Quarta-feira, 8 de junho de 2022 - 06h05
Bagé, 08.06.2022
Viagem
do Forte São Joaquim, no Rio Branco, até Roraima, e daí pelos Rios Parima e
Merewari para Esmeralda, no Orenoco, em 1838-9. De Robert Hermann Schomburgk.
O tempo desfavorável atrasou nossa partida de São Joaquim para o dia
20.09.1838. Com a ajuda do Sr. Pedro Ayres, contratamos 6 índios Macuxí de
Malocca comandados por Cosmo, e um soldado também se juntou à Expedição. Sob a
saudação de 7 armas, e com os cumprimentos de nosso amigo Ayres e o Comandante,
deixamos o Forte às 12h00 daquele dia e começamos a subir o Rio Tacutu rumo
N.E. enfrentando uma forte correnteza. Acampamos pela noite em um banco de
areia grande, aproximadamente a 6 milhas do Forte. Depois das 24h00, desabou
uma daquelas fortes tempestades, tão frequentes quando se aproxima a estação
das chuvas. A violência foi tamanha que derrubou nossas tendas, forçando-nos a
buscar abrigo onde estava a nossa corial, localizada em uma posição mais
segura. A fúria da tempestade, só arrefeceu com a luz do dia. [...]
25 de setembro de 1838 ‒ [...] A noite já havia chegado,
quando nos surpreendemos com o som dos remos e a chegada inesperada de dois
índios, que havíamos deixado o Sr. Vieth em São Joaquim. Eles trouxeram a
notícia de Manaus – que o Sr. Ambrósio Pedro Ayres, Comandante do Alto
Amazonas, tinha sido morto pelos Cabanos ao tentar desalojá-los de uma ilha na
Foz do Rio Madeira, onde se entrincheiraram para saquear os navios que subiam
e desciam o Amazonas.
26 de setembro de 1838 ‒ Ao chegar à Foz do Mau, despachei
dois mensageiros por terra para o Pirara, um deles o soldado brasileiro que se
juntara a nós de São Joaquim para informar aos índios de nossa chegada e
desejar que se juntassem a nós no local de desembarque na Foz do Rio Pirara,
para ajudar a transportar nossa bagagem até a Aldeia. Eu estava de pé esta
manhã antes que qualquer outra pessoa se mexesse no acampamento, meditando
sobre as notícias melancólicas recebidas na noite anterior, e subindo e
descendo um caminho diante de nossa tenda que levava à Aldeia, quando percebi,
um primeiro e depois quatro ou cinco índios espiando suspeitosamente dos
raquíticos arbustos espalhados pelas savanas. Enquanto eu estava me perguntando
quem eles poderiam ser, meu velho conhecido e guia para as Montanhas Canuku,
Aiyukante, deu um passo à frente e me deu as boas-vindas, e foi seguido de 5
ou 6 outros. A visão de meu emissário brasileiro, ao que parece, despertara a
desconfiança entre os índios, que suspeitavam que minha mensagem fosse apenas
um estratagema dos brasileiros para aprisioná-los e levá-los como escravos.
Isso explicava a cautela com a qual eles estavam observando nosso acampamento.
Um grande número de índios havia se escondido em um bosque, onde pernoitaram. O
trajeto do nosso acampamento até a Aldeia foi de 24 km sobre savanas e terras
pantanosas, intransitáveis durante a estação das chuvas quando os Rios começam
a fluir. Metade do caminho é por uma linha de cumeada a partir da qual se tem
uma bela vista da savana, limitada ao N. e ao S. pelas cadeias montanhosas de
Pacaraima e Canuku, e limitada apenas pela linha do horizonte à W. No lado E.
desta elevação corre o Pirara, que para o N. é acompanhado pelo Napi, cujas
fontes estão na montanha Canuku. Às 2 da tarde chegamos ao Pirara e encontramos
nosso querido amigo, o missionário Sr. Thomas Youd, com boa saúde e feliz por
nos ver. Ele tinha acabado de retornar de uma excursão pelo Rupununi, na
Cuurua, proximidades de Curowatoka, onde planejava fundar uma nova Missão. A
famigerada incursão dos brasileiros sobre a indefesa Aldeia nas montanhas
Ursato, porém, criou, entre os nativos, uma sensação de insegurança bastante
desfavorável a tais projetos. Esses “descimentos”
nada mais são do que incursões de milicianos brasileiros do Amazonas com o
único intuito de escravizar os indígenas. Eu me encontrava no Fortaleza São
Joaquim quando essa Expedição que havia surpreendido e incendiado alguns aldeãmentos
Wapisiana no Takutu à noite, chegou ao Forte. Podemos questionar se aqueles
povos que estavam sendo escravizados não eram de fato súditos britânicos, se
eles se encontravam em terras da Guiana Britânica ou não, já que esses limites
ainda não foram definitivamente determinados. Estou feliz em poder dizer que
muitos deles foram libertados depois de meu apelo feito a Don Pedro Ayres. Alguns,
porém, morreram no Rio Negro, e outros nunca foram mais foram encontrados. Um
acidente que aconteceu com o meu timoneiro obrigou-me a fazer uma estadia mais
longa no Pirara do que o pretendido, essa demora era muito cansativa, pois o
clima não era favorável às observações astronômicas. [...] Com o auxílio do
Sr. Thomas Youd, convoquei alguns nativos para me acompanharem a Roraima,
liderados por Aiyukante e seu irmão Uyamoni, que mostraram ser muito úteis pois
tinham uma notável ascendência sobre os Macuxís que compunham a nossa
tripulação. Quando nos preparávamos para partir, fui interpelado por um jovem
Macuxí, aparentando uns 13 anos, que insistia em participar da Expedição. O
jovem nativo tinha casado recentemente contra sua vontade e estava ansioso para
juntar-se à nós com a finalidade de escapar da noiva.
