Sexta-feira, 18 de março de 2022 - 08h10
Bagé, 18.03.2022
O Cruzeiro do Sul, n°
36
Cruzeiro do Sul, AC – Domingo, 17.03.1907
O
Território do Acre
Resumo Histórico da Questão
Tudo o que há a fazer é os demarcadores correrem
essa linha reta. Quanto a outra, entre o Peru e a Bolívia, há disputa. Os mapas
bolivianos a representam como correndo, apenas um pouco para Leste do rumo Sul,
em linha reta para o Lago Titicaca até esbarrar na serra Carabaia, ao passo que
os mapas peruanos fazem-na correr quase exatamente em rumo do Sueste até a
Longitude 60°30’ O, e daí quase em rumo Sul até o Lago Titicaca. Assim, o
ângulo formado pelas linhas de limites do Peru e do Brasil com a Bolívia é de
52 graus, segundo os mapas bolivianos, e só de 28 graus, segundo os mapas
peruanos.
O Acre jaz dentro desse ângulo. Forma um imenso
triângulo, grosseiramente isósceles tendo por base o Rio Beni. É atravessado
por muitos dos mais remotos tributários do Amazonas e desta parte acessível
para o mundo exterior. De fato, seria enormemente difícil na atualidade, o
acesso por qualquer outra via. O Brasil tem, portanto, em suas mãos,
estrategicamente, a chave da situação. Concedida a livre navegação do Amazonas
e de seus tributários, o Acre está aberto ao comércio do mundo.
Fechada tal navegação o Acre será um livro
lacrado até a época em que a Estrada de Ferro Boliviana for prolongada desde
Oruro através da Cordilheira e dali para Norte e Oeste quatrocentas milhas; e
assim as condições comerciais serão muito menos favoráveis do que pelas vias
fluviais naturais. Há, pois, as mais fortes razões para se desejar um acordo
amigável com o Brasil. Disso grandemente depende o desenvolvimento dos grandes
recursos naturais do Acre. Não parece haver motivo plausível pura que
semelhante acordo deixe de ser preferível. Nem há, aparentemente, causa para o
Brasil opor-se à proposta exploração do Acre. Deve, ao contrário, acolhê-la
bem, visto que dela lhe advirá muito comércio, e com ela promoverá o
desenvolvimento de seus próprios Estados do Amazonas e de Mato Grosso.
Justamente três razões têm sido sugeridas para a
relatada oposição. Uma é a questão da linha de limites, com a reclamação de que
parte do Acre está em território do Brasil. Esta é, contudo, insustentável
desde que o Presidente do Brasil anunciou a final e satisfatória solução da
questão de limites. A segunda é que o Brasil quer continuar a colher
furtivamente borracha nas reservas do Acre, o que terminaria em face da
concessão americana. Esta sugestão é demasiadamente indigna do Brasil para
poder ser tomada em consideração. A terceira razão é que o Brasil julga que a
concessão comercial americana é uma cunha para abrir a conquista daquele
continente pela política americana.
Ainda que a primeira
vista ela pareça desarrazoada, devemos acreditar que semelhantes ideias absurdas são tomadas em
consideração. Os jornais do Rio de
Janeiro tem estado ultimamente a manifesta-las. Assim a “Gazeta de Notícias” declara que aos Yankees em breve serão os reais
possuidores de muitas regiões da América do Sul e outros jornais, no Brasil e
fora dele, tem dito coisas semelhantes; e sobre tais fundamentos têm levantado
protestos contra esta concessão do Acre.
Semelhantes ideias são certamente encorajadas por
outros países, especialmente pelos próprios que mais diligentemente estão se
esforçando por obter o predomínio dos territórios da América do Sul, e todos os
preconceitos e rivalidades são postos em jogo até o extremo, no intuito de
despertar suspeitas e receios dos sul-americanos. Deve ser, todavia, possível
corrigir impressões tão completamente falsas como estas.
