Segunda-feira, 20 de junho de 2022 - 09h03
Bagé, 20.06.2022
Manaus,
17 de Novembro de 1872.
Ilm°
Sr. Capitão João Ribeiro da Silva Júnior
As lisonjeiras expressões contidas na carta, em que V. S.ª dedicando-me o
seu bem elaborado trabalho convida-me ao mesmo tempo “a dizer qualquer coisa que desperte a atenção”, que a obra
realmente merece; a benevolência, que em todas as linhas, V. S.ª me dispensa, e
a esperança que nutre, de que um nome absolutamente desconhecido no mundo das
letras, seja capaz de dar mais realce ao seu trabalho; são delicadezas que eu
acolho, mais como uma prova inequívoca, da sincera afeição que me consagra, do
que como um apelo garantidor dos contratempos com que tem de entrar em luta,
desde as exigências da opinião até a barra do tribunal que vai condenar ou
laurear os seus esforços.
Não haja, porém, o menor receio: diz-me a convicção que vai ser laureado,
porque o seu trabalho é daqueles que se recomendam pela magnitude do assunto
que lhe serviu de constante objetivo e mais ainda pela maneira franca e
decisiva porque V. S.ª apontou as operações e os processos à seguir na
resolução do urgente problema ‒ Melhoramentos do Amazonas. Com a publicação
deles, inscreveu-se V. S.ª com os nossos distintos compatriotas, Eduardo de
Moraes e Couto de Magalhães, no brilhante concurso da prosperidade material de
nosso País, e já não é pequena vantagem: vá por diante e não se deixe
assoberbar nem vencer por esse espírito de indiferença que ameaça resfriar as
mais ardentes aspirações; resista com a possível tenacidade, às seduções dessa
filosofia perigosa e frívola que vai conseguindo instalar, no seio de nossa
juventude, uma grande seita de incrédulos; e verá que o verdadeiro merecimento,
ainda é aquilatado.
Espere confiadamente da justiça do Imperador e do patriotismo daqueles,
por cujas mãos correm, interesses, da ordem dos que V. S.ª analisou com rara
habilidade, em seu livro; e não se fará esperar muito, uma recompensa aos
sacrifícios e privações de todo o gênero, porque passou, na aquisição dos
elementos com que arquitetou, tão bem, a sua obra.
Faço ardentes votos, primeiro, para que não desanime, se houver de lutar
com a ingratidão dos homens; segundo, para que seja lido por todos os que amam
de coração a nossa Pátria, e principalmente por aqueles, à quem até hoje, não
tem escapado a mais insignificante indicação, o mais ligeiro estudo, feito no
intuito de ver realizado um melhoramento, quer ele pertença à ordem moral, quer
à ordem material.
Agradeço, ainda uma vez, a grande honra que me reservou V. S.ª, e
confessando-me admirador de seus talentos e habilitações profissionais, tenho o
prazer de subscrever-me.
De
V. S.ª amigo e colega,
Antônio
Tibúrcio Ferreira de Souza [1]
V
Afluentes Importantes. Demiti, Xié, Içana, Uaupés,
Cauaburi,
Padauiri, Uaracá, Rio Branco
e as Fazendas Nacionais.
Rio Branco – É o confluente
mais importante, e o que maior volume de águas envia ao Rio Negro.
Deságua pela margem esquerda, 54 léguas acima da sua Foz, em direção
sensível NS, que é a geral de seu leito.
É formado pela confluência do Urariquera e Tacutu, o primeiro tendo
origem na serra do Parima, nosso limite com Venezuela, o segundo tendo suas
vertentes entre outros lugares na serra Pacaraima, nos terrenos que nos são
fronteiros com a Guiana Inglesa. Na distância de 65 léguas da sua Foz, é o Rio
Branco navegável por vapores que demandem 6 a 7 palmos d’água, durante os meses
de janeiro à agosto.
Depois daquela distância, há uma seção de 15 milhas em que a navegação a
vapor é impossível sem trabalhos que melhorem as condições do pego do Rio ([2]),
obstruído por corredeiras e cachoeiras.
