Quarta-feira, 21 de setembro de 2022 - 06h05
21.09.2022
Grandes Vazios Demográficos
As águas negras
do Rio Negro serpenteiam de Cucuí até Santa Isabel do Rio Negro, dentro de uma
grande, descomunal mesmo, reserva indígena. Em nome de um resgate histórico,
totalmente inexplicável e infundado, a FUNAI vem, ao longo das últimas décadas,
demarcando reservas sem qualquer critério antropológico, histórico ou
científico.
Nossa descida, de
caiaque, de São Gabriel da Cachoeira até Santa Isabel, permitiu-nos identificar
o enorme vazio demográfico, nas margens do Rio, justamente onde a própria FUNAI
afirma existir a “maior concentração de
Comunidades indígenas” de toda a região da Cabeça do Cachorro. As pequenas
Comunidades gravitam em extensões extremamente limitadas, não se atrevendo a
enfrentar os pequenos afluentes da Bacia do Negro onde se encontram seus recursos
pesqueiros mais importantes. Ao invés disso, cobram taxas de não índios que
queiram pescar ou desfrutar dos recursos naturais de “suas terras”.
Os valorosos
guerreiros do passado dependem hoje, totalmente, dos “arrendamentos ilegais” e das “bolsas-famílias”.
Esta dependência dos “civilizados”
tornou-os verdadeiros espectros humanos, decadentes física, cultural e
moralmente.
Meu sangue
Charrua ferveu-me nas veias e fez-me voltar os olhos, novamente, para meus
irmãos do Alto Solimões, os altivos Ticuna e os Pareci do Mato Grosso que mesmo
diante de todos os problemas que encaram frente à modernidade, suas sadias
lideranças estão se adaptando, lutando e procurando novas alternativas de vida
para suas Comunidades. O contraste das belas paisagens do Negro com o desânimo
dos nativos cravou suas garras na minha alma e até agora sinto uma nostalgia e
um desencanto que jamais sentira antes. Ao demarcar reservas em grandes áreas
contínuas, a FUNAI afirma saldar uma dívida histórica. A visão falaciosa e
romanesca da FUNAI vem protagonizando uma política totalmente contrária aos
interesses nacionais e ao da própria população indígena a longo prazo. Os
nativos do Alto Rio Negro são uma mostra dessa política totalmente equivocada.
Os declínios populacionais verificados nas Comunidades ribeirinhas, ao longo
dos tempos, provocado pela intensa migração em busca do conforto e
assistencialismo das cidades de São Gabriel e Santa Isabel confirmam essa
assertiva.
Dívida Histórica?
A história não ampara esta necessidade de se pagar qualquer dívida
histórica. Pena que não tenham sobrevivido nenhum dos Sambaquieiros, Marajoaras
e tantas outras etnias assassinadas e devoradas pelas hordas migratórias que
dominaram vastos territórios, desde a Bacia do Orenoco até a Bacia do Prata,
extinguindo “nações” inteiras. Estariam,
hoje, solicitando, estes sim, merecidamente, um resgate dos ameríndios atuais
que os exterminaram.
Jornalista Leandro Narloch
O Jornalista Leandro Narloch, no seu livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, após consultar
inúmeros documentos históricos, coloca por terra a visão do indianismo
romântico do século XIX. Os historiadores da época retratavam os nativos como
bons selvagens, donos de uma moral e costumes modelares e culpavam os cruéis
conquistadores europeus pela destruição de sua cultura. Discurso que ainda hoje
prevalece nas instituições de ensino e organizações que tratam das questões
indígenas alimentadas ou adubadas por visões meramente ideológicas e nada
científicas. Estas visões, carregadas mais pela emoção do que pela razão,
afirmam que os índios viviam em harmonia entre si e com a natureza, são
totalmente equivocadas. Na verdade, os indígenas travavam guerras permanentes
entre eles, destruíam as florestas, exterminavam animais, pessoas e culturas.
