é a que se faz mais sensível, porque sem dinheiro só os índios silvestres é que sabem atacar e defender-se.

 

Sabia que fora transferido de Moxos para o Governo de Assunção D. Lázaro de Ribeira, no tocante a cujas hostilidades, esclareceu João de Albuquerque:

 

sujeito que verdadeiramente não faz mistério de inventar chicanas, e engendrar ideias, para nos incomodar, tendo até mesmo correspondido mal à atenção com que foi tratado pelo Comandante e demais oficiais do Forte do Príncipe da Beira. (Carta de 30.09.1791).

 

Além da abnegação do Tenente-Coronel, não poderia Caetano Pinto, magistrado mal afeito às apreensões guerreiras, dispor de indispensáveis elementos bélicos referidos por ocasião das hostilidades:

 

Eu tinha previsto, desde o ano de 1797, mas, com a infelicidade de não terem-me enviado ainda nem da Corte, nem do Pará, nem de São Paulo, nem do Rio de Janeiro, uma única peça de artilharia, uma única espingarda, um único artilheiro, um único cartucho de pólvora, além de outros muitos socorros que desde aquele ano requeri, ou sou tido e reputado por Santo, julgando-se que passo fazer milagres ou aliás sou o pior dos Governadores, pois me expõem a todos os caprichos da fortuna. (FILHO)

 

SEXTA PARTE – III CAPÍTULO

INICIATIVA, PROJETO
E CONSTRUÇÃO DO FORTE

 

Ricardo Franco conhecia a situação e as condições do velho Presídio. [...] Não ignorava a história da frágil estacada. Sabia também da vida de penúrias e desconforto que levavam os homens daquela guarnição, visto que participara, em 1796, do Governo de sucessão, por morte de João de Albuquerque. Chegando ali a 11.08.1797, em poucos dias de observação, verificou que nada mais se podia esperar da velha paliçada. Estava em lugar baixo, sem comandamento, e sujeita a ser surpreendida e escalada pela retaguarda.

 

O estudo do terreno e do Rio lhe deram a conhecer:

 

que era de capital necessidade a construção de um Forte permanente, de boa alvenaria;

 

que a melhor posição para o Forte seria a uns 130 m à esquerda da estacada, a cavaleiro do saliente do morro. A ponta deste, nesse ponto, avança até a beira do Rio, a moda de promontório, e nela estaca bruscamente, formando alterosa barranca, rochosa e a pique.

 

O lugar era escarpado e de difícil ajustagem a construções. Todavia, dali se podia enfiar, pela vista e pelo canhão, longo estirão, de uns 10 km Rio abaixo, e de onde se ficava em condições de bater os flancos da posição até muito além do alcance das armas portáteis. O ponto fraco seria a gola do reduto, à retaguarda, que olhava a encosta e o pico do morro. Haveria um recurso: era dar maior vulto à muralha nessa parte e dispô-la de uma linha de seteiras e órgãos de flanqueamento, que responderiam à possibilidade de assaltos de revés ([1]) ou da retaguarda.

 

O Forte, assim disposto, ligar-se-ia pela vista com o pico do morro, de uns 100 m de elevação, e a 300 m de distância, excelente observatório, de onde se descortinava todo o horizonte. Em longo ofício de 02.09.1797, Ricardo Franco propõe a construção do Forte, faz minuciosa exposição do projeto e submete tudo à consideração do Capitão-general. Eis alguns dizeres desse documento:

 

Na adjunta folha, vão unidos três diversos planos, que a escassez do tempo só me permitiu formar um borrão, todos relativos e anexos ao Presídio de Coimbra.

 

O n° 1 é a planta deste Presídio, em que a sua superfície vai lavada de cor escura, as casas de amarelo, e a estacada que forma o seu recinto, de contíguos e pequenos círculos pretos. O Monte pega com o lado da dita estacada, oposto ao da frente do Rio vai espanejado de tinta da China ([2]). Monte que ficando unido e eminentemente sobranceiro a este Presídio, lhe serve de inaudito padrasto ([3]). O n° 2 é a seção do mesmo Presídio no seu maior comprimento [...]

