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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCXXXVIII - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – XVIII Forte Olimpo ‒ Forte Coimbra ‒ IV


A Terceira Margem – Parte CCXXXVIII  -  Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – XVIII  Forte Olimpo ‒ Forte Coimbra ‒ IV - Gente de Opinião

Bagé, 15.06.2021

 

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XVIII

 

Forte Olimpo ‒ Forte Coimbra ‒ IV

 

SEXTA PARTE – IV CAPÍTULO

 

Fundação do Presídio de Miranda e mais Providências de Ricardo Franco na Fronteira Sul

 

Em ofício de 09.11.1802, Ricardo Franco esclarece:

 

Em 16 de setembro de 1801, dia da chegada dos espanhóis, mal eles dobraram a ponta da Ilha ([1]) e se expuseram em franquia [...]. Está bem claro que a frota castelhana, assim que ultrapassou a ponta Norte da Ilha do Coração, tomou o dispositivo de combate e abriu fogo contra o Forte. Quanto, porém, a quem coube a iniciativa do rompimento do fogo, subsistia até hoje divergência entre as duas partes de combate e a intimação de Lázaro de Ribera. Este alega que teve “el honor de contestar el fuego de ese Fuerte”, e Ricardo Franco, pelo contrário, faz entender, numa e noutra parte, que a frota castelhana, vencida a ponta Norte da Ilha, pôs-se em franquia e abriu fogo. Estava eu na firme suposição, pouco antes, de que a abertura de fogo partira da frota castelhana e não de Ricardo Franco. E entendi ainda que o dizer de Lázaro de Ribera “contestar el fuego” ‒ não significava uma réplica, mas um jogo de palavras, de que ele era fértil, para descartar-se da responsabilidade do rompimento sem prévio sinal, pois que, no ataque paraguaio de 1864, Barrios só desencadeou o canhoneio após a troca de mensagens.

 

Tal suposição, porém, se desvaneceu de todo quando deparei, por último, um apógrafo ([2]) da Biblioteca Nacional, em que se contém o relato principal ([3]) de Ricardo Franco sobre o ataque. Nesse documento, o grande soldado põe em evidência que os primeiros disparos não partiram da frota castelhana, mas dos canhões do Forte.

 

Registro de Ordens do Forte (R.F.A.S.)

 

No dia 16.09.1801, a favor de um vento Sul, se viram vir remontando o Paraguai três grandes sumacas espanholas, um grande barco, e vinte e tantas canoas pequenas; e pelas 4 horas da tarde desse dia, tendo entrado pelo canal d’além da Ilha, e vencida a sua ponta de cima, iam navegando o Paraguai, pelo lado oposto a este Forte. Mandei-lhe fazer um tiro com a maior peça que tinha, de calibre 1, e levantar a bandeira, e continuando a navegação lhe mandei fazer segundo; então içou o inimigo a bandeira, e logo uma sumaca, e depois outras duas fizeram fogo aturado até as Ave Marias ([4]). (MELLO)

 

Continuando com o escritor Virgílio Correia Filho:

 

No dia 17.09.1801, por volta das oito horas da manhã, depois de içarem a bandeira branca, o Tenente D. José Theodoro Fernandes entregou uma carta a Ricardo Franco com o seguinte teor:

 

Ayer a la tarde, tuve el honor de contestar el fuego que V. S. me hizo; y habiendo reconocido en aquellas circunstancias que las fuerzas con que voy inmediatamente atacar ese Fuerte son muy superiores a las de V. S., no puedo menos de vaticinarle el último infortunio; pero, como los vasallos de S. M. Católica saben respetar las leyes de la humanidad, aun en medio de la misma guerra, requiero, por tanto, a V. S. se rinda prontamente a las armas del Rey mi Amo pues de lo contrario el cañón y la espada decidirán la suerte de Coímbra, sufriendo su desgraciada guarnición todas las extremidades de la guerra, de cuyos estragos se verá libre si V. S. conviene con mi propuesta, contestándome categóricamente en el término de una hora. A bordo de la sumaca Nuestra Señora del Carmen, 17.09.1801.

 

Sor Comandante del Fuerte de Coímbra.

 

De V. S. su atento y reverente servidor – Lázaro de Ribera.

 

Não necessitaria Ricardo Franco do prazo marcado para a resposta. Pesando bem as palavras e as consequências, retruca em termos incisivos.

 

Ilm° e Exm° Sr.

 

Tenho a honra de responder categoricamente a V. Exª que a desigualdade de forças sempre foi um estímulo que muito animou os portugueses, por isso mesmo, a não desampararem os seus postos e defendê-los, até as suas extremidades, ou de repelir o inimigo ou sepultar-se debaixo das ruínas dos Fortes que se lhes confiaram: nesta resolução se acham todos os defensores deste presídio ([5]), que têm a honra de ver em frente a excelsa pessoa de V. Exª a quem Deus guarde muitos anos.