A ideia que os Estados Unidos têm em mira
aquisição territorial no coração do continente sul-americano ou que quaisquer
concessões, comerciais ali tenham ulteriores objetivos políticos, é tão louca
como qualquer outra praticada em Potsdam. Se o protesto brasileiro contra a
concessão do Acre não assenta em base melhor do que essa, não é digno do um
Estado esclarecido.
Trasladamos
ainda o seguinte artigo do “Morning Post”,
que concorre para revelar a corrente de ideias que se ia avolumando no
exterior:
O desacordo entre a Bolívia e o Brasil, acerca da
concessão do Território do Acre feita pela Bolívia a um Sindicato norte-americano,
torna-se cada vez mais grave e poderá dar ensejo a um verdadeiro conflito. É
possível também que esta questão tenha grande repercussão na política de todas
as repúblicas sul-americanas e chegue a despertar séria atenção dos Estados
Unidos e de todas as grandes potências europeias. O negócio já saiu do período
das recriminações polidas o dos protestos diplomáticos. O Brasil adotou a
princípio uma atitude muito enérgica, agora cessou as suas ameaças, guardando,
entretanto, uma reserva pouco simpática à Bolívia.
Pode-se dizer que do ponto de vista do direito
internacional o Brasil não podia manter a sua atitude francamente hostil.
O Cônsul boliviano no Pará informou ao seu
Governo, em data de 15 de julho, que os vapores “Taunay” e “Brasil”, vindos
do Acre com carregamento de borracha, em trânsito, chegando a Manaus com os
papéis perfeitamente regulares e tendo as autoridades aduaneiras dali
reconhecido que a borracha era efetivamente em trânsito e permitido que os
referidos navios seguissem seu caminho, as autoridades do Pará retiveram a
carga, exigindo pagamento de direitos de exportação como se a mercadoria fosse
de procedência brasileira. O Ministro da Bolívia no Rio do Janeiro protestou
vivamente e obteve esta resposta do Governo Brasileiro:
O Brasil
reconhece a ilegalidade do recebimento dos direitos de exportação, mas não
tomará nenhuma resolução favorável enquanto o governo da Bolívia não tiver
anulado a concessão feita ao Sindicato norte-americano.
Foi provavelmente em seguida à reclamação do
Ministro da Bolívia, que o Sr. Bryan teve uma longa entrevista com o Ministro
dos Negócios Estrangeiros. O Governo Brasileiro consentiu e deu ordem para que
deixassem passar os dois navios sem o pagamento dos direitos, mas acrescentou
que para o futuro não admitiria no Amazonas o livre trânsito das mercadorias
provenientes do Acre. O Governo Brasileiro justificou essa resolução dizendo
que o Congresso não adotou o Tratado de Comércio e de Navegação que estava em
negociação, desde 1896. Essa manobra anulava por conseguinte o “modus vivendi”, adotado em 1899, e o
Governo do Brasil podia assim rejeitar o Tratado que concede a liberdade de
trânsito. Esse sistema é muito engenhoso ou muito ingênuo.
O Rio Amazonas está, portanto, trancado aos
produtos provenientes da Bolívia e isso é contrário ao espírito das leis
internacionais relativas à navegação dos Rios. A teoria da lei internacional
concernente à navegação dos rios que correm por diferentes países, não está
ainda definitivamente assentada; mas na prática, os usos são uniformes.
O Brasil não pode recusar à Bolívia acesso para o
Oceano, pois que ele próprio se aproveita da saída dos Rios Paraná e Paraguai. Agora
esta questão não é mais para ser tratada unicamente entre o Brasil e a Bolívia.
A concessão foi feita com todas as formalidades legais e os concessionários
conquistaram direitos que devem ser respeitados e entre esses direitos o
primeiro o do acesso à região. O Brasil agora não está somente em conflito com
o vendedor, que é o Governo mas também com o comprador, que é o Sindicato
norte-americano.
