Quarta-feira, 10 de agosto de 2022 - 08h30
Bagé, 10.08.2022
O Amazonas, grande em tudo, possui em seu seio uma alta individualidade
que uma vez conhecida nos grandes centros científicos, tornar-se-á uma
celebridade mundial. Queremos nos referir ao sábio amazonense Coronel Bernardo
Ramos, tradutor das inscrições lapidares, não só do Brasil, como de diversas
partes do mundo. E como o grande cientista chegou a desvendar tão precioso
mistério? O Cel Bernardo Ramos, dando-se ao fatigante trabalho de colecionar
moedas, organizou a terceira coleção numismática do mundo, hoje de propriedade
do Estado, e, findo esse trabalho, verificou que entre as diversas moedas,
anteriores à nossa era cristã, muitas de suas inscrições eram semelhantes às
que se encontravam em rochedos e pedras do nosso país.
Há mais de vinte anos que o Cel Bernardo Ramos vem empreendendo novas
investigações, chegando afinal, depois de muito estudo e paciência, a decifrar
as inscrições lapidares existentes no território nacional, passando as suas
indagações a outros países da América do Sul, da América do Norte, da América
Central, como da Europa, da Ásia e da África. Assim como Champollion, célebre
orientalista francês, que em 1821 após várias tentativas de sábios em pesquisas
para traduzir os hieróglifos, escrita pela qual “os egípcios exprimiam tudo que respeitava às ciências e às artes, ou
para representar ideias misteriosas de sua religião”, conseguiu desvendar o
segredo daquele povo, Bernardo Ramos, o notável cientista amazonense, decifrou
as inscrições lapidares do Brasil. Descoberta a chave da escrita de nossas
pedras, o Cel Bernardo Ramos lançou as suas vistas para outros países,
encontrando sempre semelhança, nas nossas inscrições, com as de outras nações.
Pelos estudos do paleógrafo amazonense, ficamos
sabendo que muito anterior à Cristo passou pelo nosso Continente uma grande
civilização. Entre as decifrações do Brasil, figuram como muito importantes as
da Gávea, no Rio de Janeiro, dando notícia da passagem por ali de navegantes
fenícios, [887-856 antes da nossa era] e da Pedra Lavrada, na Paraíba do Norte,
cuja inscrição em grego antigo datando cerca de mil anos a.C., representa 708
signos, emblemas, astros, constelações, etc. Além disso, o reputado sábio
amazonense tem traduzido outras inscrições que se encontram em pedras do
Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia,
São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Destaca-se ainda a decifração de algumas inscrições lapidares existentes
na Colômbia, Guiana Inglesa, Venezuela, Guatemala, México, Argentina e Chile,
como uma infinidade em várias regiões dos Estados Unidos da América do Norte.
Computando as inscrições lapidares do Continente americano com as conhecidas na
Escócia, em Leon, da Espanha, na França, em Creta, na Índia e na África
Austral, o Coronel Bernardo Ramos encontrou absoluta identidade de caracteres
alfabéticos, como de conceitos, tudo provando afinidade existente para o
entendimento entre povos antiquíssimos, por meio de uma escrita seguida nos
diversos continentes.
A esse tempo, o nosso continente era conhecido pelo nome Croniano,
segundo as descobertas do Coronel Bernardo Ramos. Em 1922, o nosso ilustre
coestaduano transportando-se ao Rio de Janeiro, fez ali diversas conferências
sobre este importante assunto, conferências essas que foram presididas pelo
preclaro senador Epitácio Pessoa, então Presidente da República.
Já anteriormente, o Cel Bernardo Ramos, no Instituto Geográfico e
Histórico do Amazonas, numa sessão presidida pelo então Bispo da Diocese, D.
João Irineu Joffely, apresentara a sua tese sobre as inscrições lapidares
existentes em diversos pontos do país. Diante do sucesso alcançado na Capital
da República, o Deputado Daniel Carneiro, então representante cearense,
apresentou, juntamente com a bancada paraibana, um projeto autorizando o
Governo a mandar imprimir a valiosa obra do Cel Bernardo Ramos. Recebendo o respectivo
projeto algumas emendas no Senado, voltou à Câmara, onde ainda se acha, a fim
de que esta tomasse conhecimento das alterações daquela casa do Congresso.
