Segunda-feira, 14 de março de 2022 - 11h01
Bagé, 14.03.2022
O Cotejo
destas duas notas, ‒ escreveu na imprensa da época um ex-Vice-Presidente da
República:
É
um dos mais rudes golpes que já jamais sofreu o nosso patriotismo.
Reunido
pouco depois em sua sessão ordinária o Congresso Nacional da Bolívia, nenhuma
providência foi sugerida ou solicitada pelo Chefe do Estado, no sentido de
modificar e menos rescindir o Contrato com o Bolivian Syndicate. Nem essa ilusão
era mais lícito entreter em face da nota Pinilla. Nesse documento é categórica
e formal a afirmação de que a Bolívia não estava disposta a permitir que outro
poder do seu direito de celebrar aquele Contrato, nem pretendesse autoridade
para ajuizar do mérito ou das conveniências dela.
Mais
claro se torna o pensamento do Governo boliviano na Exposição que o Congresso
Nacional, em La Paz, na sessão de 1901, fez o Sr. Aramayo, Ministro da Bolívia
em Londres, incumbido oficialmente de negociar o arrendamento do “Territorio de Colonias”. Assim, a
Bolívia afirmava, sem refolhos, o propósito em que estava de manter e executar
o Contrato, expondo francamente quais os motivos e quais os fins que a
induziram a celebrá-lo. Perante o Congresso Nacional Boliviano, reunido em
Comissão Geral, em setembro de 1901, para deliberar sobre o aludido Contrato,
fez o Sr. Aramayo uma clara e minudente exposição, da qual são os trechos
seguintes:
Entre
estes encargos, senhores, aprouve ao governo transmitir-me instruções e bases
amplas, acordadas em Conselho de Gabinete, em data de 15.03.1900, para a
organização de uma companhia que se encarregasse da exploração e colonização
das regiões do Noroeste da República, conhecidas sob a denominação de “Territorio do Acre”, e politicamente
demarcadas como Delegação do Purus. Dava-me o Governo autorização suficiente
para estabelecer as condições desta negociação, e entre elas a de adjudicar
terrenos e seringais à título gratuito, com o objetivo de amparar sua posse e a
de promover a colonização e povoamento daquelas terras; a de entregar a
administração das alfândegas e a arrecadação das rendas fiscais sob condições
adequadas; a de procurar e fomentar a construção de ferro-carris, aberturas de
estradas a navegação de Rios; finalmente tudo quanto fora conducente ao
desenvolvimento e progresso daqueles territórios, assim como a sua conservação
debaixo do domínio da República.
Mais
previsoras foram estas instruções, ilustres senhores; e, compreendendo seu
vasto alcance, me dediquei com o maior anelo a buscar os meios de pôr em
execução os desejos do governo. Várias vezes cheguei a formular Contratos que
pareciam viáveis, com diversos indivíduos e corporações da alta finança, e
outras tantas vi frustrados meus planos e dissipadas minhas esperanças. Os
Estados da América do Sul não oferecem garantias, dizem uns, estão em contínuas
revoltas: suas instituições não são estáveis, as indústrias estão
continuamente expostas a novos impostos, cada vez mais arbitrários e
caprichosos. A Bolívia está muito sequestrada ([1]), reflexionam outros, são raros não só os que tem
conhecimento de seu solo e posição geográfica, como até os que sabem de sua
existência. Estas ideias são as que predominam e com as quais se tem que lutar.
Quando iniciei estas negociações o Acre estava ocupado por aventureiros, que o
declararam República Independente.
Depois
da ocupação militar de nossas tropas, veio todavia a grande cruzada organizada
em Manaus pôr em prova nossa força de resistência. Em tais condições não era
possível organizar nada sério. Quase que não havia a quem
recorrer para peleja com o fim de nos restituir o
território usurpado. Triunfaram, enfim, nossos soldados, marcando uma fase
gloriosa, como nenhuma, nos anais da história pátria; estabeleceu-se a
Alfândega de Porto Acre, reconheceu-se nossa autoridade e soberania naquele
território e acreditei então chegado o momento de fazer um esforço supremo. Circunstâncias
excepcionais, e verdadeiramente providenciais, puseram-me em contato com um
grupo capitalista norte-americano, que já havia tido ocasião de se informar
sobre as riquezas naturais que encerra o nosso solo e ajudado pelo prestigioso
explorador Sr. Martin Conway, vantajosamente conhecido em nosso país, consegui
interessá-los a tal ponto com as minhas informações, que um deles, o distinto
advogado da casa Vanderbilt, Mr. Willingford Whitridge, foi delegado para
tratar comigo em Londres.
