Sexta-feira, 29 de julho de 2022 - 06h10
29.07.2022
O interlóquio prossegue
monotonamente, sem que um interrompa o outro, ou fale ao mesmo tempo, primeiro,
um conta sua história até o fim enquanto o outro somente entremeia apenas com
exclamações educadas. [...] A conversa fica, então, cada mais animada. Pitá
fala a meu respeito, de minha viagem, minhas intenções. Divertem-se às minhas
custas, pois todos estão olhando para mim e riem de maneira discreta. Os
nativos tem um senso de humor muito acentuado bem como uma propensão para a
zombaria. O homem branco, que passa algum tempo entre eles, recebe logo de
imediato, um apelido: de acordo com suas características físicas que se
destacam ou hábitos estranhos.
Esses
apelidos ([1])
são mais usados do que o próprio nome das pessoas, na maioria das vezes, para
designar as pessoas, ao passo que o verdadeiro nome, dado a cada criança pelo
pai ou pelo avô poucos dias após o nascimento, só é empregado raras vezes e
mencionado ao europeu somente com muita relutância. Assim, alguém, por sua
pequena estatura e velocidade, recebe o nome do pequeno e ligeiro roedor Akúli
([2]).
Um
outro é chamado de “Malcriado” porque
chorava muito quando pequeno, especialmente à noite. Um homem mais velho tem o
estranho nome de “Sem Nome”. Uma
mulher se chama “As Meninas”. Tenho
de mostrar todo meu acervo fotográfico a cada novo visitante. Pitá fica
observando, durante horas, com alguns anciãos Taulipáng, os “tipos indígenas” do Uaupés e faz
comentários desairosos a respeito, especialmente sobre as fotos das mulheres.
Os anciãos nativos não são diferentes dos nossos.
Às 17h00,
vou para o banho noturno. Todos estão sentados à sombra de suas casas,
conversando, trabalhando ou brincando com os animais. A vovó está catando
algodão e as mulheres põem seus fusos para funcionar, caçadores e pescadores
passam, orgulhosos, com suas presas pela Praça da Aldeia, seguidos pelos cães
magros. Quando volto do banho, meus amigos Taulipáng, acenam de longe e me
convidam para o lanche da tarde. Sua comprida e baixa cabana fica na saída
Norte da Aldeia, a caminho de sua terra. Petto dela ergue-se uma grande pedra
redonda, sobre a qual sempre há um bando de crianças brincando, e alguns jovens
entalhando flechas ou dedicando-se a outros afazeres. Lá sou sempre um
convidado bem-vindo. Seu prato apimentado é preparado de um modo especialmente
saboroso e temperado com ingredientes picantes. As mulheres assam para mim
beijus leves e crocantes do mais fino amido. Nunca falta o caxirí, o payuá
escuro e forte ou o parákali vermelho e leve.
Eles sabem
preparar nove tipos destas bebidas. Como é costume aqui, troquei de nome com
seu pequeno chefe, que tem fumado muito do meu tabaco, seu nome agora é “Theodoro”, e eu passo a ser chamado de “Yualí”. Por onde eu passe as pessoas me
chamam pelo meu novo nome e sentem um prazer infantil em fazer isso. “Theodoro” não se cansa de me ensinar
todas as palavras e frases possíveis em Taulipáng, ou melhor, de gritá-las no meu
ouvido, e não descansa enquanto eu não as pronuncio corretamente.
Todos
ficam muito felizes quando as emprego corretamente e na ocasião apropriada e só
então as reproduzo nos meus cadernos de anotações.
Eventualmente,
“Theodoro” me diz coisas picantes, e
quando eu as repito ao pé da letra, retumba uma sonora gargalhada por parte de
todos. Há poucos anos, a varíola surgiu por aqui e se alastrou até o mais
longínquo interior. Muitas pessoas trazem na pele as marcas dessa terrível
doença e o corpo de “Theodoro” está
todo coberto de cicatrizes.
Alguns,
inclusive crianças, são cegos de um olho, “um
verme perfurou o olho”, diz Pirokaí. Meus melhores amigos são as crianças,
algumas vezes tenho 30 desses pequenos parceiros em minha cabana, observando
com interesse o que faço e fazendo seus comentários a respeito, sussurrando
baixinho. Não me incomodam. [...] Deixo que vejam através da lente de aumento
e, depois, com esse instrumento mágico, trago o Sol ardente aqui para baixo. Mostro-lhes
um grande livro com ilustrações de animais e explico aos futuros caçadores os
animais de um outro mundo, o imponente elefante, o camelo com sua estranha
corcova e a girafa que graças ao seu longo pescoço, consegue alcançar as folhas
das árvores mais altas.