A obra
aludida compõe-se de quatro volumes com mais de duas mil inscrições lapidares,
devidamente traduzidas, sem falar num grande número de cerâmicas, em que o
cientista coestaduano prova que a escrita usada pelos assírios e babilônios,
etc, era da mesma forma seguida pelos gregos.
Notícias de
Importantes Inscrições
O |
mesmo ilustre
etnólogo Dr. Theodoro Sampaio, em sua já citada “Tese Oficial”, apresentada ao “1°
Congresso de História Nacional de 1914”, dá-nos notícias e noções
interessantes de várias inscrições lapidares.
Vamos, pois,
fazer uma breve resenha dessas preciosidades, sob o ponto de vista das suas
localizações e aspectos, a fim de que, em momento próprio, sejam submetidas a
estudos paleográficos ([1])
e gliptográficos ([2]),
a cuja ordem incontestevelmente pertencem. [...]
São dignas de menção, as da
cachoeira de Waraputa, no Rio Essequibo, descritas por Schomburgk; as do Cerro
Pintado, imenso rochedo escalvado de duríssimo granito porfirítico ([3]), à margem direita do Orenoco e alto de 250
metros acima da savana, são na verdade extraordinárias, e as deste último
ponto, descritas por Chaffanjon, são até estupendas pelas dimensões das figuras
e a altura inacessível em que estas se acham. Estão ali gravadas na rocha uma
enorme serpente de 120 metros de extensão, um grande sáurio ou jacaré, um
enorme miriápode, um homem com órgãos sexuais bem acentuados, um pássaro e
outras figuras menores de feição ornamental. Assim também no Rio Correntyne, na
face de um gigantesco penhasco, denominado Timehré, se apresentam enormes
figuras nitidamente esculpidas, uma delas representando vulto humano, com mais
de dez pés de altura e tendo à cabeça um ornato que a circunda como se fora a
auréola de um santo. Numerosos são os exemplares desta espécie que se deparam
ao viajante no território da Guiana e no Vale do Amazonas. As inscrições são
bem mais frequentes nesta região da Guiana, como em toda América do Sul,
cobrindo a face dos rochedos e as paredes das cavernas. No Roraima, o
culminante dessa região guianense deparam-se por exemplo aos irmãos Schomburgk,
paredões verticais de arenito cobertos de figuras e caracteres diversos
representando vultos humanos, cobras, jacarés, desenhados com tinta
vermelho-ferrugem.
No Essequibo, Brown viu também em
rochedos de arenito as mesmas figuras pintadas. Im Thurn ([4]) assinala-as na Serra da Pacaraima. Wallace
também as observou em paredões da mesma rocha por detrás de Monte Alegre, no
Rio Amazonas, Hartt descreve as da Serra do Ereré, etc.
É digno de reprodução o seguinte texto da lavra do ilustre etnólogo Dr.
Theodoro Sampaio, cuja tese resumimos:
Tão generalizadas são essas manifestações da arte indígena, nesta parte
do Continente, que repugna admitir não sejam o resultado de um sentimento
superior e mais comumente compartilhado no seio da população primitiva. É
possível que alguns selvagens, ainda hoje, esculpam ou pintem em rochedos
figuras simbólicas, como essas que não sabemos decifrar; mas o que é fato,
pelos viajantes atestado, é que os mesmos índios atuais atribuem tais
litóglifos e pinturas em rochedos, aos seus antepassados mais longínquos, e por
essa razão e por outras que de cedo nos escapam, dão todas as provas de
veneração e de respeito diante dessas inscrições lapidares, alguns até chegando
a manifestar terror supersticioso, afastando-se delas com prudência. Algumas
tribos também por obra de seres misteriosos, anões demoníacos aquáticos. Outros
as atribuem ao Grande Espírito.
Na cachoeira de Waraputa, no Essequibo, Robert Schomburgk, não
conseguiu nem por persuasão nem por ameaças, que os índios da sua comitiva o
auxiliassem a destacar um pedaço do rochedo contendo uma dessas inscrições, e
estavam crentes de que essa temeridade do viajante seria punida ali mesmo ou na
passagem da cachoeira mais próxima. Quando se lhe depararam da primeira vez
essas inscrições, disseram todos a meia-voz ‒ Makunaíma! Makunaíma! [Deus!