Resultados
dessas conferências é o Contrato que o Governo submeteu à vossa consideração.
As bases desse Contrato foram formuladas por mim, em consulta com homens
experimentados nesta classe de empresas e, em vista das cartas constitutivas de
sociedades análogas, como a Companhia das Índias, a Companhia do Sul da África e
outras. Procurei alegar todas as condições que, além de resguardar nossa
soberania naquelas afastadas regiões, dessem amplo desenvolvimento às suas riquezas
naturais.
Consultei
a maneira de obter para o Estado a maior renda possível, conciliável com o
êxito da empresa. Aquelas bases me ofereceram grande dificuldade; elas foram
aceitas no fundo e só exigiram modificações na forma e em alguns pontos
Referentes à arbitragem e concessões minerárias, etc., que meu zelo pelos
interesses nacionais havia um pouco exagerado.
Formulado
o Contrato, o Sr. Whitridge partiu para Nova Iorque, reuniu os membros do
sindicato, conseguiu sua aprovação e mandou-me um exemplar assinado, que recebi
em Buenos Aires, de onde lhe devolvi um outro exemplar firmado por mim, como
havia sido combinado. Tão transcendental me parecia a negociação, honrados
senhores, que logo se assentaram as bases do convênio preliminar, telegrafei
ao Sr. Presidente da República, dando-lhe conta dele e pedindo-lhe seis meses
de licença para vir pessoalmente explicar o seu alcance. Um negócio desta
magnitude não teria importância se não fosse posto em mãos de capitalistas e
empresários de primeira ordem, e se me decidi a prestar-lhe todo o meu apoio e
a recomendá-lo eficazmente ao governo, é porque estou convencido de que o “The Bolivian Syndicate” está formado de
banqueiros poderosos e de grande prestígio no mundo das finanças, como poderá
informar o Dr. Bridgman, Ministro dos Estados Unidos.
Tenho
pela minha parte a firme convicção de que estamos preparando neste negócio uma
transformação rápida de todo o ser da Bolívia. O Sindicato Boliviano a que me
refiro é composto de alguns dos banqueiros mais poderosos ou influentes de Nova
Iorque, tais como Twombley e Whitridge, que manejam todos os negócios da
família Wanderbilt, B. J. Cross, que representa a firma bancária Bliss &
Ciª; Emilio Roosevelt, primo do atual Presidente da República e chefe da casa
Roosevelt & Filhos. etc.; Iselin, banqueiro; F. P. Olcott, Presidente da
Central Trust Company; Brown, Brothers, banqueiros que na Inglaterra dirigem
sob a razão de Brown, Shipley & Comp. Qualquer destas firmas por si tem os
meios de dar o capital que este negócio requer, e sem embargo convidaram a
Pierpont Morgan e outros capitalistas ingleses, com o propósito de dar a
empresa o espírito cosmopolita. É mui provável que, o domínio legal da empresa
seja em Londres, e nesse caso se me convidou a tomar assento no diretório em
resguardo dos interesses da República.
Trata-se
de conseguir que o delegado da Companhia do Acre seja um chefe militar inglês,
científico e organizador, que se distinguiu na Guerra do Transvaal. O
embaixador americano em Londres, Mr. Choate, consultado sobre o sindicato,
declarou que não era possível formar outro mais poderoso. Mr. Hay, Ministro das
Relações Exteriores na grande República, em carta dirigida ao Dr. Bridgman
disse textualmente o seguinte:
Departamento do Estado – Washington
Caro Dr. Bridgman
Tenho o prazer de
recomendar-lhe o Sr. Frederico W. Whitridge, de Nova Iorque, que é interessado
no Sindicato Boliviano composto dos seguintes cavalheiros:
Mr. F. P. Olcott, do
Central Trust & Company;
Mr. Adrian Iselin Jr;
Mr. W. William A.