 

Coimbra, 17.09.1801.

 

Ricardo Franco de Almeida Serra.

 

Não tinha, na frase, a fanfarronice do agressor, nem os recursos bélicos de que este se achava munido, mas sabia cumprir heroicamente o seu dever. (FILHO)

 

Voltando com o memorialista do Forte Coimbra – General Raul Silveira de Mello:

 

No dia 17.09.1801, pelas 20h00, saíram seis canoas espanholas rio acima, e dobrada a ponta do estirão, fizeram fogo de mosquete em que deram 60 tiros contra canoas que se supôs seriam alguns desertores.

 

Em 18.09.1801, pelo meio-dia, desaferrando do ponto onde estavam, avançaram a reboque até mais da metade do Rio, e postas as três sumacas em batalha, fizeram um fogo terrível sobre a Praça por mais de três horas; e vendo que a nossa artilharia, pelo seu pequeno calibre e curto alcance não os ofendia, vieram a reboque, encostando-se à margem do Poente do Rio, e descendo até emboscarem pelo campo, que estava alagado, pouco acima da Boca chamada Barrinha, a primeira e segunda já estavam ancoradas, os inimigos todos fardados, e armados de espada e armas, e gente embarcada nas canoas pequenas para desembarque, quando, fazendo-se fogo de mosquete sobre as duas primeiras que avançaram, em uma caíram 5 homens ao Rio, na outra 2 fazendo-se igualmente fogo sobre as mesmas sumacas, que deixou a gente exposta por um movimento de leme mal executado, com o que se retiraram para o meio do Rio. Esta ação durou 4 horas, e de noite se foram ancorar no pouso da noite antecedente.

 

Dia 19.09.1801, desde as 24h00 do dia antecedente até a tarde deste dia, nos fizeram um fogo constante e vago das 3 sumacas, e findo eles levantaram ferros e desceram o Rio pelo Canal de lá da Ilha que saltaram, e vieram a fundear no Canal de cá, de frente da Horta do Paratudo, de onde continuaram o fogo. Dia 20.09.1801 continuaram o mesmo fogo.

 

No dia 21.09.1801 continuaram o mesmo fogo contra o portão, saltaram alguns em terra, apesar de estar ainda cheia de lodo, e alguma água da cheia, e principiaram a colher cebolas e couves da horta, e depois a laçar porcos e gado que ali encontraram; nesta diligência os colheu de emboscada o Anspeçada ([6]) de pedestres Joaquim de Souza Buenavides, com 10 pessoas armadas, que deram 10 tiros com os quais ficou um Espanhol morto no lugar, dois mortalmente feridos, que os Castelhanos conduziram às costas, e outros três bem feridos, que foram conduzidos e arrastados pelos braços dos outros.

 

Em 22.09.1801, fizeram um ativo fogo, advertindo que as peças eram de calibre 8, 6, 4, e 3, e uma sumaca se veio postar na ponta da Ilha, sobre a qual fizemos fogo com a peça de um, suposto que por elevação, porém ativo; ela quis se retirar, o General a mandou ficar no seu posto, começou a fazer água, e querendo passar duas canoas da ponta da Ilha para adiante, com o fogo de mosquete, que se lhe fez, se retiraram. Não se continuando o fogo sobre aquela próxima sumaca, por haverem apenas 23 balas do dito calibre 1, que se guardaram enquanto se não fizeram outras de chumbo, para alguma ocasião em que as ditas sumacas estivessem mais próximas, ou para algum desembarque.

 

No dia 23.09.1801, não houve fogo, ocuparam-se no conserto da sumaca, e em aterrar o terreno para a descarregarem.

 

Em 24.09.1801, finalmente postas as três sumacas em linha atravessando o Rio, e muito próximo do Forte, principiaram pelas três horas da tarde, uma depois das outras, um terrível fogo na frente do portão em que deram 100 tiros até as Ave-Marias, uma sumaca foi postar-se na ponta da Ilha, e as outras duas à margem fronteira a ela, e pelas 20h00, com o grande escuro que fazia, desceram o Rio, foram pousar no lugar do Rebojo, e se retiraram. [...]. (MELLO)

 

As autoridades, tão logo chegou o pedido de socorro do Tenente-Coronel Ricardo Franco, buscaram, imediatamente, tomar as urgentes e devidas providências.