 

Continua a descrição do projeto, chamando a atenção para o desenho, no qual ele marca, com letras, os sítios e pontos que menciona. A seguir, relaciona o material de que precisa para as construções e acrescenta estas sugestões:

 

[...] no caso que V. Exª queira mandar fazer esta obra, para animar estes trabalhadores da guarnição se faz necessário alguma aguardente de cana que todos os dias se dê a provar aos obreiros. Enfim, Senhor, eu julgo esta obra indispensável e só a positiva única e possível segurança deste lugar, que considero como o mais importante dos Estabelecimentos Portugueses do Paraguai; olhado como a mais Austral barreira; aos próximos Espanhóis de Bourbon, de que dista em linha reta vinte e duas léguas. E a rivalidade destes dois vizinhos e diversos estabelecimentos exige que eles se respeitem temam e vigiem reciprocamente; sem que possamos avançar mais para o Sul, nem eles para Norte, enquanto existirem Coimbra e Bourbon. Além do que Coimbra é a chave que guarda e cobre os Rios Emboteteu, e Taquari, e ainda Paraguai-mirim; entrando todos no grande Paraguai superiormente a este Presídio, e inferiores em igual distância à Povoação de Albuquerque; a qual não serve de obstáculo algum que possa impedir aos Espanhóis, ou seja como inimigos ou sub-reptícia e clandestinamente o penetrar, ver e navegarem pelos dois nossos privativos Rios Mondego e Taquari e ainda pelo Furo do Paraguai-mirim.

 

As ponderadas vantagens só as tem Coimbra que, sem dúvida, se deve considerar como um passo para a navegação Espanhola pois, apesar da larga inundação das respectivas campanhas, que lateralmente formam as extensas margens do Paraguai, estas alagadas planícies têm suas interpoladas elevações no terreno que veda o passo, e não dão vão aos grandes barcos Espanhóis que só pelo álveo do Paraguai, ou seja no tempo das secas, ou no das águas podem navegar, passando necessariamente entre o Monte de Coimbra e o que lhe fica na oposta margem: circunstância atendível, e que mostra quanto é preferível a segurança deste lugar ao de Albuquerque; que fortificado como exponho a V. Exª fica muito mais respeitável, e ainda defendido do que a dita Povoação.

 

O ofício a respeito dele que tenho a honra de juntamente dirigir agora, com este relativo a Coimbra, a respeitável presença de V. Exª evidencia, na combinação de ambos a preferência e atenção que por todas as faces patenteia e merece este Presídio de Coimbra.

 

Eu já quis dar alguns princípios a esta obra que não deixam de ter alguns defeitos e que só grande despesa e maior Guarnição podem evitar, porém o projeto exposto é o que os pode remediar da mais possível forma. Suspendi porém o dar algum princípio a esta obra temendo nos fizesse ela novidade, ou servisse de algum pretexto aos Espanhóis.

 

Mormente por dizer o Cabo Batista, que foi a Bourbon levar as cartas de V. Exª que o Padre Perico que ali se acha queria vir até este Presídio a confessar-se com o nosso Capelão. Por todo o expedido, espero as ordens de V. Exª que determinará o que lhe parecer mais justo.

 

Noutro ofício da mesma data, declara que projeta assentar o Forte na encosta do morro e discute todos os aspectos da defesa do Rio nesse lugar. A seguir, em ofício de 7 de setembro, volta a tratar do projeto do Forte. Diz que o mapa, em borrão, n° 5, representa o terreno contíguo ao Presídio. Passa a descrever a situação deste, o morro adjacente, os canais do Rio, etc.

 

Descreve o morro fronteiro, diz que é escarpado e inacessível, de aspérrima escarpa e sem assentos para opositores, havendo somente acesso praticável pela parte Norte. O cume é composto de furnas e saltos, havendo nele de espaço a espaço umas pequenas e estreitas assentadas que só podem acomodar pequeno número de ofensores.

 

 

 

Trata a seguir dos arredores do morro fronteiro, do paul ([4]) que se estende na frente até ao Rio, da Baía que lhe fica ao Norte, dos baixios em roda e da bateria que lá devia ser colocada para cruzar fogos sobre o Rio com os canhões do Forte.

 

Este mapa, e os do n° 1 e correspondentes ofícios que faço agora chegar a preclaríssima presença de V. Exª mostram que, se em lugar desta fraquíssima Estacada de Coimbra, se fortificasse com competentes muralhas a ponta do morro, neste lugar se pode contar com um positivo fecho [...]

 

Ricardo Franco, tendo chegado ao Presídio a 11.08.1778, a 03 de novembro lançou a primeira pedra das muralhas do Forte, como se lê na planta que ele mesmo desenhou. Esperara até aí a aprovação do projeto e a palavra do Governador para dar início às obras. Escolhera aquele dia, por ser o primeiro aniversário da chegada de Caetano Pinto à Vila Bela.

 

Em 22 de dezembro, Ricardo Franco inicia a muralha e

 

enquanto não chegou o mestre pedreiro que V. Exª remeteu, eu mesmo fui mestre

 

declara ele ao Capitão-general.