Sento-me
de novo para escrever e observo furtivamente um menino mais velho explicar,
tudo que eu explanara, apresentando as ilustrações exatamente na mesma ordem
aos mais jovens.
Ele tinha
prestado muita atenção à minha exposição. Um grupo se separou dos demais e
brinca entusiasmado com um grande pião.
O Sol se
deitando, me levanto e jogo a toalha de banho sobre o braço, a reunião acabou.
Eles correm até mim e me estendem as mãozinhas, despedindo-se: “Ataponténg moyi!”, dizem os meninos, os
futuros guerreiros. “Ataponténg pipi”,
dizem as meninas. “Vou dormir, irmão!”
Quando conseguem vencer a timidez inicial ante os estranhos, essas crianças são
as criaturinhas mais confiantes e alegres que se possa imaginar. Aceitam cada
brincadeira minha com alegria, e jamais se comportam mal. São complacentes e
educadas comigo e vivem em grande harmonia entre si. Se dou um pedaço de
chocolate a um deles, imediatamente ele o divide com os demais. Nunca vi dois
deles brigando ou se soqueando.
Não há
dúvida de que os pais são responsáveis pelo bom exemplo e, nesse aspecto, são
melhores mestres do que nós europeus. É extremamente raro os filhos de índios
serem repreendidos com palavras ásperas ou mesmo castigadas fisicamente pelos
pais e, no entanto, essas crianças nuas e morenas são, até para os padrões
europeus, “bem-educadas” – desde que
tenham tido pouco ou nenhum contato com a nossa chamada civilização. Quando
passam a sofrer constante influência dos brancos ou mesmo a trabalhar para
eles, independente da classe a que estes pertençam, essas crianças inocentes,
felizes e muito sensíveis, tornam-se carrancudas, fechadas ou rabugentas e
atrevidas, o encanto natural se esvai.
As crianças são minhas amigas.
Mostram-me, orgulhosas, seus mais simples brinquedos, que elas, seus pais ou
irmãos mais velhos fabricaram. Mostram-me seus inúmeros “jogos de fios” ([3]),
entrelaçando engenhosamente entre os dedos das mãos, produzindo diferentes
figuras, a que dão os nomes mais estranhos. É verdade que faz parte da fantasia
indígena encontrar nisso semelhança com animais, plantas, partes do corpo etc.
Jogo com eles a peteca leve fabricada com palhas de milho. Muitas vezes,
observo os meninos praticando tiro ao alvo com arco e flecha ou com a
zarabatana pequena ou, então, atirando num alvo móvel, nas andorinhas que voam
para lá e para cá na Praça da Aldeia.
Também participo das
competições de arco e flecha, e eles riem de mim, satisfeitos, quando se saem
melhor do que eu. Faço os meninos apostarem corrida, adoram isso. Um Taulipáng
muito bonito, de cabelo comprido e esvoaçante e olhos grandes e muito vivos,
foi o vencedor e recebe o primeiro prêmio, um lindo lenço de cabeça vermelho.
[...]
O Majonggóng ligou-se muito a
mim. Ele mora com sua encantadora e jovem mulher, Hermina, a uma hora daqui, às
margens do Surumu, na casa de sua sogra muito feia mas bondosa, uma Sapará, uma
das raras sobreviventes dessa etnia. De vez em quando, Manduca passa alguns
dias aqui na Aldeia.
Dorme,
então, no quarto de trás de minha cabana, quando não está envolvido na cura um
paciente, o que ocorre quase todas as noites, pois é conhecido por ser um xamã
muito eficaz. O Majonggóng é mais importante de que todos os xamãs daqui, diz
Pirokaí. O próprio Manduca se gaba de seu poder curativo. Seu pai, seu irmão e
cunhado também são xamãs.
Ele é um
indivíduo muito esperto e não perde a pose nem mesmo quando não consegue curar
um doente. Um ancião Taulipáng está com a barriga muito inchada e dura e,
ocasionalmente, sente fortes dores. Manduca diagnosticou um animal com uma
galhada, como um veado, perambulando lá dentro. Se o tirar, o velho morrerá,
portanto ‒ ele não vai tirá-lo.
Ele
costuma me convidar para suas invocações noturnas, mas, é claro, que só posso
ficar do lado de fora da cabana enquanto o processo de cura ocorre na cabana
escura e bem fechada. Fico agachado colado na parede externa, ouço primeiro,
sua voz natural numa espécie de longa prece acompanhada do som cadenciado do
chocalho. [...]