Jornalista Leandro Narloch
Estas visões, carregadas mais pela emoção do que pela razão, afirmam que
os índios viviam em harmonia entre si e com a natureza, são totalmente
equivocadas.
Na verdade, os indígenas travavam guerras permanentes entre eles,
destruíam as florestas, exterminavam animais, pessoas e culturas.
Narloch afirma,
ainda, que os índios não eram as vítimas indefesas que se procura apresentar
aos incautos, mas que, por diversas vezes, optaram por viver ao lado dos “civilizados” e outras tantas combateram
com os brancos ombro a ombro e, mais ainda, miscigenaram-se produzindo este
formidável amálgama que é a raça brasileira. Eles queriam, na verdade,
misturar-se e desfrutar das novidades trazidas pelos portugueses.
Extermínio?
O massacre começou muito antes de os portugueses chegarem. As hipóteses
arqueológicas mais consolidadas sugerem que os índios da família linguística
tupi-guarani, originários da Amazônia, se expandiram lentamente pelo Brasil.
Depois de um crescimento populacional na floresta Amazônica, teriam enfrentado
alguma adversidade ambiental [...] que os empurrou para o Sul. À medida que se
expandiram, afugentaram tribos então donas da casa. Por volta do primeiro
milênio, enquanto as legiões romanas avançavam pelas planícies da Gália, os
tupis-guaranis conquistavam territórios ao Sul da Amazônia, exterminando ou
expulsando inimigos. [...]
Com a vinda dos europeus, que também gostavam de uma guerra, esse
potencial bélico se multiplicou. Os índios travaram entre si guerras duríssimas
na disputa pela aliança com os recém-chegados. Passaram a capturar muito mais
inimigos para trocar por mercadorias. [...]
Por todo o
século XVI, quando uma caravela se aproximava da costa, índios de todas as
partes vinham correndo com prisioneiros ‒ alguns até do interior, a dezenas de
quilômetros. (NARLOCH)
Nos idos de 1605-1607, o Padre Jesuíta português Jerônimo Rodrigues,
Cronista da Missão Jesuítica, relata que os indígenas eram capazes de trocar
seus próprios parentes por mercadorias.
E para isso trazem a mais desobrigada gente que podem, “scilicet” ([1]),
moços, e moças órfãs, algumas sobrinhas e parentes, que não querem estar com
eles ou que não os querem servir, não tendo essa obrigação; a outros trazem
enganados, dizendo que lhe farão e acontecerão e que levarão muitas coisas
[...]. Outro moço vindo aqui onde estávamos, vestido em uma camiseta,
perguntando-lhe quem lha dera, respondeu que vindo pelo navio dera por ela e
algumas ferramentas um seu irmão; outros venderam as próprias madrastas, que os
criaram, e mais estando os pais vivos. (RODRIGUES)
Integração e Não extinção
Durante os três primeiros séculos da conquista portuguesa, nenhuma
família teve mais poder na Vila que deu origem a Niterói, no Rio de Janeiro,
quanto os Souza. [...] O interessante é que esses nobres senhores não eram
descendentes de nenhum poderoso fidalgo português.
O homem que criou a dinastia dos Souza de Niterói chamava-se Arariboia,
Cacique dos índios Temiminós, que ajudaram os portugueses a expulsar os
franceses e Tupinambás do Rio de Janeiro. [...]
Menos de cem anos depois, seus descendentes já não se viam como índios:
eram os Souza e faziam parte da sociedade brasileira. (NARLOCH)
Em 2000, um
estudo do Laboratório Gene, da Universidade Federal de Minas Gerais, causou
espanto ao mostrar que 33% dos brasileiros que se consideravam brancos têm DNA
mitocondrial vindo de mães índias. “Em
outras palavras, embora desde 1500 o número de nativos no Brasil tenha se
reduzido a 10% do original [cerca de 3,5 milhões para 325 mil], o número de
pessoas com DNA mitocondrial ameríndio aumentou mais de dez vezes”,
escreveu o geneticista Danilo Pena no “retrato
molecular do Brasil”. Esses números sugerem que muitos índios abandonaram
as aldeias e passaram a se considerar brasileiros. (NARLOCH)
O Fascínio Pela Nova Cultura (Europeia)
Antropólogos e cientistas sociais não cansam de repetir que é preciso
valorizar a cultura indígena. Os índios que encontraram os portugueses no
século XVI não estavam nem aí para isso. Não sabiam nada de antropologia e
migração humana, mas logo perceberam quanto aquele encontro era sensacional.