Deus!].
Diante de duas gigantescas colunas
naturais de pedra, uma delas com inscrições que se distinguem aliás pela sua
regularidade e simetria, na Serra do Comuti, perto do Essequibo, essa gente da
comitiva de Schomburgk, pôs-se a tremer e a vacilar, pois que via naquele lugar
a morada de um gênio malfazejo, pronto a castigar aos que dela se aproximassem.
Carlos von Martius, refere que os
índios da sua comitiva ao visitarem a cachoeira de Araracoára, no Alto Japurá,
diante das esculturas semiapagadas num rochedo proeminente, aproximaram-se
delas respeitosamente e, acompanhando com o indicador os sulcos poucos
profundos das figuras quase obliteradas pela decomposição da rocha, exclamaram
– Tupana! Tupana! [Deus! Deus!]
Não há dúvida de que o selvagem de
hoje, nestas paragens, guarda por essas inscrições grande respeito tradicional,
supersticioso, o que faz crer tenham tido elas, em outrora significação
cultural, quiçá até associada a algum pensamento funéreo.
Nem todas essas inscrições, é bem
de ver, representariam coisa para o selvagem digna da mesma e geral veneração;
muitas delas evidentemente não teriam essa importância, mas no geral o
impressionavam como se fossem reais manifestações de um gênio bom ou mau que a
tradição lhe ensinou a respeitar.
Certo não lhes podemos dar hoje a
tradução verdadeira, ignorado como está o fundo simbólico que por ventura
teriam entre as populações primitivas a que são atribuídas. Judiciosas são na
verdade as considerações que sobre o assunto faz o Professor Theodor
Koch-Grünberg, após as suas viagens pelo Alto Rio Negro, Uaupés e Orenoco,
admitindo no índio a capacidade do desenho comunicativo e descritivo, mas
negando-lhe acerca de tais inscrições o intuito de fazer uma comunicação, pois
que, a admiti-lo se pode incorrer facilmente no abuso da generalização.
Não levo tão longe as minhas
reservas, diz o ilustre Dr. Theodoro Sampaio, como o ilustre viajante e
professor da Universidade de Friburg em Brisgau, pois aceito como mui provante
a existência outrora de uma ideia cultural, com manifestações rudes embora,
quais essas inscrições abertas em rochas, assentadas em lugares quase
inaccessíveis e exigindo árduo esforço e largo emprego de tempo, quais também
essas outras tão frequentes nos rochedos das cachoeiras a passos difíceis dos
Rios das que tão numerosos descobriu o mesmo ilustre viajante.
Entretanto,
pedimos permissão aos eminentes etnólogos, para divergirmos de semelhantes
conceitos, firmando-nos em argumentos e provas que ora a propósito externamos
neste modesto trabalho.
Nas inscrições lapidares do Vale do
Amazonas, prossegue o autor: “descobrem-se indícios certos de como a influência
astrolatra ([5])
dominante na região andina e no Centro América, até se faz sentir”. [...]
Aí estão os preâmbulos da nossa primitiva civilização desaparecida e
envolta em verdadeiro mistério, como finalmente, numa ferrenha incredulidade ou
propósito de fazer permanecer tão magno assunto, no olvido criminoso, que
repugna ao nosso sentimento de patriota. (RAMOS)
Bibliografia:
RAMOS, Bernardo de Azevedo da Silva. Inscrições e Tradições da América
Pré-histórica, Vol 1 – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Imprensa Nacional,
1939.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Paleografia:
ato de decifrar escritos antigos. (Hiram Reis)
[2] Gliptográfia ou
Gliptologia: descrição ou estudo das antigas gravações nas pedras. (Hiram Reis)
[3] Porfirítico:
rocha ígnea com cristais significativamente maiores (fenocristais) do que os
da matriz mais fina ou mesmo vítrea. (Hiram Reis)
[4] Sir Everard
Ferdinand im Thurn. (Hiram Reis)
[5] Astrolatra:
adoração aos astros. (Hiram Reis)
Galeria de Imagens
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