O som tem
um feito hipnótico que faz parte do tratamento, que dura, normalmente, das
20h00 às 22h00, e, durante todo o processo de cura, a mulher de Manduca fica
sentada ao lado dele e garante que seu charuto não se apague; volta e meia, ele
assopra a fumaça do charuto nas partes doridas, anestesiando o doente. O
chocalho mágico, é feito de uma pequena e oca cabaça, espetada num bastão, com
pequenos seixos ou sementes duras dentro para chocalhar e desempenha um papel
fundamental nessas curas. Manduca o guarda com outros utensílios mágicos num
cesto com tampa muito bem amarrado, na casa de sua sogra. [...]
Entre os
Macuxí e Taulipáng há muitos kanaimé, afirma Manduca, entre os Majonggóng, é
claro, não existe nenhum. O conceito de kanaimé desempenha um papel muito
importante na vida desses nativos. Designa, de certo modo, o princípio do mal,
tudo que é sobrenatural e prejudica o homem e do que ele não consegue se
proteger.
O vingador
da morte, que assombra o inimigo por anos até matá-lo traiçoeiramente, esse “faz kanaimé”.
Quase toda
morte é atribuída ao kanaimé. Tribos inteiras têm a má fama de ser kanaimé.
Kanaimé, porém, é sempre o inimigo oculto, algo inexplicável, algo sinistro. “Kanaimé não é um homem”, diz o índio.
Ele anda por ai à noite e mata gente, não raro com um tacape curto e pesado,
como a que se leva ao ombro durante a dança, e parte “em dois todos os ossos” da pessoa que encontra, só que ela não
morre imediatamente, mas só depois de chegar em casa, à noite, fica com febre e, depois de quatro ou cinco dias, morre.
[...]
Diz-se que
os Ingarikó moram a apenas dois dias de viagem do Roraima, na mata fechada: têm
cabelo comprido, como as mulheres, o rosto bastante tatuado e corials de casca
de árvore. Que os Taulipáng do Roraima já se misturaram muito com os Seregóng.
O chefe também não gosta dos Wapischána do Amajarí.
Dois
cometas ([4])
no ano passado impressionaram muito os índios, eles falam a respeito,
misturando verdade e ficção. De repente, no Leste e no Oeste, surgiram duas
estrelas com caudas gigantescas, do tamanho da metade do céu, e, no fim, quase
se tocaram.
Então, sob um
estrondo semelhante ao do trovão, houve um terremoto, e as estrelas
desapareceram de repente. Todos ficaram com muito medo de que “as estrelas incendiassem toda a terra com
suas caudas”. [...]
Agora, perto do fim da época
das chuvas, há muitos doentes na Aldeia. As pessoas sofrem de catarro e febre.
Como já constatei muitas vezes em minhas viagens, aqui também se confirma o
fato de que as pessoas vestidas estão mais expostas ao resfriado do que as
nuas. Já não são mais tão resistentes. A roupa, quase sempre não muito limpa,
impede uma transpiração saudável do corpo, aquecendo-o lentamente quando está
encharcada pela chuva. Os xamãs têm muito o que fazer. Quase toda noite
ouvem-se seus cantos horripilantes vindos das cabanas. Costumo acompanhar
Pirokaí e fico ouvindo a cura do lado de fora. [...]
É uma
música noturna bastante peculiar que mexe extraordinariamente com os nervos, o
canto monótono e rouco do xamã entremeado com o ribombar do trovão. Uma
tempestade está se armando além das serras. Durante uma tempestade forte, todas
as fogueiras são cobertas com folhas, já que “o trovão não ama o fogo”. As curas mágicas também são sempre
iniciadas após a chuva ou tempestade. A fantasmagórica onça é perigosa para
todas as pessoas, dizem os índios: com os xamãs, porém, são dóceis como um cão.
Tenho me aborrecido muito com as chapas fotográficas que uma grande e afamada
empresa berlinense me forneceu. As chapas isolantes não são, nem de longe, tão
resistentes quanto afirmavam ser, embora eu tome todo o cuidado possível, só
revelando fotos à noite e molhando-as nas águas frescas do Riacho da montanha,
apesar disso em algumas delas a camada se solta em grandes pedaços. Perde-se,
assim, um bom número de fotos, que têm de ser tiradas novamente. [...] Muito
maior é a alegria que as gravações fonográficas me dão. Trouxe alguns rolos de
música gravada e os toco para as pessoas, para acostumá-las com o fato de o
aparelho reproduzir a voz humana. [...]
