Quarta-feira, 29 de junho de 2022 - 06h05
Bagé, 29.06.2022
A
seguir vamos transcrever, na íntegra, a obra de Ernesto Mattoso (pseudônimo
Silvio Senior) publicadas pela Tipografia Leuzinger, em 1898, sob o título “Limites da República com a Guiana Inglesa –
Memória Justificativa dos Direitos do Brasil” devidamente patrocinadas
pelo Governo do Estado do Amazonas, diretamente interessado e impactado pelos
acontecimentos, que, mais tarde, foram também repercutidas no Jornal do
Commércio do Rio de Janeiro. A obra de Mattoso vai muito além do pontual
incidente com o infeliz Michael Mac Turck merecendo por isso nossa atenção. A
cruel trama inglesa, extremamente ardilosa parece uma obra ficção de Sir Arthur
Conan Doyle. Os Brasileiros de ontem como os de hoje não sabiam com quem
estavam lidando.
Essa
transcrição permitirá que o leitor consiga ter uma visão mais ampla do
desabrochar da intrincada Questão do Pirara e a comparar com os acontecimentos
hodiernos como o aliciamento dos nativos por ONGs estrangeiras e demarcações
sem qualquer embasamento antropológico ou científico.
A
maioria das ONGs que atuam na área atende a inconfessos interesses
estrangeiros, preparando diuturnamente os alicerces que permitirão, no futuro,
a contestação de nossa soberania na Amazônia.
Estado
do Amazonas
Limites
com a Guiana Inglesa
Primeira
Parte
Artigos
publicados no Jornal do Commércio
da
Capital Federal
por
Sílvio Senior (Ernesto Mattoso)
–
Tipografia Leuzinger, 1898 –
Prefácio
Em 1897,
sob o pseudônimo de Sílvio Senior,
conclui uma “Memória justificativa dos
direitos do Brasil” em seus limites com a Guiana Inglesa e o ofereci aos
dois futurosos Estados do Pará e Amazonas, com uma dedicatória nos seguintes
termos:
O que vai desdobrar-se ante os
olhos dos leitores não é o produto de um patriotismo exagerado, nem de argumentos
imaginários, deduções sem base ou alegações não provadas. Estas páginas
compõem-se de fatos, de razões e de documentos do mais alto valor histórico,
com os quais provamos à evidência os direitos do Brasil ao vasto Território que
lhe é disputado por uma poderosa nação, aliás amiga. Dando publicidade ao
nosso modesto trabalho só temos em vista, na esfera de nossos apoucados
recursos, prestar um serviço à nossa grande Pátria, que para a conquista
definitiva do lugar distinto que lhe compete entre as primeiras nações, pela
sua civilização e riquezas, só carece de governos patrióticos que no interior
solidifiquem as instituições, respeitando as leis e as liberdades públicas, e
que nas relações com o estrangeiro sejam hábeis, defendendo com energia
criteriosa e amor pátrio, à luz da justiça, os direitos sagrados da nossa
integridade. Se com estas páginas, pois, conseguirmos o aplauso espontâneo de
nossos concidadãos, ao esforço que fazemos para ser-lhes úteis e dignos do nome
Brasileiro, estará o nosso trabalho largamente recompensado. Aceitem os operosos
Estados do Pará e Amazonas, que constituem esse colosso de progresso e riquezas
chamado – Amazônia – a pequenina oferta do dedicado patrício – Sílvio Senior.
S. Exª o Sr. Dr. José Paes de Carvalho, ilustrado Governador do Estado do
Pará, com o patriotismo que o caracteriza, imediatamente fez imprimir, a
expensas do Estado, o meu folheto, dado à publicidade em maio desse mesmo ano.
Depois disto, voltei à Capital da Guiana Inglesa [Georgetown], onde durante os
11 meses de minha última permanência, como Vice Cônsul do Brasil, adquiri novos
conhecimentos em prol de nossos direitos ao Território que nos querem usurpar.