 

O Capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro determinou ao Mestre de Campo José Peres Falcão das Neves, que selecionasse Oficiais e Praças que deveriam acompanhá-lo em socorro da fronteira, e ao Juiz de Fora Joaquim Ignácio da Silveira Motta que providenciasse gêneros e munições para a Expedição.

 

Estas medidas estavam em andamento quando chegou, a 16.09.1801, a notícia de que o Forte fora atacado por três embarcações espanholas. Relata-nos o General Raul Silveira de Mello:

 

Registro de Ordens do Forte (R.F.A.S.)

 

Sobre os socorros pedidos, o Ten Francisco Rodrigues, Comandante de Miranda, com 5 canoas com mantimento e 54 pessoas, chegou no dia 02.10.1801 ao lugar do Piúva e de Vila Bela, em 13.11.1801, chegou o Cap de Milícias Francisco José Freitas, e o Quartel Mestre José de Brito Freire, o Cb de Dragões Antonio Pinto da Fonseca e o Anspeçada Paulo Pires do Amaral, conduzindo 2 peças de bronze de calibres 3, e alguns petrechos. 

 

O socorro pedido a Cuiabá, com 3 meses de demora e conduzido pelo Ten-Cel Cândido Xavier de Almeida e Souza, chegou no dia 23.11.1801, chegando apenas a Coimbra, dos 300 homens que vinham de reforços, 100 milicianos, além de 50 remeiros de que se compôs a dita Expedição. (MELLO)

 

Encerrando com Virgílio Correia Filho:

 

O Tratado de Paz de Badajós, 06.06.1801, certamente homologaria a conquista, como sucedeu no Rio Grande do Sul, em relação aos Sete Povos das Missões. Tal não aconteceu, todavia, mercê da presença do intrépido paladino e de sua atuação militar, enaltecida pelo Capitão-general a Rodrigo de Souza Coutinho.

 

Escudado em sua própria construção, resistiu bravamente ao inimigo, apesar de dispor apenas de 37 dragões, 12 pedestres, 60 paisanos, vinte dos quais eram “Henriques Velhos” ([7]), que rechaçaram a fúria de mais de 600 atacantes. (FILHO)

 

 

A atitude heroica do Cel Ricardo Franco de Almeida Serra foi uma valiosa contribuição ao espírito valente e soberano do povo brasileiro. Nada mais justo então que hoje, três de agosto, seus discípulos, integrantes do Quadro de Engenheiros Militares, rendam merecida homenagem ao seu ilustre Patrono.

 

Canção do Quadro de Engenheiros Militares

(Cel QEM Gilberto Gonçalves de Lima)

 

Para frente, Engenheiros Militares!

Trabalhemos, com toda a união

E a pureza dos tempos escolares,

No fiel cumprimento da missão,

Sempre avante, Engenheiros sem abandono,

Da coragem na defesa

De nossa terra

Inspirado no exemplo do teu Patrono:

Cel Ricardo Franco de Almeida Serra!

Combatentes da tecnologia

Pela Pátria devemos nos impor;

Conjugando saber e valentia,

Nós do QEM: lutaremos sem temor!

Sempre avante, Engenheiros sem abandono,

Da coragem na defesa

De nossa terra

Inspirado no exemplo do teu Patrono:

Cel Ricardo Franco de Almeida Serra!

Certamente, o nobre Engenheiro

Tem no peito a fibra varonil.

É vibrante, veraz e, altaneiro,

Segue honrado, de pé pelo Brasil!

Dos projetos maiores à história

Vem provar a dedicação inteira

De Engenheiros que doam vida e glória

À Força Terrestre brasileira.

 

Filmete

 

https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU

 

Bibliografia

 

FILHO, Virgílio Alves Correia. Ricardo Franco de Almeida Serra – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Volume 243 – Departamento de Imprensa Nacional, abril-junho 1959.

 

MELLO, Raul Silveira de. História do Forte de Coimbra – Brasil –Campo Grande, MS – IHGMS, 2014.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

 

 



[1]   Ilha: Ilha do Coração.

[2]   Um apógrafo: uma cópia.

[3]   Relato principal: Ordens.

[4]   Ave Marias: 18h00.

[5]   Presídio: Praça de guerra.

[6]   Anspeçada: nome que se dava antigamente ao posto militar acima de Soldado e subordinado ao Cabo.

[7]   Henriques: dois regimentos havia em Pernambuco em que soldados e oficiais todos deviam ser pretos, chamavam-se um dos velhos e outro dos novos Henriques. Brancas eram as fardas com vivos escarlates, o aspecto militar e de impor a disciplina em nada inferior à dos outros regimentos. Nem soldados nem oficiais recebiam soldo, satisfeitos com a honra do serviço, e dava este sentimento seguro penhor da sua fidelidade. (SOUTHEY, Volume VI)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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