Terça-feira, 15 de junho de 2021 - 06h02
Bagé, 15.06.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XVIII
Forte Olimpo ‒ Forte Coimbra ‒ IV
SEXTA PARTE – IV CAPÍTULO
Fundação do Presídio de Miranda e mais Providências de
Ricardo Franco na Fronteira Sul
Em ofício de 09.11.1802,
Ricardo Franco esclarece:
Em 16 de setembro de 1801,
dia da chegada dos espanhóis, mal eles dobraram a ponta da Ilha ([1])
e se expuseram em franquia [...]. Está bem claro que a frota castelhana, assim
que ultrapassou a ponta Norte da Ilha do Coração, tomou o dispositivo de
combate e abriu fogo contra o Forte. Quanto, porém, a quem coube a iniciativa
do rompimento do fogo, subsistia até hoje divergência entre as duas partes de
combate e a intimação de Lázaro de Ribera. Este alega que teve “el honor de contestar el fuego de ese Fuerte”,
e Ricardo Franco, pelo contrário, faz entender, numa e noutra parte, que a
frota castelhana, vencida a ponta Norte da Ilha, pôs-se em franquia e abriu
fogo. Estava eu na firme suposição, pouco antes, de que a abertura de fogo
partira da frota castelhana e não de Ricardo Franco. E entendi ainda que o
dizer de Lázaro de Ribera “contestar el
fuego” ‒ não significava uma réplica, mas um jogo de palavras, de que ele
era fértil, para descartar-se da responsabilidade do rompimento sem prévio
sinal, pois que, no ataque paraguaio de 1864, Barrios só desencadeou o canhoneio
após a troca de mensagens.
Tal suposição, porém, se
desvaneceu de todo quando deparei, por último, um apógrafo ([2])
da Biblioteca Nacional, em que se contém o relato principal ([3])
de Ricardo Franco sobre o ataque. Nesse documento, o grande soldado põe em
evidência que os primeiros disparos não partiram da frota castelhana, mas dos
canhões do Forte.
Registro de Ordens do Forte (R.F.A.S.)
No dia 16.09.1801, a favor
de um vento Sul, se viram vir remontando o Paraguai três grandes sumacas
espanholas, um grande barco, e vinte e tantas canoas pequenas; e pelas 4 horas
da tarde desse dia, tendo entrado pelo canal d’além da Ilha, e vencida a sua
ponta de cima, iam navegando o Paraguai, pelo lado oposto a este Forte.
Mandei-lhe fazer um tiro com a maior peça que tinha, de calibre 1, e levantar a
bandeira, e continuando a navegação lhe mandei fazer segundo; então içou o
inimigo a bandeira, e logo uma sumaca, e depois outras duas fizeram fogo
aturado até as Ave Marias ([4]).
(MELLO)
Continuando com o escritor Virgílio
Correia Filho:
No dia 17.09.1801, por
volta das oito horas da manhã, depois de içarem a bandeira branca, o Tenente D.
José Theodoro Fernandes entregou uma carta a Ricardo Franco com o seguinte
teor:
Ayer a la tarde, tuve el honor de contestar el fuego que V. S. me
hizo; y habiendo reconocido en aquellas circunstancias que las fuerzas con que
voy inmediatamente atacar ese Fuerte son muy superiores a las de V. S., no
puedo menos de vaticinarle el último infortunio; pero, como los vasallos de S.
M. Católica saben respetar las leyes de la humanidad, aun en medio de la misma
guerra, requiero, por tanto, a V. S. se rinda prontamente a las armas del Rey
mi Amo pues de lo contrario el cañón y la espada decidirán la suerte de
Coímbra, sufriendo su desgraciada guarnición todas las extremidades de la
guerra, de cuyos estragos se verá libre si V. S. conviene con mi propuesta,
contestándome categóricamente en el término de una hora. A bordo de la sumaca
Nuestra Señora del Carmen, 17.09.1801.
Sor Comandante del Fuerte de Coímbra.
De V. S. su atento y reverente servidor – Lázaro de Ribera.
Não necessitaria Ricardo
Franco do prazo marcado para a resposta. Pesando bem as palavras e as
consequências, retruca em termos incisivos.
Ilm° e Exm° Sr.
Tenho a honra de responder
categoricamente a V. Exª que a desigualdade de forças sempre foi um estímulo
que muito animou os portugueses, por isso mesmo, a não desampararem os seus
postos e defendê-los, até as suas extremidades, ou de repelir o inimigo ou
sepultar-se debaixo das ruínas dos Fortes que se lhes confiaram: nesta
resolução se acham todos os defensores deste presídio ([5]), que têm a honra de ver em
frente a excelsa pessoa de V. Exª a quem Deus guarde muitos anos.