Os
grandes capitalistas de países como a Inglaterra e os Estados Unidos não podem
tolerar que os esforços legítimos de seus compatriotas para abrir ao comércio e
à indústria e para a prosperidade ainda superficialmente, apenas conhecidos,
sejam aniquilados pelo Governo Brasileiro. Ainda não se sabe exatamente que
observações o Governo dos Estados Unidos fez ao Ministro dos Negócios
Estrangeiros do Brasil, mas pode-se estar certo de que a opinião pública
norte-americana não permitirá que os concessionários sejam despojados dos
privilégios que conquistaram da maneira mais legal. O Brasil procura
simplesmente impedir o acesso ao Território do Acre e, entretanto, tem o maior
interesse em ver os concessionários ali se estabelecerem. Estando livre o
caminho do Atlântico, o porto de Manaus tomará uma importância extraordinária. Se
o Brasil fechar a livre navegação, cometerá uma violação de todos os usos
internacionais. Em meio desta agitação é aberto de novo em nossas Câmaras o
debate sobre o incandescente problema do Acre. Em Maio de 1902, quando o
Governo pediu a retirada do Tratado de Comércio com a Bolívia, pendente a
deliberação de Câmara dos Deputados, discutiu-se calorosamente o assunto, em
sessões públicas e secretas, com uma veemência que as graves circunstâncias de
então justificavam.
E já se
afigurava a muitos, como contingência inevitável a que seríamos infelizmente
arrastados, um conflito armado entre as duas nações. Já na sessão de 18 de
abril desse ano o Sr. Deputado Bueno de Andrada apresentava o seguinte
requerimento de informações:
1° quando
sujeitará ao conhecimento do Congresso as transações entabuladas entre as
Repúblicas dos Estados Unidos do Brasil e da Bolívia para demarcação de suas
fronteiras entre o Rio Madeira e a principal origem do Rio Javari?
2° quais
os trabalhos executados pela última Comissão Brasileira para a determinação de
uma parte dessa linha divisória?
3° se
tem conhecimento de qualquer transação, projetada ou já realizada, entre o
Governo Boliviano e cidadãos da República dos Estados Unidos, da América para
exploração industrial dos produtos do vale do Rio Acre?
Fundamentando
o requerimento, disse o Deputado por S. Paulo:
A questão que me traz à tribuna é da mais alta
importância, é da mais pavorosa gravidade. Diz a imprensa e a população
alarma-se com as notícias de que a República da Bolívia acaba de arrendar a um
Sindicato norte-americano, a cidadãos da poderosa República, terrenos
litigiosos, solo que, tenho certeza, depois da discussão sobre o assunto,
continuarão a pertencer à nossa Pátria.
A questão é grave; afeta a integridade do
Território Brasileiro, e, portanto, a paz da Nação. Não podemos ficar
indiferentes. A nós cabe a mais alta, a mais direta responsabilidade na solução
desse grande problema nacional. Assim, nos animamos a apresentar à consideração
da Casa um requerimento, que entregamos ao exame e ao patriotismo dos Srs.
Deputados.
O
discurso do Deputado paulista terminava assim:
Nenhuma nação vê aproximar-se sem apreensão do
coração de suas terras, colocarem-se no centro de seu País, ambições tão
demasiadas de gente tão poderosa como são as dos filhos dos conquistadores da
Índia. As vastas conquistas das raças saxônicas começaram sempre,
Sr. Presidente, por simples empresas
comerciais. Lord Clive, Harring Hastings, os quais presentearam a
Inglaterra com o Império da Índia, começaram sua carreira de glória como
simples caixeiros de uma companhia. Estas são as bases do nosso requerimento.