Reid Messers Varmelja & Company;
M. R. J. Cross, que
representa Mr. Jorge Bliss, que era antes sócio de Messers Morton, Bliss &
Company;
Messers, Roosevelt
and Sons, especialmente Mr. Emilio Roosevelt, que é primo do nosso
vice-Presidente;
Messers, Brown Brothers
& Company;
Mr. Frederick W.
Whitridge;
Mr. K. Twombly;
Mr. John R. Hageman,
presidente da Metropolitan Ld. Insurance Company e também;
Mr. Augusto Belmont.
Informam-me de que
foi organizada uma companhia sujeita às leis do estado da Virgínia com um
milhão de dólares de capital. Pelos nomes que lhe indiquei verá que o sindicato
está composto de homens da mais alta posição e de grande fortuna.
Compreenderá que esta
carta não é de maneira alguma oficial e que o Governo dos E.U.A. não toma parte
em qualquer petição de concessões que estes cavalheiros possam fazer ao governo
da Bolívia. Só desejo dar testemunho da alta posição destes cavalheiros, cujos
nomes citei e que ficarei muito obsequiado por qualquer conselho que lhes possa
prestar.
John Hay.
O
Sr. Dr. Fernando Guachala, nosso Ministro em Washington, consultado pelo Sr.
Presidente da República, deu-lhe em carta recente as mais amplas e
satisfatórias informações sobre o poder do sindicato e a alta posição de seus
membros. Graças à influência deste sindicato, podemos, sem dúvida, contar de
hora em diante com o apoio moral da Chancelaria Americana em nossas questões,
ante o Governo do Brasil, referentes à livre navegação dos rios que dão acesso
ao nosso território.
Que
direis honrados Srs. representantes, sobre o alcance do plano que havemos
traçado? Basta lançar a vista sobre os acontecimentos que se desenrolaram
naquelas regiões onde £ 70.000, pelo menos, produziu a alfândega do Acre no
último ano financeiro. Tudo se consumiu com a sua defesa e mais de um milhão e
tanto de bolivianos arrancados de um orçamento exíguo, com prejuízo dos
serviços mais urgentes.
O
tributo de sangue nós o havemos pago em proporções alarmantes que confrangem a
alma.
Se
o resultado desses sacrifícios fosse definitivo, se a posse perpétua daquelas
ricas comarcas fosse assegurada, poderíamos nos consolar com a ideia de que a
consolidação de um Estado não se pode conquistar sem o sacrifício de vidas e de
capitais; examinemos, porém, friamente a situação. Por enquanto ocupamos o
Acre.
Manaus
se mantém tranquilo porque não conta com aventureiros bastante arrojados para
afrontar de novo nossos heróis, por mais que suas forças se hajam exagerado
pelo cansaço e pelas enfermidades. O Brasil respeita as tradições honradas de
sua chancelaria e se conforma que ocupemos o território que recebemos como
nosso por força dos Tratados, mas espera que se há de produzir de novo o
conflito e que havemos de ir “motu
proprio” ([2])
lhe oferecer o Acre
em troca de outras compensações.
O
Peru nos ameaça e, vendo que não nos há de vencer, no terreno diplomático,
adota o plano de ocupar de fato tanto terreno quanto pode, chegando as suas
pretensões até o Madeira. Ainda no Alto Acre se apresentaram expedições que
pretendem exercer atos de soberania. Nos afluentes do Juruá existem
corregedores nomeados pelo Governo do Peru.
Cada
passo que dermos no sentido de fixar nossas alfândegas no Ituxi, no Iaco, no
Purus, no Embira, no Tarauacá, que produzem borracha e que são férteis e ricas
regiões, há de oferecer um novo obstáculo, quer seja pelos povoadores
brasileiros alentados por Manaus, que percebe atualmente os direitos sobre a
borracha dessas regiões, quer seja pelo Peru, que pretende direitos de
soberania, como tem feito constar o Cônsul peruano Sr. Pezet, em repetidos
protestos contra o Sindicato.
