Segunda-feira, 4 de abril de 2022 - 07h38
Bagé, 04.04.2022
(Hull de La Fuente)
Tua
pele é cor de rosa,
Como
da rosa em botão,
Contou-se
estórias gloriosas
De sua grande sedução. [...]
14.09.2017 – Partindo de Xapuri
Acordei às 04h22. Partimos, eu e os
diletos amigos Bombeiros Militares, Sd BM Valderli, Sd BM Adélcio e Sd BM
Antônio, para a rampa de acesso à balsa da Sibéria, às 04h50. Descarregamos o
caiaque e comecei logo o aprestamento do mesmo. Estávamos tirando uma foto da
equipe quando surgiu o repórter Cássio da TV Acre. Informei-lhe do que se
tratava e ele prontamente fez algumas anotações a respeito da minha jornada.
Quem sabe em Rio Branco possamos contar com o apoio da mídia?
A jornada foi tranquila até às 11h00
quando a canícula começou a castigar meu corpo e minha vontade. Foi exatamente
nessa hora que comecei a ouvir alguns movimentos na água e uns bufos bastante
conhecidos (10°37’23,1” S / 68°21’35,7” O) dos meus amigos botos vermelhos.
Aportei e fiquei assobiando procurando identificar quantos eram. Eram apenas
três botos jovens e brincalhões, continuei minha descida acompanhado, durante
uns 25 minutos, pelos gentis animaizinhos.
Momentaneamente esquecera do
desconforto proporcionado pelo Sol abrasador e a dor nas costas. Estava remando
há quase seis horas. O local que eu determinara para acampar estava próximo e
comecei a prestar a atenção nas alternativas que se apresentavam – proximidade
de moradias, margens baixas e arenosas e, sobretudo uma sombra para montar a
barraca. Nenhum deles atendia a todos estes requisitos e acabei acampando no
local programado (AC 04 – 10°35’36,96” S \ 68°16’02,84” O) onde cada um dos
itens especificados fora contemplado. Montei a barraca, na sombra de um
pequeno arbusto puxei o caiaque para o barranco e amarrei-o a um tronco. Tentei
contato telefônico subindo o barranco mais alto e nada. Estava voltando para
tomar um revigorante banho de Rio quando avistei meus queridos amigos botos
brincando a poucos metros da margem em que me encontrava e após algumas sutis e
pouco audaciosas piruetas partiram. Foi uma noite tranquila e sem estranhos
ruídos.
Total do 6° Dia – Xapuri /
AC 04 = 58,8 km
Total Geral ‒ Iñapari / AC
04 = 352,2 km
15.09.2017 – AC 04 ao AC 05
Parti às 05h40.
Uma fina névoa encobria tudo. Em princípio era um tiro curto de 51 km até o
local que eu marcara para acampar. A chuvinha fina da noite anterior não
comprometera meu sono, pelo contrário, refrescara o ambiente e a noite foi
muito agradável. Novamente as borboletas pousavam no caiaque ávidas pela água e
pelo sal. Os jacarés, desde que parti de Xapuri, apareciam em maior número e
cada vez mais displicentes. Atiravam-se das barrancas e troncos na água logo
que o caiaque se aproximava por demais deles ou submergiam preguiçosamente ao
passar por demais perto deles.
Cheguei antes do meio-dia ao local que
marcara como próprio para acampamento. As margens eram adequadas, mas de um
barro muito pegajoso. Resolvi seguir em frente. Um belo boto vermelho macho de
quase dois metros sinalizou um local favorável e montei o acampamento 5
quilômetros a jusante (AC 05a – 10°20’57,4” S / 67°52’29,7” O). Coloquei a barraca para secar enquanto me
refrescava nas águas do Rio Acre.
Montei a barraca, colocando,
previdentemente um grande saco plástico estendido sob a loninha da barraca,
coloquei a tralha de dormir e material eletrônico dentro dela e estava enchendo
o colchão inflável quando chegou um forte temporal. Fiquei do lado de fora
segurando os estais até o vento e a chuva pararem. Sequei a barraca, não entrou
muita água, graças ao saco plástico improvisado. Terminei de inflar o colchão,
fiz alguns exercícios aeróbicos, sequei o caiaque, tomei meus remédios e
vitaminas, recalculei as próximas metas e me preparei para mais uma noite.
Total do 7° Dia – AC 04 / AC
05a = 56,0 km
Total Geral ‒ Iñapari / AC
05a = 408,2 km
16.09.2017 – AC 05a ao AC 06a
Por volta das 03h00 da manhã começou a
relampejar. Estava muito escuro, lua minguante encoberta pelas nuvens. Tentei
dormir, mas por volta das 04h00, como o tempo ainda estivesse estranho resolvi
preparar minha partida antes que começasse a chover e atrapalhasse a
desmontagem do acampamento. Precisava sair cedo, a jornada era longa (mais de
70 km), resolvera suprimir o pernoite no AC 06 para abordar Rio Branco em
apenas quatro dias e não cinco como anteriormente planejara.