Esperamos do patriotismo da Câmara a sua aprovação. Deste fato depende um dos
modos pacíficos de resolver este problema. É preciso esgotar todos os meios
suaves antes de precipitarmo-nos nas soluções extremas. Não que as temamos; mas
o apurado grau de civilização a que atingiram nossas leis, os nobres
sentimentos de amor, de paz, de fraternidade, que ditaram a nossa Constituição
Republicana nos impõem a máxima tolerância para com todos os povos e zelo de
manter a paz ao continente. (OCS, n° 036)
O Cruzeiro do Sul, n°
37
Cruzeiro do Sul, AC – Domingo, 24.03.1907
O
Território do Acre
Resumo Histórico da Questão
Se no entanto, invadido nosso território,
ameaçada a vida nacional, desrespeitados nossos direitos, formos obrigados a
consentir em soluções sangrentas, não as tememos. O ousado marujo de nossas
praias, o duro montanhês de nossas serras, o campônio valoroso de nossos
pampas, toda essa população tão brava e tão patriótica, se juntará impávida às
fileiras do nosso Exército ao redor da nossa Bandeira.
Então não será a pena dos diplomatas que marcará
os limites do Território Nacional. A ponta da baioneta de nossos soldados,
tinta no sangue dos invasores, traçará as fronteiras de nossa Pátria. “Spoliatis arma supersunt” ‒ “Aos
espoliados restam as armas”. Senhores Deputados, entrego ao vosso
patriotismo a sorte do nosso requerimento. [Muito bem! Muito bem! O orador é
abraçado e cumprimentado].
O Sr.
Deputado Lamenha Lins, Presidente da Comissão de Diplomacia e Tratados, membros
da maioria, deu o seu voto ao requerimento, proferindo estas palavras:
Sr. Presidente,
poucas palavras direi sobre o assunto. Penso que em matéria que entende com a
nossa integridade territorial não pode haver nesta Câmara, nem em todo o
Território da República, opiniões divergentes. [Apoiado! Muito bem!] Estou
convencido de que o Governo da República, que soube defender e levar afinal à
vitória os nossos direitos quanto às terras das Missões e do Oiapoque, há de demonstrar
ao País inteiro que não descurou da defesa dos interesses nacionais. É por esta
razão que, na qualidade de amigo do Governo, e certo de que ele saberá
utilizar-se desta oportunidade para justificar-se plenamente, voto pelo
requerimento do meu ilustre colega Sr. Bueno de Andrada.
De passagem direi que existem sobre a mesa documentos
enviados pelo Executivo que devem ser submetidos à consideração da Comissão de
Diplomacia e Tratados, documentos, por sua natureza secretos ainda, que talvez
elucidem em parte algumas dúvidas apresentadas pelo meu digno colega. Com a
possível celeridade a Comissão de Diplomacia se desempenhará da missão que lhe
incumbe e apresentará à Câmara dos Deputados, em sessão pública ou secreta, os
resultados do seu estudo. Seja-me permitido dizer que confio na habilidade e
na pena dos nossos diplomatas. Julgo que é cedo ainda para apelarmos para a
indômita bravura dos nossos compatriotas e para as baionetas dos nossos
soldados.
O Sr.
Bueno de Andrada:
Em última hipótese. Foi neste caso que falei
nisto.
O Sr.
Lamenha Lins:
[...] e direi ao ilustre orador que me precedeu
na tribuna que os nossos vastos Territórios do Sul e os ainda mais vastos do
Norte foram conquistados apenas depois de derramado muito sangue dos
brasileiros que os defendiam o dos estrangeiros que os disputavam. Tenho
concluído. [Muito bem! Muito bem!]
Os papéis
a que se referia o Sr. Deputado Lamenha Lins consistiam em uma mensagem
reservada, recebida na Câmara a 16 de abril, e que foi sem demora remetida à
Comissão de Diplomacia, na qual se pedia a retirada do Tratado do Comércio com
a Bolívia ainda não aprovado polo Congresso. A Câmara discutiu o assunto em
sessões secretas, consecutivas de 7 a 19 de maio.