Se
não mantivermos ali um exército, a ocupação do solo e a percepção das rendas
serão ilusórias. E a ninguém se oculta hoje a dificuldade de equipar,
transportar e sustentar um exército naqueles longínquos e mortíferos climas.
Por conseguinte, a ocupação daqueles imensos e ricos territórios é insustentável com os elementos que
atualmente conta o país. Muitos há que, convencidos disso, propõem sua
venda ao Brasil, como única solução.
O
governo encontrou um meio eficaz, não só de ocupar e defender aqueles territórios,
como de comvertê-los em um centro de prosperidade, em uma fonte
importantíssima de riqueza que há de inundar gradualmente todo o resto do país,
mediante o estabelecimento de vias férreas e companhias de navegação. O grande
movimento de capitais e de energia industrial que se inicia há de marcar
indubitavelmente o princípio de uma nova era de progresso para a República.
Não escapou aos legisladores bolivianos o perigo
da absorção americana consequente ao arrendamento Aramayo: no parecer do
Congresso Nacional é prevista e estudada a hipótese e o relator frisa bem que “entre essa ameaça remota e a perda imediata
do território a que a que a Bolívia estaria condenada com as sucessivas
revoltas promovidas ou auxiliadas pelos interesses dos brasileiros, não havia que
hesitar”.
Em nota
ao nosso Ministro das Relações Exteriores, que faz alusão à eventual atitude do
Governo dos Estados Unidos de frente à repulsa do Governo do Brasil ao Bolivian
Syndicate, o Sr. Page Bryan declarava, em suma, que o Governo Americano não
podia ser indiferente aos interesses dos seus nacionais. Entretanto, se desde a
publicidade do Contrato não podia restar dúvida quanto aos intuitos do Governo
Boliviano, os seus atos e negociações precedentes eram de molde a desviar a
vigilância do Governo Brasileiro. Com efeito, o confronto de alguns fatos é
expressivo.
Em
12.03.1900 [a 15 do mesmo mês e ano tinha o Sr. Aramayo as instruções para
negociar o arrendamento de todo o Território pelo período de 60 anos], o Sr.
Salinas Vegas, Ministro Diplomático da Bolívia, celebrava em Petrópolis um
Contrato de arrendamento da alfândega de Porto Alonso [então em poder de Luiz
Galvez] pelo período de três anos, obrigando-se o arrendatário, como condição
para vigência do Contrato, a pacificar o território do Acre “mantendo a ordem e fazendo respeitar a
pacificar o território do Acre mantendo a ordem e fazendo respeitar a soberania
da Bolívia no Acre e seus afluentes”. Nesse Contrato, de Petrópolis, é
ressalvada a hipótese de cessão de território pela Bolívia. “En el caso en que por alguna razón o
acuerdo, la Bolivia renuncie espontánea y voluntariamente al territorio de
Acre, obliga-se, etc., etc”. O Contrato feito em Petrópolis era, pois, um
arranjo preparatório do Contrato Aramayo e aplainaria dificuldades ao “Bolivian Syndicate”.
Por esse
tempo também o Sr. Salinas Vegas conferenciava com o nosso Ministro das
Relações Exteriores Sr. Magalhães sobre permuta de território na região
acreana. Em carta datada de 31.03.1900, positivando ideias expendidas em
conferências com o Ministro de Estado do Brasil, o Sr. Salinas Vegas propunha
para limite entre os dois países uma linha quebrada, a Leste do Iaco, traçada
perpendicularmente da oblíqua do Tratado de 1857 [linha Cunha Gomes] no
paralelo 10°20´. O Ministro das Relações Exteriores do Brasil pretendia outra linha perpendicular mais a Oeste, a qual o representante da
Bolívia objetava que ela iria obrigar a criação de duas alfândegas, uma na
confluência do Purus com a linha Cunha Gomes, outra na confluência do Purus com
o Iaco. Esta negociação não prosseguiu, alegando, em certo ponto, o Sr. Salinas
Vegas que não tinha os plenos poderes. Que, se houvesse, porém, levado a termo
a projetada permuta – um pequeno trecho de território que tínhamos reconhecido
boliviano no vale do Acre, 15 milhas, por cerca de 50 milhas de território
nosso no Amazonas – é intuitivo que tal arranjo não resolveria, antes viria
piorar a situação.
