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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CDLVI - Ernesto Mattoso (1898) Parte VII


A Terceira Margem – Parte CDLVI - Ernesto Mattoso (1898) Parte VII - Gente de Opinião

Bagé, 13.07.2022

 

Capítulo III
O Sr. Robert Hermann Schomburgk

Vejamos agora porque alguns políticos ingleses arro­garam-se o direito de querer usurpar-nos tamanha superfície de terra.

Um Sr. Robert Schomburgk, a quem se atribuíam muitos conhecimentos naturalistas, talvez mesmo confundindo-o com o irmão Richard Schomburgk, de méritos incontestáveis, desejando fazer explorações à custa de alguém, pois, para quem não é verdadei­ramente competente, essas viagens constituem excelente emprego, repetimos, esse Sr. Robert Schomburgk, conseguiu ser comissionado em 1834 pela “Geographical Society of London” para que explorasse a Guiana Inglesa no alto Orinoco, o que fez, de 1836 a 1839, publicando um folheto de sua viagem em 1840. Entusiasmado pela beleza e pujança da natureza das regiões que atravessara e desejando continuar tão encantador emprego, e por instigações do célebre Lord Palmerston, engendrou um meio de, excitando o apetite inglês, aconselhá-lo a demarcar os seus limites por Territórios riquíssimos e que deviam pertencer-lhe.

Mr. Berthelot em um relatório que publicou sobre os trabalhos das sociedades geográficas no ano de 1840, refere o seguinte sobre a comissão dada a Schomburgk:

A “Geographical Society of London” comissionou, em 1834, a Mr. R. Schomburgk para que explorasse a Guiana Inglesa e o alto Orenoco; e o Governo Britânico, querendo dar-lhe uma prova manifesta da confiança e estimação que inspiravam seus trabalhos, o encarregara de fixar os limites, até hoje indecisos, entre a Guiana Inglesa e as regiões vizinhas, afim de pôr os débeis restos da população indígena a coberto dos ataques dos brasileiros, que não respeitando nem as leis humanas; nem os direitos políticos das nações, não cessam de dar caça aos infelizes para reduzi-los à escravidão.

Esse tal Mr. Berthelot fez-se eco das amabilidades com que os ingleses costumam mimosear a todos os povos de quem pretendem usurpar qualquer porção de terra. Só eles têm sentimentos bons!

A Grécia entretanto é o exemplo mais recente da “humanidade” inglesa, e o Sr. Gladstone ([1]) que o diga.

O tal Schomburgk foi feliz porque conseguiu ser encarregado pelo Governo Britânico de fixar os ditos limites em 1841. Desta vez, porém, como a exploração era mais séria, resolveu seu irmão Richard a acompanhá-lo. Este, também decidido amigo de explorações por estes países, vasto campo para as suas pesquisas de hábil naturalista, por seu turno arranjou do bolso do Rei da Prússia, os fundos necessários para acompanhar o irmão e prestar-lhe os serviços que os seus conhecimentos deviam fornecer para o bom desempenho da comissão do irmão Robert, que os não tinha.

De fato assim foi, e ambos sempre juntos atraves­saram toda a Guiana, Richard fazendo úteis e com­petentes estudos de naturalista, que constam da sua bela obra impressa em Leipzig e Robert como um novo Jeová a distribuir a seu talante ([2]) a Terra de Promissão.

As linhas divisórias que traçou deslumbraram a In­glaterra, que passou logo a adotá-las, não aceitando outra competência que a do sábio Schomburgk, cujos “divinos” poderes iam ao ponto de anular tratados e romper convênios sagrados e dar e tomar Territórios a quem lhe aprouvesse. E é unicamente na opinião desse senhor, a quem arvorou em “sábio historiador, geógrafo e naturalista”, que se fundam as pretensões da Grã-Bretanha, e é unicamente dele que tira o que julga argumentos justificativos de suas linhas divisórias.

