Segunda-feira, 21 de março de 2022 - 09h52
Bagé, 21.03.2022
(Menelaos Stephanides)
– Do apoio de Hera vocês já
sabem, mas vocês também têm Atena a seu lado.
– Todas as noites, a deusa da
sabedoria aparecia em meus sonhos e me aconselhava sobre o que eu devia fazer
para tornar nosso navio ainda mais forte e seguro.
– Pois, embora Atena sempre
ajude os artesãos, ela também protege os corajosos e destemidos.
– Vocês fizeram do velo de
ouro sua meta.
– Essa é uma ambição elevada,
justa e que
vale qualquer risco.
– Vocês são fortes e
corajosos, os deuses estão com vocês, e os homens admiram sua coragem.
– Vocês têm um navio como
jamais o mundo viu igual.
– Sigam corajosamente e,
então, a labuta de meus artesãos e a minha estarão verdadeiramente
recompensadas, quando vocês retornarem vitoriosos.
– Suas boas palavras
nos deram confiança e coragem, mestre construtor – disse Jasão em resposta.
– No início nós
esperávamos ter sucesso; agora temos certeza disso.
– Mas eu tenho algo
a acrescentar: agora que o navio está pronto, precisamos dar-lhe um nome.
– Argo! – gritou
alguém.
– Argo! – disse
outra voz.
– Argo! – gritaram
todos.
– E todos nós
seremos argonautas –
completou Jasão, abraçando Argos.
A
logística para o cumprimento desta missão, coordenada pelo 2° Grupamento de
Engenharia, comandado pelo meu amigo de longa data e de outras eras General de
Brigada Paulo Roberto Viana Rabelo, teve início em julho deste ano com o
transporte, pelo Rio Amazonas, do meu caiaque “Argo” que se encontrava no 8° Batalhão de Engenharia de Construção
(8° BEC – Santarém, PA) para o 2° Gpt E (Manaus, AM), daí, pelo Rio Madeira,
para o 5° Batalhão de Engenharia de Construção (5° BEC – Porto Velho, RO),
seguindo via rodoviária (BR-364) até o 7° Batalhão de Engenharia de Construção
(7° BEC – Rio Branco, AC). Uma manobra que aproveitou o transporte de cargas
efetuado regularmente por estas unidades sem ônus para os cofres públicos. Enquanto
meu caiaque seguia seu curso rumo ao Acre eu participava no final de julho,
como palestrante, do aniversário do 2° Gpt E, no início de agosto de um
Simpósio no Forte Copacabana, RJ, e, logo em seguida, da 3ª Fase da Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon, desde a Foz do Rio Apa no Rio Paraguai até a
Cidade de Cáceres, MS.
Concluída
a Expedição Centenária, parti para Rio Branco, AC, onde cheguei na madrugada de
02 de setembro. No aeroporto me aguardavam um motorista do 7° BEC e Coronel
QOBM Flávio Ferreira Pires que fora contatado pelo meu dileto amigo e grande
Navegador Coronel Sérgio Pastl, ex-instrutor do Cel Pires.
O
Cel Pires me obsequiou, no almoço, com um excelente churrasco e, de sobremesa,
um delicioso açaí cremoso e à noite acompanhei o Cel Luís Henrique Santos
Franco, Comandante do 7° BEC, e sua querida família até o Shopping Via Verde.
Domingo
(03.09) ultimei os preparativos para a jornada e, no dia seguinte, 04 de
setembro, de manhã, o Major Luciano Flávio Almeida de Lima me apresentou Cel
QOBM Roney Cunha da Conceição, Comandante dos Bombeiros Militares do Acre, que
hipotecou total apoio à nossa missão em Epitaciolândia e Xapuri e acompanhou
passo a passo nossa jornada. O Cel Luís Henrique Santos Franco, Cmt do 7° BEC
designou o Major Luciano Flávio e a Sargento Andréia Pontes de Oliveira, da
Comunicação Social, como nossos elementos de ligação.