A maior
parte do Acre, cerca de 250 milhas quadradas – a mais produtiva e a mais
povoada de brasileiros – continuava boliviana; como boliviano permanecia o
trecho abaixo do paralelo 10°20’ igualmente ocupado e explorado por
brasileiros. Do que vem exposto resulta que a Bolívia realizava no arrendamento
do seu “Territorio de Colonias” uma
ideia governamental maduramente meditada e aceita no país.
Outros
planos anteriores de colonização particular do Acre já se haviam estudado e
resolvido na Bolívia. A última combinação era, sem dúvida, mais vasta e
poderosa; não era, todavia, a primeira: em 1880 fora sancionado o Contrato
Bravo com a anuência dos diretores políticos da Bolívia.
Para a
Bolívia era um ato feito e acabado o arrendamento do Bolivian Syndicate.
Seriam inúteis junto ao Governo Boliviano quaisquer protestos ou tentativas
nossas. E a desesperança de alcançar modificações na execução do Contrato, como
já antes falhou a expectativa de ver desaprovado pelo Congresso Nacional da
Bolívia seguiu-se aos últimos esforços empregados então pelo nosso Governo.
Escritor
bem informado, que em uma série de comunicados ao “Jornal do Commercio” fizera a defesa dos atos do nosso Governo
referentes a Questão do Acre, escrevia por fim estas palavras de resignado
desalento, que importavam o reconhecimento do fato consumado:
Hoje, que este assunto – o arrendamento – se
acha, ao que parece concluído, torna-se preciso que façamos à Bolívia a justiça
a que tem direito. É nossa crença que, em circunstâncias idênticas, qualquer
outro país teria tido igual procedimento. A Bolívia viu povoado por cidadãos de
um país vizinho e mais forte uma parte de seu território.
Sabe que nesse país existem homens de
imputabilidade que levantam a opinião no sentido da reivindicação deste mesmo
território, positivamente seu, pelo Tratado de 1867 e como tal considerado pela
nossa chancelaria desde 40 anos passados. Considera que nesse território fez-se
uma revolução que se afirmava ser fomentadas pelo estado brasileiro vizinho.
Com grande sacrifício de homens e de dinheiro envia àquelas longínquas paragens
duas expedições militares.
Sente-se ameaçada na sua propriedade e vê-se na
impotência de fazer face à novas eventualidades. Que fazer? Foi sua inspiração
buscar proteção de um país forte, por meio de um contrato com cidadãos desse
mesmo país. Persiste a propaganda injusta que se tem feito entre nós e surta
ela efeitos positivos, que a Bolívia, ferida em sua impotência, será capaz, não
já de arrendar, mas de vender e até fazer doação daquele território a uma nação
mais poderosa, cravando-nos destarte um espinho em carne viva.
Poderíamos protestar, alegando pertencer-nos
parte desse território; mas essa nação mais poderosa, quando muito,
propor-nos-ia o arbitramento, que nos é imposto pela própria Constituição, e
neste a nossa perda seria evidente, clara como a luz meridiana. Ato de
patriotismo seria, pois, na hora atual, estimularmos o nosso Governo a mandar
traçar, o mais breve possível, a nossa linha divisória.
