Segunda-feira, 27 de junho de 2022 - 06h15
Bagé, 27.06.2022
Relatório Apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil pelo Ministro de Estado das Relações
Exteriores Gen-Bda Dionísio E. de Castro Cerqueira
Rio de Janeiro, RJ ‒ Terça-feira, 12.07.1898
Imprensa nacional, Rio de Janeiro, 1898
Território
à Margem Direita do Tacutu.
O Governador da Guiana Britânica diz que Nele Pasta Gado Brasileiro. Reclamação
O Governador da Guiana não tem razão. Dá como assentado que Território de
que se trata é inglês, quando é apenas litigioso.
Essa reclamação foi iniciada por Lord Salisbury em 14.07.1897 passado e
pouco depois tivemos de reclamar contra fato grave ocorrido no mesmo território,
como consta do que exponho em outra parte deste Relatório e dos respectivos
documentos. Digo – fato grave – porque neste caso há exercício de autoridade
por parte de um agente do dito Governador. Provavelmente esse agente foi o
autor das informações em que o Governo Britânico fundou a sua reclamação.
Território
à Margem do Tacutu. Atos aí Praticados por um Comissário do
Governo da Guiana Britânica.
Já expus em poucas palavras uma reclamação apresentada pelo Governo
Britânico e fundada em informações recebidas pelo Governador da sua Guiana,
segundo as quais os Brasileiros tinham invadido o território à margem atreita
do Tacutu e neste faziam pastar o seu gado. Agora referirei um caso ocorrido no
mesmo território e contra o qual reclamamos.
Segundo um telegrama do Governador do Estado do Amazonas, que confirmava
notícias anteriormente recebidas, no 1° de janeiro ocuparam os ingleses
oficialmente toda a margem direita do Rio Tacutu até a bifurcação Surumu.
Telegrafei logo para Londres e o nosso Ministro respondeu-me que nada constava
nos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Colônias e que se ia pedir
informação ao Governador da Guiana.
Isso não bastava: era necessário que o Governo ordenasse a desocupação do
território, e assim o disse pelo telégrafo ao Sr. Souza Corrêa, que aliás já me
tinha prevenido, como depois me referiu.
Segundo novas informações do Governador do Estado do Amazonas, Michael
Mac Turck apresentou-se no território à margem direita do Tacutu, hasteou a
bandeira civil da Colônia, declarou aos fazendeiros que deviam obedecer à lei
Inglesa e prometeu demarcar-lhes as terras.
Lord Salisbury, segundo me referiu o Sr. Souza Corrêa em telegrama de 5
de março, disse-lhe que o Sr. Turck, oficial da Colônia, foi encarregado de
visitar os distritos da fronteira para informar sobre reclamações de súbditos
britânicos, que não hasteou bandeira, nem proclamou a soberania inglesa; e finalmente
que o Governo tinha ordenado a evacuação de um único posto que fora ocupado.
O Governo inglês não estava bem informado. As notícias que recebi são
confirmadas pelo súbdito inglês Henry Melville, fazendeiro residente no lugar
chamado “Arara” à margem direita do
Tacutu, o qual disse ainda que foi intimado para pagar impostos e no princípio
do ano recebeu a nomeação de Post-Holder. Lord Salisbury, quando fez a sua
reclamação, lembrou a conveniência de se não alterar o “status quo” durante a negociação para um acordo sobre os limites em
que estão empenhados os dois Governos. De certo S. Exª ignorava então o
procedimento do agente Turck.
Estou, portanto, persuadido de que o Governo Britânico procederá de
conformidade com o seu próprio desejo. Todavia não me descuido do que me cumpre
fazer para que a República não seja prejudicada em seus direitos.
Território
à Margem do Tacutu.
Atos aí Praticados por um Comissário do Governo da Guiana Britânica
N°
62
Nota
da Legação Brasileira em
Londres ao Governo Britânico
Legação
dos Estados Unidos do Brasil
Londres 21 de fevereiro de 1898
Senhor Marquês – Em 9 do corrente mês tive a honra de
informar verbalmente ao “Foreign Office”
que conforme telegrama que o Governo Federal recebera do Governador do Estado
do Amazonas, a margem direita do Tacutu até à sua confluência no Cotingo,
acabava de ser ocupada por súditos britânicos, que se diziam oficialmente
autorizados a procederem desse modo.
Recebi então a segurança de que o Governo de Sua Majestade Britânica,
ignorando o fato, não o julgava verdadeiro e que por intermédio do Ministério
das Colônias se pediu informação ao seu delegado em Georgetown.