Coimbra, 17.09.1801.
Ricardo Franco de Almeida
Serra.
Não tinha, na frase, a
fanfarronice do agressor, nem os recursos bélicos de que este se achava munido,
mas sabia cumprir heroicamente o seu dever. (FILHO)
Voltando com o memorialista do Forte
Coimbra – General Raul Silveira de Mello:
No dia 17.09.1801, pelas
20h00, saíram seis canoas espanholas rio acima, e dobrada a ponta do estirão,
fizeram fogo de mosquete em que deram 60 tiros contra canoas que se supôs
seriam alguns desertores.
Em 18.09.1801, pelo
meio-dia, desaferrando do ponto onde estavam, avançaram a reboque até mais da
metade do Rio, e postas as três sumacas em batalha, fizeram um fogo terrível
sobre a Praça por mais de três horas; e vendo que a nossa artilharia, pelo seu
pequeno calibre e curto alcance não os ofendia, vieram a reboque, encostando-se
à margem do Poente do Rio, e descendo até emboscarem pelo campo, que estava
alagado, pouco acima da Boca chamada Barrinha, a primeira e segunda já estavam
ancoradas, os inimigos todos fardados, e armados de espada e armas, e gente
embarcada nas canoas pequenas para desembarque, quando, fazendo-se fogo de
mosquete sobre as duas primeiras que avançaram, em uma caíram 5 homens ao Rio,
na outra 2 fazendo-se igualmente fogo sobre as mesmas sumacas, que deixou a
gente exposta por um movimento de leme mal executado, com o que se retiraram
para o meio do Rio. Esta ação durou 4 horas, e de noite se foram ancorar no
pouso da noite antecedente.
Dia 19.09.1801, desde as
24h00 do dia antecedente até a tarde deste dia, nos fizeram um fogo constante e
vago das 3 sumacas, e findo eles levantaram ferros e desceram o Rio pelo Canal
de lá da Ilha que saltaram, e vieram a fundear no Canal de cá, de frente da
Horta do Paratudo, de onde continuaram o fogo. Dia 20.09.1801 continuaram o
mesmo fogo.
No dia 21.09.1801
continuaram o mesmo fogo contra o portão, saltaram alguns em terra, apesar de
estar ainda cheia de lodo, e alguma água da cheia, e principiaram a colher
cebolas e couves da horta, e depois a laçar porcos e gado que ali encontraram;
nesta diligência os colheu de emboscada o Anspeçada ([6])
de pedestres Joaquim de Souza Buenavides, com 10 pessoas armadas, que deram 10
tiros com os quais ficou um Espanhol morto no lugar, dois mortalmente feridos,
que os Castelhanos conduziram às costas, e outros três bem feridos, que foram
conduzidos e arrastados pelos braços dos outros.
Em 22.09.1801, fizeram um
ativo fogo, advertindo que as peças eram de calibre 8, 6, 4, e 3, e uma sumaca
se veio postar na ponta da Ilha, sobre a qual fizemos fogo com a peça de um,
suposto que por elevação, porém ativo; ela quis se retirar, o General a mandou
ficar no seu posto, começou a fazer água, e querendo passar duas canoas da
ponta da Ilha para adiante, com o fogo de mosquete, que se lhe fez, se
retiraram. Não se continuando o fogo sobre aquela próxima sumaca, por haverem
apenas 23 balas do dito calibre 1, que se guardaram enquanto se não fizeram
outras de chumbo, para alguma ocasião em que as ditas sumacas estivessem mais
próximas, ou para algum desembarque.
No dia 23.09.1801, não
houve fogo, ocuparam-se no conserto da sumaca, e em aterrar o terreno para a
descarregarem.
Em 24.09.1801, finalmente
postas as três sumacas em linha atravessando o Rio, e muito próximo do Forte,
principiaram pelas três horas da tarde, uma depois das outras, um terrível fogo
na frente do portão em que deram 100 tiros até as Ave-Marias, uma sumaca foi
postar-se na ponta da Ilha, e as outras duas à margem fronteira a ela, e pelas
20h00, com o grande escuro que fazia, desceram o Rio, foram pousar no lugar do
Rebojo, e se retiraram. [...]. (MELLO)
As autoridades, tão logo chegou o
pedido de socorro do Tenente-Coronel Ricardo Franco, buscaram, imediatamente,
tomar as urgentes e devidas providências.
O Capitão-general Caetano Pinto de
Miranda Montenegro determinou ao Mestre de Campo José Peres Falcão das Neves,
que selecionasse Oficiais e Praças que deveriam acompanhá-lo em socorro da
fronteira, e ao Juiz de Fora Joaquim Ignácio da Silveira Motta que
providenciasse gêneros e munições para a Expedição.