Não
poderia ser mais inquietadora a situação pública do país. Era extrema a
exaltação dos ânimos irritados pela iminência do arrendamento e manifestavam-se
ardorosamente todos os órgãos de opinião. Um brasileiro ilustre na política do
país desde o Império, assim se exprimiu em artigo da imprensa:
Confrange o coração o modo como o Governo encara
o desastre do Acre. Não afronta a gravidado de uma situação que cria em nossas
fronteiras indefesas e no coração do continente sul-americano um Sindicato
territorial estrangeiro, à imitação de outros idênticos, estabelecidos no continente sul-africano, de
tristes funestas recordações. Não se
eleva à altura do dever de dar ao incidente enquanto é tempo a condigna solução
que resguarde o mais vasto, o mais rico e o mais indefeso estuário do mundo,
como é a região amazônica, e com ela a integridade da Pátria! Ou porque
sentindo o peso das responsabilidades o queira repartir com outros, ou porque
dando o desastre por consumado o queira dissimular com impertinentes e
irritantes demonstrações, o Governo diverte-se em recordar-nos os antecedentes
da Questão do Acre e fazer caretas pueris à Bolívia de mal dissimulado despeito
de um logrado, desaconselhando aos brasileiros a menor coparticipação no
Sindicato e repudiando o Tratado de Comércio celebrado com aquela República!
Outra e não essa é a questão que agita o espírito
público, que preocupa o patriotismo brasileiro, que ameaça e sobressalta toda a
América do Sul. Os antecedentes da questão do Acre são assaz conhecidos. Nossos
limites com a Bolívia foram fixados pelo Tratado de 1867, ao qual até hoje se
não deu execução, e sem essa execução não é possível determinar definitivamente
a qual das potências confinantes pertence a região do Acre. As divergências
manifestadas pelos comissários brasileiros sobre a nascente do Javari, estavam
impondo a necessidade de uma demarcação regular por uma Comissão Mista
Internacional.
Em vez desse processo regular para a execução do
Tratado, preferiu-se adotar arbitramento, no infeliz protocolo de 1895, o
errado Marco Tefé, aliás plantado com o Peru e não com a Bolívia. Reconhecido o
erro, o protocolo de 1895 foi substituído pelo não mais feliz protocolo de
1898, que adotou “provisoriamente” a
linha Cunha Gomes por fronteira.
Felizmente tais protocolos não se continham no
Tratado, virtualmente sequer, não criavam nem suprimiam direitos contra ou além
do Tratado de 1867, por cuja execução somente se poderá demarcar
definitivamente a linha divisória que, partindo do Madeira, vá ter às nascentes
do javari, onde se achassem.
Menos podem criá-los ou suprimi-los simples notas
ministeriais infelicíssimas, como foram as duas famosas da chancelaria
brasileira, uma relativa à Alfândega de Porto Alonso, outra em resposta à nota
de 7 de março, do Ministro boliviano nesta Capital.
“O Paiz”, em editorial de 27.07.1902,
referindo-se ao ato do nosso Governo, sujeitando à legislação fiscal da União e
do Estado do Amazonas as mercadorias procedentes do Acre e retirando de Porto
Alonso o Cônsul brasileiro ali estabelecido, escrevia:
Este processo de resolver uma questão delicada como
a delimites, depois das declarações feitas pela nossa chancelaria e dos solenes
compromissos por ela tomados à face de todo o mundo, não nos parece digno da
nossa cultura política e das nossas tradições diplomáticas.
É preciso salientar que, como toda a gente,
julgamos ser da maior utilidade para o País que o Acre volte à nossa
jurisdição; como toda a gente, entendemos que o Governo do Brasil se deve opor
por todos os meios à execução do arrendamento a bem da sua própria integridade,
ameaçada por uma vizinhança importuna e usurpadora; mas isso não quer dizer que
aprovemos as deploráveis chicanas em que a nossa chancelaria se tem envolvido
em desespero de causa; o desembaraço com que o atual Governo repelia a sua
orientação e considera nulos atos internacionais, praticados por sua livre
vontade, e que já produziram os seus efeitos; e a inconsciência com que por fim
se lança em uma aventura séria como essa da renacionalização do Acre por uma
simples nota, e que obrigará talvez ao extremo de uma declaração de guerra. (OCS,
n° 034)
Bibliografia
OCS, n° 34. O Território do Acre – Resumo
Histórico da Questão – Brasil – Cruzeiro do Sul, AC – O Cruzeiro do Sul, n°
34, 03.03.1907.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H