 

Em 01.01.1798, Ricardo Franco cai doente e só convalesce, a 20.02.1798. O impaludismo, de que era fértil a baixada mato-grossense, assaltava frequentemente o incansável lutador. A 06.03.1798, dirige Ricardo Franco longo ofício, 10 folhas de miúda caligrafia, ao Capitão-general. Começa dizendo que chegou ali o Cap Pedro Antônio Miers, Comandante do Forte Bourbon, trazendo-lhe uma carta de D. Lázaro de Ribera, Governador do Paraguai, em resposta a que lhe escrevera a 06.10.1797.

 

A dita carta de D. Lázaro não deixa de mostrar a hábil sutileza deste distinto oficial que, sem falar do estabelecimento de Mondego, derramou nela expressões vagas e lisonjeiras.

 

Informa Ricardo Franco que os oficiais espanhóis foram hospedados no Presídio e, quando saíram, foram observando, do meio do Rio, a nova Fortificação que se mostrava na ponta do morro e dava-lhes a ideia de quanto seria alterosa. Declara, em consequência, que espera que D. Lázaro mande qualquer dia um oficial a tratar com ele a respeito [...] da nova Fortificação. Quando assim acontecer:

 

[...] faço conta de responder o seguinte: Que duas forçosas e pungentes razões me obrigam a isso:

 

que reedificando-se a Estacada que forma o recinto deste Presídio há sete anos, e achando-se ela na maior parte arruinada e podre, sem que, nos largos campos e terrenos que a cercam e por distância de muitas léguas, haja madeiras próprias para esses consertos, esta dificuldade me suscitou e pôs na ideia daquela nova obra; e também a saúde desta guarnição, porque como a superfície da máxima enchente do Paraguai fica quase de nível com o solo e pavimento deste Presídio, sucede que no dito tempo fica [...] como um receptáculo de víboras, sapos, e outros insetos venenosos além da muita umidade que o cerca. O que o faz sumamente doentio.

 

e principal razão daquela obra, além da referida, consiste que, resultando das três últimas expedições espanholas contra os Guaicurus, que se tinham acolhido e abrigado nos terrenos que formam o Rio Mondego, ou Emboteteu, o Domínio Português, que estes índios segundo a paz que tinham contraído com os Portugueses, esperando que nós os coadjuvássemos no seu despique ([5]), acharam pelo contrário só uma tácita negativa e repulsa dissuadindo-os dos seus intentos hostis, coibindo-os e embaraçando-os, e ainda com violência, motivo por que veio a maior parte deles a mostrar manifesto alvoroto ([6]) derramando-se entre todos o conceito de que os Portugueses os queriam entregar à vingança dos Espanhóis. Conceito, segundo eles constantemente contam, lhes é ministrado pelos Guaicurus, do Capitão-general Montenegro, que vive próximo a Bourbon, com paz e aliança com eles, Espanhóis. Com que fez que alguns se retirassem mais para o interior do país e que outros, em magotes ([7]), dessem sinais da sua costumada cantiga pérfida, chegando a ameaçar-nos e a virem algumas e imprevistas vezes arrostar este Presídio, e só a grande vigilância, que houve com reforçadas e armadas patrulhas faria talvez ver, ineficazes os seus denegridos e bárbaros projetos, e que à vista de todo o referido, vendo-me dentro de uma Estacada podre, [...]

 

    índios por vezes, para entrarem, arrancarem alguns paus, tudo me obrigou a urgentíssima precisão da segurança deste Presídio, e da sua diminuta Guarnição, construindo na ponta do morro conjunta a ele um muro de pedra e barro para formar um recinto que lhes fosse menos acessível, e não pudessem queimá-lo, e arrancar-lhe alguns paus.

 

Assim, Ilm° e Exm° Senhor lanço sobre eles, espanhóis, a causa desta nova Fortificação, e espero talvez até o fim de maio o dito protesto, e se a V. Exª lhe parecer, que esta minha resposta não é coerente, nem correlativa ao estado político e críticas circunstâncias, em que se acha esta Fronteira me faça V. Exª especial graça em insinuar-me o que devo dizer, pois tenho amor próprio, como a minha reputação, inda que afigure para com estes Espanhóis com luzes alheias, muito Superiores a minha fraca instrução. (MELLO)

 

Filmete

 

https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU

 

 

Bibliografia

 

FILHO, Virgílio Alves Correia. Ricardo Franco de Almeida Serra – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Volume 243 – Departamento de Imprensa Nacional, abril-junho 1959.

 

MELLO, Raul Silveira de. História do Forte de Coimbra – Brasil –Campo Grande, MS – IHGMS, 2014.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Revés: flanco.

[2]    Tinta da China: nanquim.

[3]    Padrasto: que domina o terreno.

[4]    Paul: área plana de abundante vegetação que permanece grande parte do tempo inundada.

[5]    Despique: na sua vingança.

[6]    Alvoroto: alvoroço.

[7]    Magotes: bandos.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuarta-feira, 25 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas  T

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira  O jornalista H

Gente de Opinião Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)