A 20, entreguei ainda particularmente cópia de uma comunicação ulterior
do Ministro das Relações Exteriores remetendo-me um telegrama de 16 do corrente,
pelo qual o Governador do Estado do Amazonas confirmava a primeira notícia,
acrescentando que a ocupação fora efetuada sob a direção de Mr. Mac Turck, que
se dizia comissário britânico, o qual arvorara a bandeira da Colônia, exigindo
dos habitantes da localidade que prestariam obediência às leis britânicas.
Esta infração do acordo de 23 de agosto e de 04.09.1842 certamente não
poderia ser autorizada pelo Governo de Sua Majestade Britânica, o qual até ao
presente parece não ter conhecimento dos fatos em questão, como me foi
assegurado; mas por isso mesmo tenho o dever de renovar, por meio da presente
nota, o pedido que ontem tive a honra de fazer verbalmente a Vossa Senhoria
para que o Governo de Sua Majestade Britânica tome, pelo telégrafo, as medidas
que julgar necessárias com o fim de desaprovar a invasão praticada por
autoridades subalternas da Colônia, ordenando a sua retirada imediata do
Território em litígio.
Não hesito em acreditar, Senhor Marquês, que Vossa Senhoria terá a
bondade, com a sua resposta, de habilitar-me a tranquilizar desde já o meu
Governo e o do Estado do Amazonas.
Tenho a honra de ser, com a mais alta consideração, Senhor Marquês,
Vosso mui humilde e mui obediente servo.
A. de Souza Corrêa.
Ao muito Honrado
Marquês de Salisbury, K. G.
N.
63
Documento fornecido pelo Governo do Estado do Amazonas:
Auto de perguntas feitas a Henry Melville.
Aos nove dias do mês de fevereiro do ano de mil oitocentos e noventa e
oito, nesta cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, na chefatura de
Segurança Pública, presente o Desembargador Chefe de Segurança Pública do mesmo
Estado, Doutor Guido Gomes de Souza, compareceu o cidadão Henry Melville,
súdito inglês, de trinta e três anos de idade, fazendeiro na margem do Rio
Tacutu e ali residente.
‒ Interrogado, disse que, há cinco anos é fazendeiro no Rio Branco, no
lugar Arara, margem do Tacutu, considerado terreno neutro e que pagou sempre impostos
em Boa Vista e bem assim tem feito todos os moradores da margem do Tacutu; que
no dia primeiro do corrente ano um comissionado inglês de nome Michael Mac
Turck foi até à margem do Tacutu nas casas dos fazendeiros aí estabelecidos e
declarou que daquele dia em diante tinham de obedecer à lei britânica e hasteou
no lugar o pavilhão de bandeira civil colonial; que o referido comissionado da
Inglaterra prometeu mandar demarcar e dar direitos sobre as terras que ele
declarante ocupa, bem como os outros fazendeiros do lugar, e declarou mais, que
assim procedia o Governo afim de dar proteção aos referidos moradores; que ele declarante,
que tem pago até hoje impostos às autoridades Brasileiras, vê-se agora obrigado
a pagar ao Governo Inglês, em vista da intimação feita pelo seu comissionado.
Que no dia primeiro deste ano recebeu ele declarante a nomeação do
Governo Inglês de Post-Holder, que
lhe foi entregue pelo comissionado inglês; que o vice-cônsul do Brasil, Ernesto
Mattoso, pode melhor dar esclarecimentos sobre o assunto; que ele declarante é
fazendeiro no lugar há cinco anos e só no dia primeiro do corrente ano foi que viu
flutuar no lugar a bandeira inglesa, a qual se acha colocada em um grande
mastro mandado ali fincar pelo comissionado Michael Mac Turck. Nada mais disse
e nem lhe foi perguntado, pelo que deu-se por findo este depoimento, que
assigna com a autoridade e as testemunhas. Eu Gentil Augusto Bittencourt,
Secretario, o escrevi. Guido Gomes de Souza. ‒ H. Melville. ‒ Manoel J. Alves,
como testemunha que assistiu às declarações. ‒ M. R. de Almeida Braga.
(IMPRENSA NACIONAL, 12.07.1898)
Subprefeitura de Segurança Pública de Tacutu
Amazonas – Terça-Feira, 12.12.1899
Do Subprefeito do Tacutu ao Comandante da Fronteira, 12 de dezembro de
1899
Subprefeitura de Segurança Pública, 12 de dezembro de 1899.
Eu lhe informo que o nosso território acabou de ser invadido por sujeitos
ingleses encabeçados por Michael Mac Turck, o qual, numa embarcação com
bandeira inglesa hasteada, penetrou até o Rio Surumu, dizendo que este terreno
pertencia à sua nação.