Na sessão
do dia 19 a Câmara dos Deputados votou um requerimento do Sr. Serzedello
Correia, do qual foi publicado o 8° item, assim concebido:
Que a Câmara aprove a atitude do Governo,
opondo-se com toda a energia e solicitude que o caso requer, ao ato impolítico
do Governo Boliviano, arrendando o Território do Acre.
De 23 de
maio a 27 de julho do 1902, estiveram a Câmara e o Senado reunidos em Congresso
para a apuração da eleição presidencial.
Em 11 de
julho, foi apresentado à Câmara, pelo Sr. Cincinato Braga, um projeto pelo
qual:
eram rejeitados os protocolos relativos ao Javari
e a demarcação da fronteira com a Bolívia, na parte entre esse Rio e o Madeira,
assinados em 19.02.1895, 19 de maio do mesmo ano, 30.10.1899 e 01.08.1900.
O projeto
foi logo julgado objeto de deliberação. A Comissão de Diplomacia adiou seu
parecer, tanto sobre este projeto como sobre o que o Sr. Bueno de Andrada
apresentou na sessão de 1° de maio “autorizando
o Poder Executivo a mandar proceder a estudos completos na região onde estão
situadas as origens do Rio Javari”, por entender ela, conforme informou à
Câmara, na sessão de 10 de outubro, o Deputado relator Sr. Gastão da Cunha, que
qualquer deliberação seria prematura antes de conhecidos os documentos que
deviam ser remetidos pelo Ministério das Relações Exteriores por força do voto
da Câmara. Em outubro chegaram à Câmara todos os documentos existentes no
Ministério das Relações Exteriores referentes ao conjunto dos assuntos que se
prendem aos nossos limites com a Bolívia. Os motivos e o alcance dessa requisição,
feita pela Câmara a requerimento, do Sr. Deputado Serzedello Correia, estão
expostos nas seguintes considerações do Sr. Deputado Presidente da Comissão de
Diplomacia e Tratados, Sr. Lamenha Lins:
O que o S. Exª Bueno de Andrada, em seu
requerimento de 16 de abril, pediu foi o cumprimento de uma disposição
constitucional; durante mais de uma hora, S. Exª aqui se esforçou em demonstrar
que os protocolos assinados em 1895 entre os Srs. Medina e Carlos de Carvalho,
assim como os formulados em 1899 e 1900 pelos Srs. Salinas Vega e Olyntho de
Magalhães não podiam ter validade enquanto não se cumprisse a formalidade
essencial de submeter à nossa apreciação todas as questões internacionais,
ajustes ou Tratados, porque todas essas expressões são sucessivamente
empregadas no art. 48, parágrafo último, da Constituição Federal. Vencedora a
opinião do ilustre Deputado, o honrado representante do Pará Sr. Serzedello
Correia entendeu e assim o declarou que, em vista do Congresso assumir tamanha
responsabilidade em uma questão desta magnitude, não convinha absolutamente
privá-lo de todos os elementos necessários ao seu esclarecimento. Por esta
razão, S. Exª apresentou o seguinte requerimento:
Vê-se, por consequência que o intuito dos dois
ilustres Deputados não foi pedir esclarecimentos pessoais, a fim de dissipar
dúvidas que ocorressem aos seus espíritos, mas sim habilitar a Câmara dos
Deputados, habilitar o Congresso Nacional a pronunciar-se a respeito com
inteiro, amplo e perfeito conhecimento de causa. E tanto assim compreendeu o
Governo da República, que remeteu à Câmara dos Deputados documentos originais,
insubstituíveis, documentos importantíssimos, alguns datados dos tempos
coloniais, por não haver tempo de copiá-los, e se assim agiu é porque estava convencido
de que não ia satisfazer a curiosidade de um ou dois membros desta casa, mas
sim esclarecer o Congresso Nacional. É por isso que aqui se tem dito, e todo e
mundo repete, que o Congresso Nacional avocou a si a solução dos protocolos e
sobre este terreno gira a questão.