Também
nesse trabalho o chefe Pitá me presta valioso auxílio. Ele próprio canta no
funil, com acompanhamento fraco de Pirokaí, as canções de dança dos Macuxí,
parischerä, tuküi, muruá, oare-bä, que só se dança de dia, outra, só dançada no
fim da tarde, e mauarí, que só se dança à noite. Duas meninas, com suas belas,
claras e harmoniosas vozes, cantam canções insinuantes que acompanham o ralar
da mandioca. As letras são muito simples. Consistem em frases curtas que se
repetem continuadamente. As melodias são muito simples também, em que os mesmos
temas sempre se repetem.
Uma dessas canções, que se ouve
com mais frequência, é assim:
Estou fazendo beiju pra você, ralando mandioca,
maninho.
Estou fazendo beiju pra você, ralando mandioca,
maninho.
Vai caçar o veado capoeira, maninho!
Vai caçar o veado galheiro!
Vai acertar a tartaruga, maninho!
Vai caçar o
veado galheiro etc. [...]
Então Katúra me fornece algumas
informações a respeito da arte dos xamãs: quando um Taulipáng quer se tornar
xamã, ele bebe por cinco noites seguidas uma infusão da casca de determinadas
árvores, cada noite traga uma mistura diferente, e, após cada uma dessas
beberagens, ele vomita. Depois ele bebe um caldo de tabaco e durante todo esse
tempo ele não come nada e emagrece muito.
Por fim, vai colher
determinadas folhas, faz um feixe com elas, como aquele que o xamã usa mais
tarde no ritual de cura, “vai com ele
para o alto”, retorna, está então habilitado para curar todas as doenças.
No ritual de cura o xamã bebe
suco de tabaco, a seguir sua sombra, sua alma, aparta-se do corpo e vai para o
alto, o corpo permanece no mesmo lugar, no topo das montanhas a alma encontra
outras almas de xamãs e elas lhes descrevem qual mal aflige o homem doente.
Quando o suco de tabaco “secou” no
corpo, a alma do xamã retorna ao corpo, trazendo consigo as outras almas e com
elas realiza a cura. Se a alma do xamã não sair, o doente morre. Por isso, o
xamã precisa tomar suco de tabaco durante o ritual de cura, para desprender a
alma do corpo. Ele chama, então, repetidamente, novas almas de xamãs. [...]
Em 23 de
julho chega a cavalo um jovem colono que tem sua propriedade abaixo de Capela,
um mulato escuro. Os índios o chamam de mekorö [negro]. Ele veio contratar
alguns jovens daqui, apresenta-me duas cartas, numa delas, um certo Tenente
Pinto Peixoto, ex-Comandante de fronteira, agora criador de gado, me pede para
fotografar sua casa no Tacutu. A outra carta é de Ildefonso, Deus sabe quem a
terá escrito, pois o nobre chefe não conhece essa misteriosa arte. A carta foi
escrita num tom muito insolente e é endereçada ao senhor retratista.
Sou
considerado um fotógrafo itinerante. Na carta, Ildefonso, se autodenomina
orgulhosamente, Capitão Geral dos índios do Rio Surumu e me diz, sem rodeios,
que não posso visitar as tribos indígenas nas serras sem sua devida
autorização, já que estas lhe pertencem, e que para isso terei de ir visitá-lo,
em sua casa na Foz do Surumu.É claro que não lhe farei esse favor e, por
intermédio do brasileiro, a quem esclareço de maneira enfática sobre a minha
pessoa, e mandei dizer a esse indivíduo arrogante que, para mim, não existe
nenhum Capitão Geral: que faço as minhas viagens como quero e que se ele deseja
alguma coisa, que venha até mim.
Também dou
ao mekorö uma longa carta endereçada a Neves, à qual anexo o bilhete de
Ildefonso. Ele irá dizer-lhe o que pensa. Infelizmente, Ildefonso foi nomeado
Capitão Geral pelo Governo do Estado do Amazonas, em Manaus, e recebeu uma
patente. Na verdade, porém, ele não tem exerce liderança alguma, já que ninguém
lhe obedece. Além disso, aqui é Território Federal e não diz respeito ao
Amazonas. O brasileiro disse que os soldados da polícia queimaram a casa de
José Gouvêa, em Capela, e estão agora, em número de 8 homens, em seu encalço no
Urariquera.
Se não
conseguirem prendê-lo com vida, devem levar suas orelhas. A mulher de Gouvêa e
seu protetor, Terêncio, estão presos. Que situação! Na manhã seguinte, o
brasileiro negocia longamente com Pitá, que se encheu de coragem com a minha
presença e grita para o outro que não pretende lhe dar ninguém:
‒ Ildefonso que
venha aqui pessoalmente e pergunte aos homens.