Manoel Vieira Accioly Cavalcante.
Ao cidadão Subtenente Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha,
Comandante da fronteira do Rio Branco
Depoimento do Tenente Honorário do
Exército, José Amâncio de Lima.
Aos vinte e cinco dias do mês de dezembro do ano de Mil e Oitocentos e
Noventa e Nove, no Forte S. Joaquim do Rio Branco, na presença do cidadão Paulo
Cordeiro da Cruz Saldanha, Sub – Tenente Comandante do Forte, compareceu José
Amâncio de Lima, Brasileiro, com cinquenta e três anos de idade, fazendeiro na
embocadura do Rio Mau e na margem direita do Tacutu, onde ele reside.
Interrogado, ele falou que, dia doze do mês corrente, ele se encontrava
na sua fazenda de Conceição do Mau, localizada nas margens dos rios Mau e
Tacutu, quando seus empregados Antônio de Almeida e o Índio Justino, ou seja
Menandro, lhe disseram que um inglês e três soldados da mesma nacionalidade
tinham descido pelo Rio Tacutu numa pequena canoa portando hasteada na sua proa
a bandeira de Demerara, que pouco depois apareceu um índio, remador da canoa,
que lhe pediu, em nome do inglês Michael Mac Turck, para lhe vender um pouco de
leite; que ele deu o leite sem exigir o pagamento.
Que aos quatorze dias do mesmo mês, os mesmos Ingleses, já de volta,
passaram a noite num dos terrenos de sua fazenda, perto de sua casa de
habitação, e que, de novo, os Ingleses mandaram o mesmo índio, que diz se
chamar Herculano, e ofereceu uma moeda de quatro pences que ele, depoente, se
recusou a receber dizendo: “eu não vendo
leite”, que o dito índio, tendo voltado de novo, lhe disse ainda que o Sr.
Michael Mac Turck mandava dizer que sendo funcionário da aduana por conta do
Governo de Demerara nas Repúblicas limítrofes de Venezuela e do Brasil, ele não
podia aceitar nenhum favor dos Brasileiros; que a isto, ele, depoente,
respondeu:
“Diga ao inglês que se o leite não
lhe convém grátis, que ele o jogue no Rio” ele falou ainda que o mesmo
inglês tinha mandado dizer que se encontrava em missão especial por seu Governo
para verificar se o vilarejo agrícola de Manoa era localizado ou não em
território Brasileiro e que então ele, depoente, teve que receber o pagamento
do leite; ao que, ele, depoente, respondeu: “Não aceito absolutamente nenhum pagamento e Turck é, assim como já
falei, livre de jogar o leite no Rio”, que ele sabe ainda que este mesmo
Turck já foi preso na Venezuela por ter invadido da mesma maneira as
fronteiras daquele país; e que este senhor, tendo se encontrado com o Índio
Justino Furtado, o ameaçou de morte, se ele Justino, empregado dele, depoente,
retornasse ao Manari onde era administrador de uma pequena fazenda localizada
na margem direita do Rio Tacutu onde o Manari se joga, todas estas bandas
estando em território Brasileiro, jamais contestado antes; que ainda sabe, que
neste mesmo dia, 11, assim que ele teve conhecimento da invasão militar pelos
sujeitos ingleses, ele mandou um mensageiro a cavalo avisar expressamente o
Senhor Subtenente, Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, Comandante da Fronteira do
Rio Branco, lhe expondo tudo que tinha se passado, isto tudo verbalmente, por
falta de papel.
Ele ainda sabe que a mesma comissão tinha chegado até o Rio Surumu, onde
ela procedeu a verificações e que na fazenda de Marcos Vieira onde ela passou a
noite, ela instalou diversos instrumentos e fez observações ou estudos. Ele
ainda sabe que a mesma missão ameaçou o Tuchaua Magalhães, dizendo-lhe que o
mataria se ele obedecesse aos Brasileiros; e que uma bandeira Brasileira
estando hasteada na casa do mesmo Tuchaua a comissão a levou. Ele não falou
mais nada, e nada mais tendo sido perguntado a ele, o que pôs fim ao seu
depoimento que foi lido e achado conforme foi assinado por ele e pelo
Comandante da Fronteira e do Forte S. Joaquim do Rio Branco. Eu, Manoel Pedro
Virgolino Freire, na função de escrivão, o escrevi.
Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha
José Amâncio de Lima.
Bibliografia
IMPRENSA NACIONAL, 12.07.1898. Relatório Apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil
‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1898.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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