Fizeram de tudo para conquistar a amizade dos novos amigos. Antes que os
brancos desembarcassem, subiram nos navios para conhecê-los. Na praia, deram
presentes, estoques de mandioca e mulheres se ofereceram generosas.
Devem ter achado urgente misturar-se com aquela cultura e se apoderar dos
objetos diferentes que aqueles homens traziam. [...] Assim como a banana, os
índios conheceram pelos portugueses frutas e plantas que hoje são símbolos
nacionais e que não faltam em muitas tribos, como a jaca, a manga, a laranja, o
limão, a carambola, a graviola, o inhame, a maçã, o abacate, o café, a
tangerina, o arroz, a uva e até mesmo o coco [isso mesmo, até o descobrimento
não havia cocos no Brasil]. [...] Galinhas, porcos, bois, cavalos, cães foram
novidades revolucionárias que os índios não demoraram a adotar. (NARLOCH)
Professor Evaristo Eduardo de Miranda
Reproduzirei alguns trechos do livro “Quando
o Amazonas Corria para o Pacifico” do Professor Evaristo Eduardo de Miranda
que corroboram o pensamento de Narloch:
[...] Se existe um aspecto comum e marcante na
história das populações indígenas, antes da chegada dos europeus, são as
migrações, os grandes deslocamentos espaciais e os conflitos e guerras entre
diferentes grupos, caracterizadas por expansões e contrações geográficas,
crescimentos e declínios demográficos e até extinções.
Os diversos grupos Tupis [...] penetraram territórios alheios e, de forma
pacífica ou belicosa, conquistaram novas terras, submeteram outros povos,
roubaram suas mulheres, devoraram seus guerreiros, incorporaram elementos de
sua cultura e impuseram sua língua, especialmente nas áreas florestais.
(MIRANDA)
Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1785, na sua Viagem Filosófica ao Rio
Negro fala da ferocidade e a filosofia expansionista dos “guerreiros” do Rio Negro:
Que foram poderosos e valentes, ainda que antropófagos no estado da sua
infelicidade, assim como ainda hoje o são os Uerequenas, e em outro tempo o
foram quase todos, excetuados tão-somente os Uaupés. [...]
Que invadiam as aldeias dos outros gentios, situados nas margens do
Rio-Negro e capitaneados pelo facinoroso principal Ajuricaba, subiam pelo Rio
Branco a vender os índios que cativavam aos holandeses de Suriname, com os
quais se comunicavam, vencendo com jornada de meio dia o espaço de terra, que
há entre o Tacutu e a parte superior do Rupununi, que deságua no Essequibo, e
este no Mar do Norte. [...]
Quanto aos motivos, é certo que um deles costuma ser o da usurpação dos
frutos, das caças e dos pescados dos Rios e das terras do território alheio.
Cada Aldeia se julga independente da outra que confina com ela e, sobretudo,
quanto há no território imediato ao da sua situação, se atribui um direito
inteiro e exclusivo, que a autoriza, pelo título de possuidora, a repelir com a
força a usurpação que se lhe faz. Porém também é certo, que a ideia de
propriedade não é o mais frequente, nem ainda mesmo o mais forte de todos os
motivos para as suas contínuas hostilidades.