Passado, porém, este embaraço, há de novo uma região de 110 léguas, que o
vapor pode sulcar na estação que já referimos, desde que seja guiado por um
prático que evite as pedras semeadas pelo leito.
Esta navegação pode estender-se até a confluência do Urariquera ‒ e
Tacutu, onde assenta o nosso Forte de S. Joaquim.
Nos 4 meses que decorrem de setembro a dezembro, a navegação das duas
seções extremas do Rio Branco, e com mais forte razão a das cachoeiras, só se
pode fazer em pequenas corials, pela pouca profundidade do seu pego e grande
extensão de praias e coroas que ficam descobertas.
Dos apontamentos sobre o Rio Branco, publicados pelo Sr. José Paulino von
Hoonholtz, extraímos as seguintes informações sobre a região encachoeirada
deste confluente. A primeira cachoeira que se encontra no álveo do Rio é a de
S. Felipe que se divide em três seções distintas:
A primeira, conhecida pelo
nome de Rabo da Cachoeira, é uma imensa Bacia, chamada vulgarmente Perau ([3]), formada pela queda e
rápido movimento de águas que transportam grande quantidade de areias, as
quais, acumulando-se, formam um banco perigosíssimo.
A segunda seção, chamada
Pancada Grande, e produzida par um arrecife que corta transversalmente o leito
do Rio, com interrupções em diversos lugares, onde existem canais mais ou
menos profundos. Na ocasião da cheia, é difícil vencer-se a impetuosidade das
correntes que aí se geram; e só com o decrescimento das águas e que se consegue
varar a cachoeira, e ainda assim com riscos iminentes.
A última seção, conhecida
por Pancada Pequena é obstáculo de pequeno peso.
Entre a Pancada Grande e a
Pequena, deriva-se pela margem esquerda um canal sinuoso, por onde parte das
águas do Rio Branco vão lançar-se abaixo do Rabo da Cachoeira.
É o furo denominado Cujubim,
por onde se pratica a navegação em batelões e pequenas embarcações no tempo da
enchente.
As águas por aí se despejam
com grande velocidade, e formam uma forte corredeira que atualmente se vence à
força da espia ([4]); porém mesmo assim, o
canal só se presta a navegação em muito pequena parte do ano, por falta de água
e pela grande quantidade de pedras que o obstruem.
Depois da cachoeira de S.
Felipe, só na vazante extrema há sérios riscos para a navegação; o que chamam
cachoeirinha é um baixio de pedra que os práticos sabem evitar.
Passaremos agora a ocupar-nos da questão de navegação deste confluente.
A ciência não admite que se diga que é impossível estabelecer navegação a
vapor no Rio Branco em todas as estações; o seu maior embaraço é a Pancada
Grande que na época da maior vazante apresenta uma queda de 5 palmos, e ela
poderia vencer-se ou por meio de comportas, ou melhorando o furo Cujubim de
forma a transformá-lo em um canal de declive. Se hoje esse furo em parte do ano
permite a subida de batelões, com o emprego da espia, é evidente que também
será transposto pelos vapores de corrente mergulhada ou a sirga, de que nos
ocupamos na navegação do Rio Negro.
Mas a navegabilidade do furo está praticamente provada na crescente das
águas. O Inspetor da Tesouraria de Fazenda, o Sr. Aristides José Correia, por
ele foi em uma lancha da flotilha até a confluência do Tacutu e Urariquera,
igual viagem realizou o Sr. General Miranda Reis, quando Presidente da
Província, acompanhado do Capitão Érico Rodrigues da Costa, que como engenheiro
das fortificações foi em comissão às nossas posições limítrofes com os
ingleses.
A natureza parece pois que encarregou-se de mostrar ao homem o trilho por
onde devam ligar-se os vales do Alto e Baixo Rio Branco. O fato da subida das
lanchas a vapor pelo furo Cujubim é muito significativo e indica que os
declives da seção encachoeirada podem ser vencidos pelo sistema ordinário da
navegação a vapor.