O Sr. Gastão da Cunha:
Aí, de acordo!
O Sr. Lamenha Lins:
A Comissão de Diplomacia e Tratados não podia
agir de forma alguma, embora solicitada pela apresentação de projetos, uma vez
que estava adstrita ao item 6° do requerimento do Sr. Serzedello Correia, que,
apesar de competente, apesar de haver escrito um livro sobre o assunto, apesar
do ser um dos mais interessados na questão, como representante da zona mais
diretamente afetada, entendeu que não convinha precipitar uma resolução sem
exame demorado, longo e esclarecido, e a tal ponto levou seus escrúpulos que
propôs até que a Câmara silenciasse a respeito de uma possível resolução, não
tomando deliberação alguma sobre esta importante questão dos limites
brasileiros e bolivianos.
Os debates parlamentares da época refletem o estado de agitação do
País aos últimos dias do quatriênio anterior, no que concerne à pendência
acreana.
Enfrentar resolutamente a temerosa questão que se erguia em nosso
horizonte como uma cratera inflamada, tornara-se uma necessidade instante e
urgente. Com razão dizia, em notável documento político, referente ao assunto o
eminente político brasileiro:
O conflito entrava em um período candente, cujos
episódios abalariam a paz americana ou constrangeriam o nosso Governo a se
desdizer, repudiando a obra de 1895 e 1899.
Qual pudera ter sido a iniciativa do Poder Legislativo ou qual a
altitude da Câmara depois do exame dos documentos que lhe foram enviados? A
verdade é que o estudo atento de todas as peças oficiais e dos antecedente
todos da questão, desde 1867, levaria forçosamente à convicção de que, no
estado a que havíamos chegado, só pela ação da diplomacia, vigorosa, decidida e
pronta, no terreno político, entabulando negociações diretas para um acordo
entre os dois países, seria possível conseguir a solução satisfatória. Qualquer
das providências sugeridas até então, tirante uma nova negociação direta com a
nação limítrofe, mesmo que pudesse trazer vantagens, o que é discutível,
deixaria que continuasse indefinidamente e se fosse continuamente agravado, até
ser irremediável, a situação precária dos brasileiros no vale do Acre.
Novos estudos da região, como propunha o Sr. Deputado Bueno de
Andrada.
Ora, estudos regulares e consecutivos trouxeram a certeza absoluta de
que o Jaquirana era a nascente principal e a mais Meridional do Javari, e que o
Rumiac, afluente secundário do Jaquirana, tinha sua nascente mais ao Norte. Embora
a diferença da posição astronômica, explicável por defeito ou incorreção dos
aparelhos, coincidam perfeitamente no solo as indicações dadas pelas Comissões
Cunha Gomes e Cruls. Positivamente que a mais Meridional das nascentes do
Javari demora a alguns graus acima do Paralelo 10°20’. Que faria a Câmara em
face dos protocolos que o projeto, apresentado a 11 de julho, declarava
rejeitados?
Aprová-los, seria dar às reivindicações da Bolívia o voto favorável do
Congresso Brasileiro; prestigiando afinal, o que jamais havia feito, a
interpretação uniforme, constante, reiterada do Governo do Brasil à discutida
cláusula do Tratado de 1867 no sentido da oblíqua Javari-Beni. Rejeitados,
opinando assim expressamente pela interpretação da linha paralela ao Equador,
conforme começaram a sustentar no Brasil a partir de 1900, era provocar da
parte da Bolívia uma proposta de arbitramento, que não poderíamos razoavelmente
recusar.