O espírito de vingança é o maior de todos, ou seja,
que eles se arroguem com preferência aos outros uma indisputável elevação, que
atiça a inveja e a emulação dos vizinhos, ou que tenham recebido alguma injúria
e lesão, a diuturnidade ([2])
do tempo que lhes não risca a lembrança dela. Ainda que a injúria não tenha
sido feita a todos, basta que um só a receba para que o ódio e o ressentimento
de todos seja tão implacável como o indivíduo ofendido.
O desejo de se vingarem é tão cego e abrutado como o das feras; mordem as
pedras que se lhes atiram e as devolvem contra os mesmos que as atiraram;
arrancam de seus corpos as flechas que os atravessam e com elas fazem tiro ao
inimigo, cortam as cabeças dos mortos e fazem outras barbaridades, donde se
pode inferir a ferocidade das suas guerras. Eles
não as fazem para conquistar, mas
sim para destruir; matar, queimar tudo é a sua maior glória
militar.
Consultados os Pajés e os velhos, o Principal da nação dirige em Chefe
de exército, isto é, quanto ao fim de pelejar; porque quanto aos meios e à
disciplina, cada soldado é senhor de si e das suas ações.
Porém, como eles têm de encontrar durante a sua marcha inumeráveis
obstáculos que vencer, tendo de atravessar grandes Rios e Lagos, de penetrar
matas horríveis, de lhes faltarem os víveres para municiar de boca a um grande
exército; o espírito de providência os conduz a marchar para a guerra em
pequenos corpos ligeiros e desembaraçados dos empecilhos das bagagens; e cada
soldado não leva mais que as suas armas e um pequeno saco ou de farinha de
mandioca, ou de beiju, ou de milho; porque de caminho vai caçando ou pescando,
até se aproximar às fronteiras do inimigo; surpreendê-lo e destruí-lo é todo o
seu ponto; e como as caçadas que fazem na paz são os exercícios para a guerra,
do mesmo modo que eles rastejam a caça, assim entram a rastejar uns aos outros.
Para melhor
se disfarçarem no mato e se equivocarem com as folhas e com os troncos das
árvores, pintam-se e vestem-se diferentemente; não deixando precaução ([3])
por aplicar em ordem a não serem pressentidos.
No caso de
terem essa felicidade, estão conseguidos os seus fins; porque no silêncio da
noite investem de tropel a Aldeia do inimigo, queimam-lhe as suas palhoças e,
conforme a ferocidade e o costume dos vencedores, assim matam tudo ou reservam
alguns prisioneiros.
O Mura, enquanto se não domesticou, só a algum rapaz dava Quartel e geralmente às mulheres. O Uerequena a todos reserva para se cevar ([4]) nas suas carnes.
Os que os
reservam para serem escravos são os mais humanos de todos eles. Miseráveis,
porém daqueles que ficam reservados para beberem a morte pelo mais amargoso
cálice, que lhes prepara uma implacável vingança.
Ela excogita
e faz dar a seus corpos ambas as espécies de tortura ordinária e
extraordinária, uns os espetam com paus, com ossos e com pedras pontiagudas e
em brasa; outros lhes cortam e dilaceram as carnes. Alguns lhe descarnam os
ossos; e no meio de todo este terrível espetáculo, duas coisas excitam o pasmo
de quem as ouve ou as vê:
1ª Outro
nenhum temor limita a cólera do vencedor, senão o de abreviar a duração da sua
vingança, se ele der a morte ao vencido, mais breve do que ela pede;
2ª Que quanto mais atormentado é o vencido, tanto mais digno se julga
ele da alta dignidade do ser do homem; antes o abreviar ele mesmo a sua vida,
para encurtar os seus tormentos, seria uma nota de infâmia com que deixaria
manchada a sua família. (FERREIRA)
Bibliografia
MIRANDA,
Evaristo Eduardo de. Quando o Amazonas
Corria para o Pacífico – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Ed. Vozes, 2007.
NARLOCH,
Leandro. Guia Politicamente Incorreto da
História do Brasil – Portugal – Lisboa – Ed. Leya, 2009.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H