Por
volta das 10h00, partimos, para Assis Brasil, AC, eu e o Cabo Alexandre Soares Peixoto,
do 7° BEC, levando o caiaque, equipamentos eletrônicos, tralhas de navegação e
acampamento. Chegamos à tarde ao nosso destino, 2° Pelotão Especial de
Fronteira, onde fomos cordialmente recebidos pelo 1° Tenente Cesse que me levou
pessoalmente até cidade para adquirir alguns itens farmacêuticos e à noite e
brindou-me com um excelente jantar em Iñapari, no restaurante “Cesar Pizzarian”, onde degustei,
seguindo orientação de meu anfitrião, um delicioso prato chamado “Lomo saltado”. O Coronel Francisco
Djalma Cesse da Silva, hoje na reserva, pai do Tenente Cesse, foi Cadete de
infantaria na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), quando eu era
instrutor do Curso de Engenharia daquela modelar Organização Militar.
05.09.2017 – Partida de Iñapari
Acordei
às 04h30, carreguei as tralhas no caiaque que continuava embarcado no caminhão
e, às 05h00, fomos até a margem do Rio Acre, no Peru, de onde parti às 05h30.
Como
nos encontrávamos na estiagem o Rio apresentava extensos bancos de areia que
dificultavam bastante a navegação. O Argo ia arrastando o casco e o leme na
areia e esse atrito exigia um esforço maior na remada. Fazia um ano que não me
dedicava à canoagem e, por isso mesmo, tinha decidido iniciar num ritmo mais
lento adaptando-me progressivamente ao esforço contínuo de remar, no mínimo,
08h30 por dia. Passei, logo adiante, pela confluência do Rio Yaberija com o Rio
Acre – ponto que materializa a Tríplice fronteira entre as cidades de Assis
Brasil (Brasil), Bolpedra (Bolívia) e Iñapari (Peru).
A
fauna neste trecho é extremamente rara. A quantidade de troncos bloqueando o
canal, parcial ou totalmente é enorme, a mata primária das margens inexiste. A
presença massiva de embaúbas (Cecropia pachystachya), que em Tupi-Guarani
significa “árvore de tronco oco”,
também conhecida como embaúva, imbaúba, umbaúba ou ainda “árvore da preguiça”, era significativa.
As
preguiças adoram as folhas jovens e frutos delas e descansam dolentemente nos
seus galhos. São as árvores pioneiras no processo da formação florestal,
resistentes ao Sol intenso, crescem rapidamente em solos pobres, e, por isso
mesmo, verifica-se uma alta concentração delas em áreas recém desmatadas. Os
extensos bancos de areia e troncos forçavam-me, constantemente, a desembarcar
do caiaque e arrastá-lo sob o Sol intenso. A progressão era lenta e penosa e eu
começava a ter dúvidas se conseguiria vencer os quase 190 km que me separavam
de Brasileia em apenas três dias.
Avistei
uma pequena lontra empoleirada em um galho alisando os bigodes, a bombordo,
justamente quando enveredava por um labirinto de troncos, distrai-me e acabei
montado sobre um vigoroso caule, desci, com cuidado, do caiaque me equilibrando
no obstáculo, empurrei o Argo, saltei para o cockpit e continuei minha
exaustiva jornada.
Como bom gaúcho, ia cumprimentando e acenando para os ribeirinhos que encontrava e raramente meu cumprimento era correspondido, principalmente quando se tratava dos emburrados bolivianos. Lembrei-me das palavras do Papa Francisco, e continuei saudando a todos mesmo assim.
Por
volta das 13h00, cruzei por um grupo bastante heterogêneo de pescadores formado
por homens mulheres e crianças embarcados em um grande bote. Extenuado aportei,
às 13h30, em uma praia à margem esquerda de onde se avistava uma pequena
moradia no enorme barranco.
Montei
a barraca preparei o material para o pernoite e escalei o barranco de mais de
30 metros até a pequena casinha com o intuito de conseguir um pouco d’água. Não
havia ninguém na residência, resignado voltei ao acampamento, colhi água do
Rio, com o cantil, e adicionei uma pílula de cloro.
Estava
descansando na tórrida barraca quando apareceu um jovem chamado Paulo, morador
do sítio Bom Jardim, que me convidou a ir até ao seu domicílio para abastecer o
cantil. O Paulo era um dos pescadores que eu avistara pouco antes de aportar,
sua mãe encheu meu segundo cantil e convidou-me a jantar com eles.