Alguns apelavam, entretanto, para a solução do arbitramento, que aliás
os periódicos argentinos insistentemente aconselhavam estimulando o Governo de
La Paz a reclamá-la sem hesitação. Ora, o Governo do Brasil tinha motivos para
não esperar confiantemente, em 1903, após 33 anos de declarações positivas, em
cartas geográficas, em instruções a seus diplomatas o comissários, em notas
trocadas com a chancelaria boliviana, em documentos numerosos e inequívocos,
que o juízo arbitral desse ganho de causa à nova interpretação que ele só em
janeiro daquele ano adotara, quando notificou à Bolívia que passava a
considerar litigioso o Território compreendido entre a oblíqua tradicional e o
Paralelo.
Bem provável é que o árbitro julgasse procedente o que se escreveu
então, isto é, que o Brasil só começara a procurar o pensamento real dos
negociadores do Tratado, depois que viu que da sua execução resultava para o Brasil
a perda de um Território ubérrimo, cuja renda se avaliava já em milhares de
contos, e que o Brasil [embora uma nota recentíssima de seu Governo, a 14 de
novembro de 1902, ainda se mostrasse fiel à antiga inteligência tantos anos
consagrada] só afirmara a nova interpretação a 3 de Fevereiro de 1903, quando
sentira que lhe era indispensável, embora na defesa de direitos sagrados ocupar
militarmente o Território.
Além do que, conforme observava o próprio Ministro de Estado, o Sr.
Barão do Rio Branco, na exposição de motivos que precede o Tratado de
17.11.1903:
O recurso ao arbitramento teria o inconveniente
de retardar de quatro ou cinco anos, senão mais, a desejada solução e de, mesmo
no caso de nos ser favorável o laudo do juiz, não trazer decisão alguma radical
e definitiva, porquanto ele não suprimiria ou resolveria as dificuldades com
que os dois países lutavam desde 1899. Iríamos ao arbitramento abandonando e
sacrificando os milhares de Brasileiros que de boa-fé se estabeleceram ao Sul
do Paralelo de 10°20’. O árbitro só nos poderia atribuir o território que
havíamos declarado em litígio ao Norte desse paralelo e é ao Sul que está a
maior parte do Acre, sendo também aí muito mais numerosos os estabelecimentos
brasileiros. Durante o processo arbitral continuariam esses nossos compatriotas
em conspirações e revoltas contra a autoridade boliviana. Persistiria,
portanto, entre nós a agitação política em torno da questão do Acre e na
Bolívia, talvez, a tentação de algum novo arrendamento para, com recursos do
estrangeiro, subjugar uma população que lhe era decididamente infensa.
E, dada a volubilidade da opinião em alguns dos
nossos meios políticos e a influência que ocasionalmente poderia ter na da
maioria real ou aparente da nação, era impossível prever a que decisões nos
poderiam levar em momentos de exaltação patriótica, o espetáculo da constante
revolta desses brasileiros ou o da sua final submissão pelo quase extermínio.
Por outro lado, era muito provável que, mais do que as boas razões que pudéssemos
alegar, pesasse no ânimo do árbitro a tradição constante de trinta e cinco
anos, durante os quais o Governo Brasileiro, não somente considerou ser
incontestavelmente da Bolívia o território entre a linha oblíqua Javari-Beni e
o citado Paralelo, mas também chegou até a praticar atos positivos de reconhecimento da soberania boliviana,
antes de ultimada a demarcação, concordando na fundação de uma alfândega em
Porto Alonso, depois Porto Acre, e estabelecendo ali um consulado brasileiro.
[...] (OCS, n° 037)
Bibliografia
OCS, n° 36. O Território do Acre – Resumo
Histórico da Questão – Brasil – Cruzeiro do Sul, AC – O Cruzeiro do Sul, n°
36, 17.03.1907.
OCS, n° 37. O Território do Acre – Resumo
Histórico da Questão – Brasil – Cruzeiro do Sul, AC – O Cruzeiro do Sul, n°
37, 24.03.1907.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H