Capítulo IV
Ainda Documentos. Autores Insuspeitos

Resumindo tudo quanto havemos dito no sentido de provar que o Território que reclamamos jamais pertenceu aos holandeses e sim à Espanha, que o cedeu a Portugal, de quem o herdamos, pelos Tratados já referidos de 1750 e 1777, citaremos os mais notáveis autores e documentos que à saciedade confirmam as nossas alegações:

  Sir Walter Raleigh assegura que os espanhóis já possuíam e ocupavam em seu tempo os rios de Barima, Morocó e Pumaron, que seu domínio se estendia até o rio Essequibo, e que segundo documento que encontrou em poder do Governador Don Joseph Antonio Berrio, se havia tornado a tomar solene posse daquelas terras em nome do rei de Espanha no dia 23 de abril de 1593;

  Juan de Laet,·ilustre holandês, confirma as opiniões de Raleigh;.

  John William Norie, geógrafo inglês, em sua descrição da costa da Guiana, em 1828, diz:

A Guiana Britânica se estende “desde o Carawine até o Essequibo”. Esta era a verdadeira extensão da colônia ajustada entre os espanhóis e holandeses pelo Tratado de Münster em 1648, e que “nunca, desde então, foi revogada” ([3]).

  Florentino Grillet, governador de Guiana em sua nota ao governo, 23 de agosto de 1841, também o diz;

  La Condamine, 1743, diz:

Que a Guiana Holandesa começa no rio Marawine “e termina no Essequibo; ficando para a Guiana Espanhola” o país compreendido entre o Essequibo, “onde termina a Colônia Holandesa, e o Orenoco”.

  O “Colombian Navigator”, em 1822, fixa esses limites no rio Essequibo;

  Rafael María Baralt, também assim os fixa em suas obras “Resumen de la Historia de Venezuela desde el año de 1797 hasta el de 1850” e “Memoria sobre límites de Guayana”;

  Depons, na sua “Viagem à terra firme” ([4]), Tomo 3°, pág. 333, designa também os limites entre as Guianas Inglesa e Espanhola, dando-os pela cos­ta, o cabo Nassau e pelo interior o rio Essequibo;

  O Barão Alexander Von Humboldt em sua “Voyage aux régions équinoxiales du Nouveau Continent: fait en 1799, 1800, 1801, 1803 et 1804”, apoiando os seus conceitos nos mapas do Essequibo e Demerara publicados em 1798 pelo Major Buchenroeder, em seu Livro 9, cap. 26, igualmente fixa os limites pelo Cabo Nassau pela costa e “rio Essequibo pelo interior”;

  A “Memoria” do mesmo Humboldt, sobre os limites da Guiana Portuguesa, publicada na coleção diplo­mática de Schoel, é outra afirmação;

  Nicolas María Serrano em seu “Diccionario Univer­sal de la lingua castellana, sciencias y artes”, já citado, é de extrema clareza (1756);

  Spix e Martius, 1820, e Castelneau, em 1838, também exploraram a Guiana e seus livros são dignos de serem lidos;

  Malte-Brun em vários pontos de sua obra robuste­ce as alegações brasileiras de modo irrefutável;

  O Mapa de F. Bianconi dá como venezuelana a linha que os ingleses nos querem tirar;

  O Coronel Codazzi, notável geógrafo, e o próprio Michelena y Rojas, o nosso gratuito inimigo, con­firmam de modo evidente os nossos direitos;

  Dr. R. F. Seijas, notável historiador e jurisconsul­to, na sua importante obra sob o título de “Limites Britânicos de Guiana”, fornece larga cópia de documentos irrefutáveis a nosso favor;

  Antes destes temos os testemunhos do Padre Antonio Caulin, “Historia Coro-graphica Natural y Evangélica de la Nueva Andalucía Provincias de Cumaná, Guayana y Vertientes del Orinoco”, em 1779, J. de Alcalá “Manual de Geographia”, J. M. Restrepo, mapa e “Historia da revolução de Co­lombia”, La Fiteau, “Conquista dos portugueses”, Padre Gumilla e tantos outros autores, alguns dos quase já citados no correr destas linhas, são todos unânimes em fornecer-nos força, lógica e razão às nossas justas reclamações;

Poderá a Inglaterra contrariá-los? Poderá exibir qual­quer documento autêntico para destruir o que aqui se afirma? Não, de certo. O próprio Governo de De­merara em seu ofício de 15 de julho de 1839, como já vimos, confessa não existir nenhum documento que prove os limites da Guiana Inglesa quer ao Sul, quer a Oeste.