08 de outubro de 1838 ‒ [...]
O Sr. Thomas Youd ia visitar os Tarumãs, depois de eu lhe ter encorajado a
cristianizá-los. Toda a Aldeia, em razão de nossa partida, estava em festa
desde cedo; e todos os que tinham armas e pólvora disparavam para o alto. Pouco
antes das oito horas nossa coluna foi colocada em ordem de marcha, Peterson à
frente, carregando a bandeira da união britânica, sob a benção da qual
marchamos nos últimos três anos, através de partes até então desconhecidas da
Guiana Britânica. Agora íamos levá-la para além das fronteiras britânicas,
regiões conhecidas apenas pelos nativos, mas estávamos animados com a esperança
de alcançar, pela primeira vez, deste lado do continente, o ponto que, em 1800,
o Barão Humboldt, depois de enfrentar muitos obstáculos ‒ Esmeralda, no
Orenoco. Nosso grupo consistia de trinta e seis pessoas; e os índios,
ostentando seus cocares, alguns com mosquetes e outros com estandartes nos
ombros, partiram alegremente. Uma hora de marcha, em direção Oeste, nos levou
ao braço principal do Pirara, até sua saída do Lago Amucu. Tivemos de
percorrê-lo com a água até o pescoço e a bagagem em nossas cabeças. Depois de
meia hora de travessia, começamos a percorrer uma região de savana, rumo Norte.
[...] À tarde, chegamos ao Mau ou Ireng dos Macuxís, que subimos rumo Norte ao
longo de sua margem esquerda. À noite, ficamos alarmados ao nos vermos cercados
por um oceano de chamas; os caçadores tinham incendiado as savanas; colunas
negras de fumaça rolavam à frente, e o ruído das hastes ocas das grandes
gramas, explodindo com o calor, era ensurdecedor. Lembrei-me do relato bonito e
gráfico de Cooper sobre uma pradaria em chamas. [...]
27 de
outubro de 1838 ‒ Tremendo de frio, com o termômetro chegando a 14,7°C,
acordei e encontrei os índios agachados em volta do fogo. Partimos, ao nascer
do Sol, rumo N.N.W. e, às 11 horas, chegamos a uma Aldeia de Arécunas, chamada
Arawayam Botte. Ao contrário das outras Aldeias indígenas que vimos, na nossa
jornada, esta estava cercada. Consistia de três casas quadradas, com
extremidades de frontão e um compartimento redondo. Os nativos me informaram
que, mais adiante em direção a Roraima, não encontraríamos habitantes, pois seus
vizinhos tinham viajado. Permanecemos aqui por 8 dias, devido ao mau tempo,
durante o qual eu só consegui realizar duas observações, que determinaram nossa
Latitude 5°04’N. O monte Roraima estava quase que totalmente encoberta por
nuvens; e nenhum dia se passou sem trovões e relâmpagos. Medi sua linha de
base, a fim de verificar a altura e distância, bem como das demais montanhas, e
refiz as observações em todas as oportunidades a fim de obter um resultado
médio. [...]
01 de janeiro de 1839 ‒ [...]
Este dia, o primeiro do ano, não poderia passar sem despertar muitas lembranças
[...] Não passou sem que eu tivesse algo que me fizesse recordar, à noite fui
assaltado por um forte ataque de febre biliar. Três dos índios também
adoeceram; e, para piorar as coisas, estávamos com falta de provisões. [...]