A manhã foi por demais agradável, a
chuva torrencial de ontem criara uma névoa protetora contra os tenebrosos raios
solares tropicais e uma brisa fresca soprou até às 10h00 proporcionando uma
navegação amena e relaxante. Estava apreciando a paisagem quando observei, a
uns 300 metros, um curioso tronco sendo levado pela torrente. Não prestei muita
atenção ao mesmo, pois era um fato corriqueiro nestas paragens, mas, quando
olhei novamente para o tal “tronco”
notei que o mesmo não acompanhava a correnteza, mas se deslocava
perpendicularmente a ela.
Foi só então que me apercebi se tratar
de uma jovem lontra, com a cabeça, o dorso e a ponta do rabo para fora d’água.
Tentei então sacar minha máquina fotográfica que estava na caixa à prova d’água
no convés do Argo. Neste ínterim o afoito animalzinho chegara à margem direita
e tentou subir em um paredão vertical de arenito por duas vezes sem sucesso
caindo n’água desajeitadamente em cada uma das tentativas. Quando me preparei
para fotografar a lontrinha já havia mergulhado desaparecendo sem deixar
vestígios.
Por volta das 14h30, aportei 500
metros a montante (AC 06a – 10°10’48,2” S / 67°48’18,8” O) do AC 06. Um
ribeirinho, dono da plantação de melancias, ficou conversando por uma hora
contando sua história de vida e os efeitos da grande “alagação” de 2015. Mostrou-me sua plantação de bananeiras e feijão
de corda. As melancias estavam passadas e não valiam mais nada, o preço
oferecido pelos atravessadores de 2 reais por unidade, não compensava o
transporte e toda a plantação estava se deteriorando.
Consegui contato com o 7° BEC e
familiares pelo WhatsApp informando a hora prevista de minha chegada a Rio
Branco, Acre, onde pretendo recompor as energias durante três dias para depois
prosseguir para a última etapa até Porto Acre, AC, e Boca do Acre, AM.
Total do 8° Dia – AC 05a /
AC 06a = 70,5 km
Total Geral ‒ Iñapari / AC 06a = 478,7 km
17.09.2017 – AC 06a – Rio Branco.
Foi uma noite calma, sem ruídos
estranhos ou relâmpagos. Por volta das 22h00, a temperatura caiu o suficiente
para que eu vestisse a minha gandola e fizesse uso do saco de dormir. A imagem
de meu amigo ribeirinho colhendo cachos de banana a bordo de uma voadeira, na
alagação de 2015, volta e meia retornavam à minha mente. Ele gentilmente
convidara-me para jantar com sua família e eu agradecera o convite. Minha dieta
durante a navegação ficou reduzida a bananas e castanhas. A ingestão de
proteínas, de origem animal, ficou limitada apenas aos locais de repouso –
Epitaciolândia, Xapuri, Rio Branco, Porto Acre e Boca do Acre.
Dormi bem. Às 04h00, o despertador
tocou e iniciei a arrumação das tralhas no interior da barraca. Era um processo
mecânico, automatizado mesmo, mas que precisava ser meticulosamente executado
já que a escuridão fora da barraca era total. A encabulada Lua minguante
escondia-se por detrás das poucas nuvens que embuçavam o céu. Parti às 04h45.
Uma brisa fresca convidava-me a picar a voga. Recusei a oferta e parti no meu
costumeiro ritmo cadenciado aquecendo progressivamente a musculatura antes de
forçar o ritmo.
Estava de calção e camiseta fina de
meia manga, enquanto os ribeirinhos portavam roupas bem mais pesadas. Durante a
jornada recebi uma mensagem do Major Luciano Flávio informando o local em que
estaria me aguardando (Gameleira – Rio Branco – 09°58’38,1”S / 67°48’27,8”O)
com o pessoal de apoio. Na hora, não atentei para o detalhe do mapa e achei que
o mesmo ficava à jusante das três pontes.
A viagem foi tranquila, o meu destino
ficava a apenas 47 km. Chamava a atenção o grande número de dragas ao longo do
Rio. Quando estava próximo das três pontes um enorme boto vermelho, me fez
volver a vista para a margem direita e avistar o Major Lúcio Flávio que me
aguardava na Gameleira, do contrário teria passado direto.
Felizmente o Major também viu o meu
amigo boto para não acharem que estou inventando. Fui transportado e
devidamente alojado no Hotel de Trânsito (Albergue) do 7° BEC, onde
permanecerei até quarta-feira.
A programação é chegar sexta-feira
(dia 22) em Porto Acre, onde, se conseguir apoio da Prefeitura, permanecerei um
dia, partir domingo (24) para a Boca do Acre onde deverei aportar na
terça-feira (26), permanecer lá um dia, apoiado pela Marinha do Brasil e
Prefeitura local até ser resgatado pelo 7° BEC (28).
Total do 9° Dia – AC 06a /
Rio Branco = 47,0 km
Total Parcial ‒ Iñapari /
Epitaciolândia = 188,2 km
Total Parcial ‒ Epitaciolândia
/ Xapuri = 105,2 km
Total Parcial ‒ Xapuri / Rio
Branco = 232,3 km
Total Geral ‒ Iñapari / Rio
Branco = 525,7 km
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXIV
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