Logo depois, o mekorö foi
embora sem ter conseguido nada. A deplorável política no Rio Branco lança suas
sombras sobre nosso pacífico paraíso. Notícias contraditórias sucedem-se
rapidamente, como sempre acontece em tempos tumultuados. Os rumores mais
estranhos correm de boca em boca. Deturpações, exageros. Invencionices ‒ já não
se sabe mais o que é verdade. [...]
No
dia seguinte, depois de uma noite emocionante, um Taulipáng, que estava com os
parentes no Amajarí, trouxe a feliz notícia de que os soldados trocaram tiros
com Gouvêa e seus amigos em Pedra Grande, no Urariquera, logo à jusante da ilha
Maracá e que, depois de um dos perseguidores levar um tiro no braço, todos
fugiram Rio abaixo.
Nem
sempre os índios das serras toleram os abusos dos brancos. A prova disso é um
incidente ocorrido há alguns anos na extremidade Oriental da Serra do Banco. Um
jovem brasileiro chamado Pires, conhecido por maltratar seus empregados, foi a
uma cabana de índios e tomou algumas liberdades com suas mulheres. Os Macuxí o
espreitaram, cercaram-no – ele estava a cavalo – e flecharam-no na barriga.
[...]
Colocaram
uma grande quantidade de pedras sobre o seu cadáver. Os responsáveis eram
alguns de meus atuais amigos. O cabeça do grupo era um “cristão” chamado William. Uma Expedição punitiva contra os “revoltosos”, enviada do posto
fronteiriço São Joaquim, no Baixo Tacutu, não cumpriu seu intento, já que os
índios fugiram para a Serra. Os soldados só prenderam um velho, mas soltaram-no
depois. [...] Novamente partem 2 barcos, desta vez para São Marcos, levando
cartas e devem trazer outras, que certamente chegaram lá para mim [...].
Emprestam roupas velhas do
chefe, que vestirão pouco antes de chegar a São Marcos, para que as pessoas não
riam de sua nudez. Estamos vivendo o clima de uma grande festa que Pitá quer
dar em honra de sua visita importante. Infelizmente, o chefe está com malária,
e fica deitado num escuro canto de sua cabana baixa e úmida, gemendo na rede. Excepcionalmente,
não consulta nenhum xamã, talvez com vergonha de mim, coisa desnecessária, pois
concordo com o grande Rei da Prússia ([5]);
para quem “cada um pode fazer o que
quiser”. Curo, no entanto, meu amigo em poucos dias com quinino, seguindo o
método de Plehn. Na falta de hóstia, envolvo os comprimidos amargos em papel de
cigarro, e Pitá os engole corajosamente. [...]
Todos estão preparando a festa.
As mulheres fazem enormes pilhas de beiju para caxirí forte. Os homens arrumam
seus adornos de dança. O chefe e eu fazemos força, para carregar dois bancos
europeus que alguém fez para a cabana dos missionários. São do tipo mais
primitivo possível, duas tábuas compridas sobre quatro estacas, e tão instáveis
que desmontavam à todo instante, provocando muita gritaria. Um dos bancos que finalmente
conseguimos colocar de pé será um lugar de honra para mim e para o chefe na
festa.
Bibliografia:
GRÜNBERG, Theodor Koch. De Roraima ao Orinoco. Volume II - Mitos e Lendas dos Índios Taulipáng
e Arekuná – Alemanha – Berlim – D.
Reimer (E. Vohsen), 1915.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Cabe-nos aqui
fazer uma referência especial a essa multiplicidade de nomes, bastante comum a
todas as etnias. O nome de batismo vai sendo alterado de acordo com as
características físicas, qualidades e desafios enfrentados pelo jovem guerreiro
ao longo de sua vida, vejamos o que nos reportam Johann Baptist Von Spix e Carl
Friedrich Philipp Von Martius na obra “Viagem
pelo Brasil (1817 – 1820)” – (Hiram Reis):
Pouco depois
de nascer, recebe o bebê um nome, tirado de planta ou animal; esse nome, porém,
muda-o ele diversas vezes em sua vida, logo que realiza alguma façanha heroica,
na guerra ou na caça. Acontece tomar assim a mesma pessoa cinco ou seis nomes,
um após outro. (SPIX & MARTIUS)
[2] Cutia:
Dasyprocta aguti. (Hiram Reis)
[3] Jogos de fios: jogo
da cama de gato. (Hiram Reis)
[4] Na madrugada do
dia 18 para 19 de maio de 1910, o cometa Halley visitou, mais uma vez, a Terra.
(Hiram Reis)
[5] Frederico II, o
Grande (1712-1786). (Hiram Reis)
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H