Agradeci
a gentileza, o cansaço era tal, que eu não tinha fome, só queria descansar. Por
volta das 20h30, caiu uma chuva torrencial, tive de ficar secando a barraca por
dentro com uma toalhinha, a chuva amainou mas, no intervalo de 30 minutos,
caíram mais duas pancadas.
Total do 1° Dia ‒ Iñapari / AC 01 = 47,6 km
06.09.2017 – Partida do AC 01
Achei
que podia aproveitar a Lua cheia para recuperar o tempo perdido no dia
anterior, afinal o pôr da Lua ocorreria às 04h59 e como começa a clarear por
volta das 05hh0 (nascer do Sol – 05h31) eu teria claridade suficiente para
navegar à noite.
Parti
às 03h50, infelizmente o céu estava totalmente encoberto por plúmbeas nuvens e
eu não podia, infelizmente, contar com claridade do luar.
No
mapa, o curso do Rio logo à frente, apresentava, nitidamente, uma longa
angustura que certamente deveria resultar da mudança do solo marginal. Logo
confirmei minhas expectativas ao encontrar um extenso lajeado, navegando quase
às escuras ouvi um som conhecido de pequenas corredeiras mais à frente.
Acabei
com o caiaque acavalado de lado nas pedras. Abandonei o cockpit, sequei-o,
arrastei o caiaque para longe das pedras e continuei minha viagem. Mais alguns
pequenos contratempos, fruto da escuridão que me cercava, vários desembarques
em bancos de areia e, no resto, a viagem seguia seu curso lento e fatigante
como no dia anterior.
Depois
do quilômetro 90, os bancos de areia foram progressivamente diminuindo, ainda
que volta e meia tivesse de desembarcar. Toda a rotina de tentar identificar o
talvegue, pela correnteza que se formava ao encontrar os entulhos encravados no
leito do Rio ou pelas bolhas ou espumas que acompanham a torrente, tinha
falhado.
Aportei
no quilômetro 100, para esticar as pernas, depois de percorrer pouco mais de 52
km. Tinha de continuar mais um pouco para diminuir a distância a ser percorrida
no terceiro dia. Acampei numa ilhota próxima à margem direita do Rio, num ermo
sem fim. Passei o dia inteiro sem avistar viva alma.
Total do 2° Dia – AC 01 / AC 02 = 55,2 km
Total Parcial ‒ Iñapari / AC 02 = 102,8 km
07.09.2017 – Partida do AC 02
Parti
às 05h10. A navegação transcorreu sem problemas. Os bancos de areia e os
troncos eram raros e podiam ser desviados facilmente. Aportei, por volta das
17h00, depois de remar quase 12 horas sem parar, logo depois da Ponte
Binacional Wilson Pinheiro, que atravessa o Rio Acre ligando a cidade
brasileira de Brasileia à cidade de Cobija, na Bolívia.
Telefonei
para o Comandante do 5° Batalhão de Educação, Proteção e Combate ao Incêndio
Florestal (5° BEPCIF), 1° Ten BM Maricélio Saturnino Souza, e ele destacou uma
equipe de resgate para me levar até a sede do Batalhão.
Fui
devidamente alojado em um quarto com ar-condicionado, banheiro privativo e,
além disso, foi-me colocada uma viatura, que fiz questão de dispensar.
Tinha
programado descansar por um dia, ou dois caso conseguisse contatar o pessoal da
Prefeitura, mas, com o feriadão (08 de setembro era uma sexta-feira) tive de me
contentar com a primeira alternativa. Graças ao 3° Sgt BM Adacir Vivan tive a
oportunidade de conhecer Cobija e o mau humor endêmico dos nativos bolivianos,
à noite jantamos no Restaurante Amarelinho.
Entre
os bombeiros havia um Soldado de Ipixuna, AM, Sd BM José da Cruz Santos da
Silva, que estava estudando medicina em Cobija. Mostrei-lhe um vídeo que fizera
da sua cidade quando desci o Rio Juruá, em 2013, e ele reconheceu a Dona
Consuelo, uma gentil senhora que nos ofereceu a primeira refeição quando ali
aportamos no dia 07.01.2013.
Total do 3° Dia – AC 02 / Epitaciolândia = 85,4 km
Total Geral ‒ Iñapari / Epitaciolândia = 188,2 km
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H