Estas medidas estavam em andamento
quando chegou, a 16.09.1801, a notícia de que o Forte fora atacado por três
embarcações espanholas. Relata-nos o General Raul Silveira de Mello:
Registro de Ordens do Forte (R.F.A.S.)
Sobre os socorros pedidos, o Ten Francisco Rodrigues, Comandante de Miranda, com 5 canoas com mantimento e 54 pessoas, chegou no dia 02.10.1801 ao lugar do Piúva e de Vila Bela, em 13.11.1801, chegou o Cap de Milícias Francisco José Freitas, e o Quartel Mestre José de Brito Freire, o Cb de Dragões Antonio Pinto da Fonseca e o Anspeçada Paulo Pires do Amaral, conduzindo 2 peças de bronze de calibres 3, e alguns petrechos.
O socorro pedido a Cuiabá,
com 3 meses de demora e conduzido pelo Ten-Cel Cândido Xavier de Almeida e
Souza, chegou no dia 23.11.1801, chegando apenas a Coimbra, dos 300 homens que
vinham de reforços, 100 milicianos, além de 50 remeiros de que se compôs a dita
Expedição. (MELLO)
Encerrando com Virgílio Correia Filho:
O Tratado de Paz de
Badajós, 06.06.1801, certamente homologaria a conquista, como sucedeu no Rio
Grande do Sul, em relação aos Sete Povos das Missões. Tal não aconteceu,
todavia, mercê da presença do intrépido paladino e de sua atuação militar,
enaltecida pelo Capitão-general a Rodrigo de Souza Coutinho.
Escudado em sua própria
construção, resistiu bravamente ao inimigo, apesar de dispor apenas de 37
dragões, 12 pedestres, 60 paisanos, vinte dos quais eram “Henriques Velhos” ([7]), que rechaçaram a fúria de
mais de 600 atacantes. (FILHO)
A atitude heroica do Cel Ricardo
Franco de Almeida Serra foi uma valiosa contribuição ao espírito valente e
soberano do povo brasileiro. Nada mais justo então que hoje, três de agosto,
seus discípulos, integrantes do Quadro de Engenheiros Militares, rendam merecida
homenagem ao seu ilustre Patrono.
Canção do Quadro de Engenheiros Militares
(Cel QEM Gilberto
Gonçalves de Lima)
Para frente, Engenheiros Militares!
Trabalhemos, com toda a união
E a pureza dos tempos escolares,
No fiel cumprimento da missão,
Sempre avante, Engenheiros sem abandono,
Da coragem na defesa
De nossa terra
Inspirado no exemplo do teu Patrono:
Cel Ricardo Franco de Almeida Serra!
Combatentes da tecnologia
Pela Pátria devemos nos impor;
Conjugando saber e valentia,
Nós do QEM: lutaremos sem temor!
Sempre avante, Engenheiros sem abandono,
Da coragem na defesa
De nossa terra
Inspirado no exemplo do teu Patrono:
Cel Ricardo Franco de Almeida Serra!
Certamente, o nobre Engenheiro
Tem no peito a fibra varonil.
É vibrante, veraz e, altaneiro,
Segue honrado, de pé pelo Brasil!
Dos projetos maiores à história
Vem provar a dedicação inteira
De Engenheiros que doam vida e glória
À
Força Terrestre brasileira.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
Bibliografia
FILHO, Virgílio Alves Correia. Ricardo
Franco de Almeida Serra – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral
do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Volume 243 – Departamento de
Imprensa Nacional, abril-junho 1959.
MELLO, Raul Silveira de. História
do Forte de Coimbra – Brasil –Campo Grande, MS – IHGMS, 2014.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Ilha: Ilha do Coração.
[2] Um apógrafo: uma cópia.
[3] Relato principal: Ordens.
[4] Ave Marias: 18h00.
[5] Presídio: Praça de guerra.
[6] Anspeçada: nome que se dava antigamente ao posto militar acima de
Soldado e subordinado ao Cabo.
[7] Henriques: dois
regimentos havia em Pernambuco em que soldados e oficiais todos deviam ser
pretos, chamavam-se um dos velhos e outro dos novos Henriques. Brancas eram as
fardas com vivos escarlates, o aspecto militar e de impor a disciplina em nada
inferior à dos outros regimentos. Nem soldados nem oficiais recebiam soldo,
satisfeitos com a honra do serviço, e dava este sentimento seguro penhor da sua
fidelidade. (SOUTHEY, Volume VI)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H