Não obstante, as obras necessárias para tornar o furo navegável em todas
as estações, fazendo com que ele seja muito profundo na enchente, e exigindo
pelo lado econômico que não se dê muita largura ao canal, levam a crer na
probabilidade de correntezas que exijam o emprego da sirga ou cadeia
mergulhada. Em todo o caso o problema não oferece impossibilidade.
Outra dificuldade além das cachoeiras apresenta o Rio Branco a ser
navegado em todas as estações. É a diminuta profundidade do seu pego, que em
algumas seções, e nas rigorosas secas, impossibilita o trânsito até de pequenas
embarcações. Ela provém de que nos meses que decorrem de setembro a dezembro,
as águas baixam excessivamente, e correm por diferentes canais entre os quais
ficam a descoberto grandes extensões do seu leito, formando coroas e ilhas,
vulgarmente conhecidas por praias.
Basta considerar o volume de águas que em todas as estações o Rio, pelas
suas três Bocas, despeja no Negro, para conhecer que elas são suficientes para
alimentar um canal próprio a navegação à vapor nas secas rigorosas.
A questão porém é saber se hoje há vantagens que correspondam às despesas
necessárias para modificar o regime do Rio, de forma a todas as suas águas na
vazante se escoarem por um só canal; e sob este ponto de vista entendemos que a
resolução do problema pode ser espaçada. O espaçamento porém não deve ser indefinido,
e o governo pode e deve pouco a pouco ir resolvendo a questão, começando por
melhorar o furo Cujubim.
Já em 1864, o Capitão Bento Ferreira Marques Brasil propôs desobstruí-lo,
apenas exigindo que o governo lhe fornecesse pólvora, ferramentas e uma pessoa
entendida. O Presidente de então requisitou um auxílio do Governo Geral para
realização da ideia, e o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
concedeu a quantia de 2:000$000 réis por aviso de 16 de maio do referido ano.
Certamente a verba era diminuta para a obra a empreender, mas mesmo assim
não foi aproveitada, nem para abertura de uma picada que transponha a seção das
cachoeiras.
A Assembleia Legislativa da Província também não tem-se descuidado dos
melhoramentos de tão importante via de comunicação, e pela Lei n° 185 de
19.05.1869, autorizou as despesas com a desobstrução do furo, a fim de
franquear a navegação a embarcações de grande calado. A autorização porém
caducou, e nada se fez para a remoção do obstáculo.
Compreendemos o receio que os administradores tem em usar de autorizações
para despesas com obras que, realizadas são de utilidade incontestável, mas que
não sendo levadas a cabo, só importam gravame ([5])
ao Tesouro.
Mas a prevalecer sempre esse escrúpulo, nenhuma tentativa se fará em
favor dos melhoramentos da Província. [...] (Continua...) (JÚNIOR)
Bibliografia
JÚNIOR, João Ribeiro da Silva. Melhoramentos do Amazonas – Brasil –
Manaus, AM – Tipografia do Comércio do Amazonas, 1875.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Assentou Praça
a 26.06.1851, no Ceará, cursou a Escola Militar no Rio de Janeiro e atuou com
heroísmo na campanha do Paraguai.
[2] Pego do Rio: leito,
talvegue.
[3] Perau: depressão,
cova ou buraco que surge subitamente no leito de um Rio, Lago ou na praia.
[4] Espia ou sirga:
Essa forma de navegação processava-se da seguinte maneira: uma montaria era
mandada à frente, com dois ou mais homens, os quais iam puxando um cabo de
cerca de vinte ou trinta braças; uma das extremidades do cabo ficava amarrada
no mastro do veleiro e a outra era passada à volta de um galho ou do tronco de
uma árvore. Os homens puxavam então o veleiro até o ponto onde se achava a
árvore, depois embarcavam de novo na canoa e levavam o cabo mais adiante,
repetindo a operação. (BATES).
[5] Gravame: ônus
aos interesses econômicos públicos.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
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