21 de fevereiro de 1839 ‒
Antes do amanhecer navegávamos em nossa corial, esperando em poucas horas
chegar ao Orenoco. As águas do Rio Matakuni são brancas e tornam o Paramu muito
mais claro que antes de sua Foz. Não houve diferença na temperatura dos dois
Rios; as águas de ambos eram 27,8°C, enquanto a do ar era de 22,8°C. Ainda
éramos seguidos pelos golfinhos, pelo menos imaginávamos que eles eram os
mesmos que se juntaram a nós no dia anterior, e sob sua escolta às 9 da manhã
entramos no Orenoco. [...] Encontramos numerosos bancos de areia e, como haviam
nos alertado, enfrentamos muitas dificuldades à medida que avançávamos; a
profundidade variava de não mais de 30 a 38 cm de, e tivemos que cavar canais
para permitir a passagem de nossa corial. Havia tão pouca corrente que em
muitos lugares a água parecia estagnada e coberta de espuma e bolhas. Quando a
corial arranhou o fundo, descobriu-se uma espécie de alga de água doce de cor
verde e coberta com matéria mucosa. [...]
21 de fevereiro de 1839 ‒ Começamos às 6 horas na expectativa de ver Esmeralda. Nuvens leves e
fofas envolviam o Monte Duida, mas desapareceram tão logo o Sol surgiu acima do
horizonte, e pela primeira vez tivemos uma visão completa dessas estupendas
massas rochosas, parcialmente iluminadas pelos raios do Sol da manhã. Nossa
progressão foi difícil; encalhamos várias vezes nos bancos de areia e tivemos
de atravessar de margem a margem para evitar os baixios e seguir o curso
sinuoso do talvegue do Rio. Finalmente chegamos à vista de uma bela savana que
se estendia até o sopé das montanhas, que eu sabia, da descrição de Humboldt, a
de Esmeralda, e algumas corials amarradas à margem do Rio nos mostravam o local
de desembarque. [...] Não consigo descrever a emoção que tomou conta de mim quando
aportei; meu objetivo foi alcançado e minhas observações, iniciadas desde o
litoral da Guiana, estavam agora conectadas com as de Humboldt em Esmeralda.
[...] Trinta e nove anos tinham se passado desde que Alexander Von Humboldt
visitou Esmeralda e encontrou na mais remota Aldeia cristã no Alto Orenoco uma
população de oitenta pessoas. A cruz, antes da Aldeia, mostrava que seus
habitantes eram cristãos, mas seu número havia diminuído para uma única família
– um patriarca e seus netos. De seis casas que encontramos em pé, apenas três
eram habitadas; suas paredes rebocadas e portas maciças e bem acabadas
mostravam que não tinham sido construídas pelos índios. Em uma delas, que
consideramos ter sido uma igreja ou convento, observamos um pequeno sino pendurado
na galeria, com a inscrição “São
Francisco de Assis, 1769”. A natureza, no entanto, permanece a mesma: Duida
ainda eleva seu cume acima das nuvens, e savanas planas, intercaladas com tufos
de árvores e um majestoso trecho de palmeiras Mauritia desde as margens do
Orenoco até o sopé das montanhas, dando à paisagem aquela aparência grandiosa e
animada que tanto encantou Humboldt. Uma cordilheira de granito, chamada
Caquire, com formas grotescas, e em alguns lugares parecendo grandes edifícios
em ruínas, ocupa o primeiro plano e, a seu pé, Esmeralda está situada. Uma mão
piedosa plantou uma cruz no maior desses blocos graníticos, cuja forma arejada
se destaca no céu azul como pano de fundo, e acentua a aparência pitoresca do
cenário circundante: também nos lembra que, embora a natureza e o homem pareçam
conservar-se em estado selvagem, ainda há alguns, nestes ermos, que adoram a
Deidade e reconhecem um Salvador crucificado. [...] Humboldt observou que os
habitantes de Esmeralda “viviam em grande
pobreza e suas misérias eram aumentadas por grandes enxames de mosquitos”,
uma observação igualmente aplicável nos dias atuais. Os habitantes são
miseravelmente pobres, e quanto ao número de flebotomíneos, desde o alvorecer
até o anoitecer, eu nunca tinha visto algo assim, e “assim é conosco o ano todo, mesmo durante a temporada de inverno, somos
igualmente atormentados à noite por esses mosquitos”, disse o velho
Antônio. Nem mesmo com o passar dos anos, os nativos se tornam menos sensíveis
às suas picadas, e eles pareciam ter tanta dor quanto nós procurando manter
longe esses sugadores de sangue de suas mãos, rosto e pés. Em suas casas eles
colocam uma espécie de porta de treliça antes da entrada, feita de finos
pedaços de fibras de palmeira, apenas o suficiente para passar a luz, e manter
os insetos afastados. Usei minha rede de mosquito, que correspondia melhor ao
propósito.
Bibliografia
SCHOMBURGK, Robert Hermann. A Description Of British Guiana, Geographical and Statistical:
Exhibiting its Resources and Capabilities, Together With the Present and Future
Condition and Prospects of the Colony ‒ Inglaterra – Londres ‒ Simpkin,
Marshall, and Co., 1840.
SCHOMBURGK, Robert Hermann. Relato da Terceira Expedição ao interior da Guiana ‒ Inglaterra –
Londres ‒ The Journal of the Royal Geographical Society of London, Volume The
Tenth, 1841.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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