Chamado, em meu regresso, pelo Exm° Sr. Dr. Fileto Pires Ferreira, patriótico
governador do Amazonas, fui a Manaus, onde recebi de S. Exª honrosa incumbência
de, pelas colunas elo “Jornal do
Commércio”, velho e conceituado órgão da imprensa da Capital Federal,
tornar conhecidos os direitos do nosso adorado Brasil ao Território situado no
Estado do Amazonas, invadido pelos ingleses da Guiana. Publiquei, assim, uma
série de artigos que reuni neste modesto livro, ao qual acompanham em anexo 2
mapas; um que eu mesmo organizei e onde se veem não só todas as linhas
pretendidas e a que é a verdadeira, como a prova latente da invasão dos
ingleses; outro, uma cópia do precioso mapa da comissão do Coronel Carneiro de
Campos, que bem esclarece os nossos legítimos direitos. O livro que publiquei
no ano passado, traduzi-o já para o idioma francês, por ordem também do ilustre
governador do Estado, e será publicado na Europa. Desempenhei-me, portanto, da
distinta comissão com que fui honrado pelo digno Governador do Estado. Faço
votos para que S. Exª e os demais altos poderes do operoso Estado do Amazonas e
os meus concidadãos, principalmente os filhos da opulenta “Amazônia”, reconheçam os esforços que fiz para bem desempenhá-la.
Capital
Federal, 1898. Ernesto
Mattoso
Honrosa Referência
O Jornal do Commércio, órgão
conceituado da imprensa da Capital Federal, em suas “Várias Notícias” em data de 25 de Março de I898, escreve estas
linhas:
Chamamos
a atenção dos leitores para a interessante série de artigos que, com o
pseudônimo de Silvio Senior, está sendo publicada em outra seção desta folha.
Versam
estes escritos sobre os limites do Amazonas com a Guiana Inglesa e são escritos
por pessoa autorizada não só por sua esclarecida inteligência, como pelo
material histórico e topográfico de que dispõe.
Estado
do Amazonas
Limites
com a Guiana Inglesa
Primeira
Parte
Artigos
publicados no Jornal do Commércio
da
Capital Federal
Por
Sílvio Senior (Ernesto Mattoso)
Não há quem ignore que a diplomacia Brasileira está em
negociações com a inglesa para o ajuste final da linha que dividirá as duas
nações: o Brasil pelo Estado do Amazonas e a Grã Bretanha pela sua Guiana.
É propício, portanto, o momento para mostrarmos à nação
inteira, desde o honrado Presidente da República até ao mais modesto cidadão,
os nossos claros direitos ao território que devemos reclamar hoje, como já o
fizemos em passados tempos.
A integridade da
Pátria é assunto da mais alta transcendência; nenhum outro deve merecer mais
estudo, mais sabedoria e mais patriotismo por parte daqueles a quem estão
confiados os seus sagrados direitos. Antes, porém, do histórico e dos documentos
justificativos da nossa legítima propriedade territorial, analisemos a recente
invasão dos ingleses no Contestado.
Em dias de fevereiro último o “Jornal do Commércio” publicou, por transcrição, a notícia de que um
enviado britânico havia plantado o pavilhão inglês em nosso território, e
entregou títulos de nomeação a diversos súbditos de Sua Majestade para o
exercício de público ofício em zona do Brasil.
A “Notícia”, folha da tarde desta capital,
contestou, autorizada pelo governo, declarando que Lord Salisbury, presidente
do conselho de ministros da Inglaterra, já havia ordenado a retirada desse funcionário,
que fora ao Contestado Brasileiro sem ordens ou instruções do governo para
arvorar bandeira, etc. Isso diz o Sr. Marquês de Salisbury, vejamos, porém, o
que se passou. O “The Argosy”, jornal
que se publica na capital da Guiana Inglesa, em seu número de sábado,
13.11.1897, noticiou o seguinte:
Na próxima semana o Sr. Mac
Turck, o infatigável, sairá de Kalacoon em uma viagem de inspeção até o extremo
Sul dos limites da Colônia, onde está a nossa fronteira com a do Brasil. Sua
viagem será feita pelo Essequibo acima até o Rupununi, e daí até onde a canoa
possa navegar. Depois disto, o resto da viagem terá que ser feita a pé e por
alguns dias, através das imensas savanas; as comidas durante esse tempo só
poderão ser obtidas em negócio com os índios, salvo se a espingarda produzir
caça suficiente. A viagem de ida e volta levará cerca de dois meses para fazê-la.
Não é comum que o nosso território naquela direção seja
favorecido com visitas de agentes de
nosso governo, mas é necessário que
elas se façam de quando em quando, para que não se deixem crescer as
malversações sobre os verdadeiros possuidores. O Sr. Mac Turck vai só, isto
quer dizer que não vai nenhum oficial acompanhá-lo e levará os seus remadores
habituais.
Grifamos, em primeiro lugar, o tempo da viagem de ida e volta, para que
fique bem claro que, quando Lord Salisbury diz haver mandado retirar o Sr. Mac
Turck já ele lá não estava, mesmo porque ele não foi para ficar. Mais adiante
grifamos as palavras “agentes do governo”,
para que não escape a circunstância de que esse súdito inglês foi ao Contestado
em caráter oficial, mas continuemos.