Nossos documentos são irrefutáveis, verdadeiros, antigos, autênticos, claros, e como tais não sujeitos a “torcedelas” ([5]) diplomáticas, hoje ridículas ante a civilização e o direito internacional hodierno. Passando aos documentos comprobatórios das nos­sas reclamações, vamos citar, em resumo, alguns deles desde os mais remotos tempos, os quais deve­rão ser estudados por quem tiver que advogar os direitos do Brasil, perante o tribunal a que for incum­bido o julgamento de tão magno assunto.

1493    (04 de maio). Bula do·Papa Alexandre VI, em que especifica os domínios das duas Coroas, de Espanha e de Portugal;

1494    (07 de junho). Tratado de Tordesilhas;

1648    (30 de janeiro). Tratado de Münster entre a Holanda e Espanha, referendado pelo rei Felipe IV, em Madri, aos 3 de março desse mesmo ano;

1713    (13 de julho). Tratado de Utrecht, entre Felipe V de Espanha e a rainha Ana da Inglaterra;

1750    (13 de janeiro). Tratado entre portugueses e espanhóis;

1768    (05 de março). Real Cédula na qual se fixam os limites da Guiana, de acordo com as nossas alegações;

1777    (1° de outubro). Tratado entre Portugal e Espanha.

1778    (11 de Março). Idem idem;

1779    (04 de fevereiro). Instruções da intendência de Caracas para povoar certa parte da Guiana, das quais se deduz que o seu domínio ia só até o Essequibo. Em 1° de novembro desse mesmo ano um comunicado de D. Felipe lnciarte confirma o que referiram as instruções acima;

1780    Comunicados do mesmo Inciarte, importan­tíssimos documentos comprobatórios do limite da Guiana pela parte do Sul da Venezuela;

1791    (23 de junho). Tratado entre Espanha e a Holanda sobre desertores, chamado Tratado de Aranjuez;

1796    Mapas e relatório enviados por D. Francisco Reque­ña ao Príncipe de La Paz, nos quais reconhece o Território descoberto e conquistado pelos portugue­ses;

1801    (1° de outubro). Tratado entre França e Inglaterra;

1814    (13 de agosto). O Tratado pelo qual a Inglaterra houve uma parte da Guiana holandesa;

1888    História das Colônias de Essequibo, Demerara e Berbice” do holandês General P. M. Netscher; obra de grande valor histórico e da maior insuspeição.

Além de outros inúmeros documentos que existem em nosso favor não deixaremos de mencionar como dignos de estudo alguns mapas manuscritos que o Barão de Humboldt assevera tê-los visto e consul­tado na Biblioteca Pública de Madri. (MATTOSO, 1898)

Bibliografia:

 

MATTOSO, Ernesto. Limites da República com a Guiana Inglesa – Memória Justificativa do Direitos do Brasil – Brasil – Manaus – Tipografia Leuzinger, 1898.

 


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   William Ewart Gladstone (ô 29.12.1809 / U 19.05.1898): estadista inglês, quatro vezes Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, 1° de 1868 a 1874, 2° de 1880 a 1885, 3° de 1886 a 1892 e o 3° em 1894. (Hiram Reis)

[2]   Talante ou Talante, a. m. Termo antiquado. Gosto; desejo; prazer; vontade. (DOMINGOS VIEIRA)

[3]   Estas palavras são do erudito Dr. Seijas em sua grande obra sobre limites, ao terminar a citação igual a que fazemos de J. W. Norie. (MATTOSO)

[4]   François Raymond Joseph de Pons: “Voyage à la partie Orientale de la Terre-Ferme: fait Pendant Les Années 1801, 1802, 1803 et 1804” (3 Tomos, Paris, 1806), traduzido por Washington Irving e publicado em Nova York em 1806. (Hiram Reis)

[5]   Torcedelas: sofismas; falácias; Chicanas. (Hiram Reis)

A Terceira Margem – Parte CDLVI - Ernesto Mattoso (1898) Parte VII - Gente de Opinião
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