O “The Daily Chronicle”
que se publica também em Georgetown, em seu número de domingo, 14.11.1897,
assim se exprime:
O Sr. Mac Turck vai, como
comissário do Distrito dos Rios Essequibo e Pameron, partir em visita oficial de
inspeção
até ao extremo Sul do seu Distrito nos limites com o Brasil. É provável que o
Sr. Mac Turck deva, durante a sua visita, averiguar o que há de verdade
relativamente a certas alegações contra intrusos ou comerciantes que
intitulando-se como emissários diretos do Governador tiram disso proveito,
enganando os índios Macuxí e Uapixanas. É também de esperar que o Sr. Mac
Turck, que vai viajar pelos Rios Essequibo e Rupununi e depois por terra, vá
também estudar
um projeto de estrada que una mais
facilmente as Savanas com Georgetown.
Está, portanto, provado que esse funcionário britânico foi
em visita oficial ordenada por quem podia dar-lhe ordens e recursos e com a
incumbência até de estudar uma estrada por território que não lhes pertence.
Esse mesmo jornal, “The
Daily Chronicle”, em 04.12.1897, assim noticia a partida de Mac Turck:
Visita de Mac Turck à
Fronteira
[Do
nosso correspondente]
O Sr. Mac Turck, C. M. G., saiu
de Kalacoon na segunda-feira de manhã para a fronteira do Brasil. A expedição compõe-se de dois botes, que passaram por
Bartica às 7 horas da manhã, sendo rebocados pela lancha Ismay. Os botes arvoravam as
bandeiras do governo.
O Sr. H. C. Swan, empregado do foro [magistrado auxiliar] foi
nomeado para acompanhar Mac
Turck. Na sua ausência o Sr. A. de Cameron, oficial do ouro, desempenhará os
deveres do Sr. Swan.
Nenhuma dúvida pode, pois, existir sobre o caráter oficial
desta expedição, ordenada pelo governo colonial de Demerara e não sabemos se
com a devida permissão do governo central de S. M. Britânica.
É preciso também saber-se que esse senhor Mac Turck é o
primeiro magistrado de Bartica e tem sido a alma de todas as usurpações
inglesas no território venezuelano.
Esse infatigável,
como lhe chamam na Guiana, é useiro e vezeiro em invasões, mas sempre autorizado
pelos governadores da Colônia.
Em uma de suas expedições ao território alheio, as
autoridades de Venezuela o prenderam, fazendo escoltar até La Guayra, de onde o
embarcaram para Georgetown, afim de ensinar-lhe o caminho legal por onde se vai
de um País a outro, pelos portos abertos e nunca pelos fundos.
Mac Turck, porém, é incorrigível e jamais arrefece a sua
constância em sugestionar aos governadores da Guiana a sua preocupação ardente:
a conquista do território dos vizinhos.
Lord Salisbury, o chefe do gabinete inglês, em sua resposta
telegráfica de tantos de fevereiro, assegura que ia ordenar a retirada de Mac
Turck, quando, entretanto, esse terrível invasor desde 31 de Janeiro já se
achava de volta em Georgetown, como se vê do “The Daily Chronicle”, de 02.02.1898 daquela cidade, que até publica
extenso “interview” ali realizado com
Mac Turck.
Esse
indivíduo não foi ao contestado estabelecer-se: foi distribuir livros ingleses,
nomear capitães entre as tribos indígenas, nomear autoridades entre os ingleses
que lá moram, como o declara no aludido “interview”.
Aconselhar a obediência às leis inglesas, implantar o pavilhão inglês em terra
Brasileira, estudar um projeto de estrada e trazer índios Brasileiros Uapixanas
e Macuxis para a missão de Waraputa, abaixo da Foz do Rupununi, no intento de
aprenderem a língua inglesa e a religião protestante e, quando bem instruídos,
fá-los-á voltar ao território Brasileiro. O que Mac Turck foi fazer no
Contestado, violando sem nenhum rebuço o tratado de neutralidade assinado pelo
Brasil e a Grã-Bretanha em 1842, está bem claro no depoimento do inglês Henri
Melville que abaixo transcrevemos de “O
Rio Negro”, diário de Manaus, em seu número de 17 de Fevereiro último: (Mattoso,
1898) (Continua...)
Bibliografia:
MATTOSO,
Ernesto. Limites da República com a
Guiana Inglesa – Memória Justificativa do Direitos do Brasil – Brasil –
Manaus – Tipografia Leuzinger, 1898.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H