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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CDXLVI - João Ribeiro da Silva Júnior (1875) Parte I


A Terceira Margem – Parte CDXLVI - João Ribeiro da Silva Júnior (1875) Parte I - Gente de Opinião

Bagé, 20.06.2022

 

Manaus, 17 de Novembro de 1872.

Ilm° Sr. Capitão João Ribeiro da Silva Júnior

 

As lisonjeiras expressões contidas na carta, em que V. S.ª dedicando-me o seu bem elaborado trabalho convida-me ao mesmo tempo “a dizer qualquer coisa que desperte a atenção”, que a obra realmente merece; a benevolência, que em todas as linhas, V. S.ª me dispensa, e a esperança que nutre, de que um nome absolutamente desconhecido no mundo das letras, seja capaz de dar mais realce ao seu trabalho; são delicadezas que eu acolho, mais como uma prova inequívoca, da sincera afeição que me consagra, do que como um apelo garantidor dos contratempos com que tem de entrar em luta, desde as exigências da opinião até a barra do tribunal que vai condenar ou laurear os seus esforços.

 

Não haja, porém, o menor receio: diz-me a convicção que vai ser laureado, porque o seu trabalho é daqueles que se recomendam pela magnitude do assunto que lhe serviu de constante objetivo e mais ainda pela maneira franca e decisiva porque V. S.ª apontou as operações e os processos à seguir na resolução do urgente problema ‒ Melhoramentos do Amazonas. Com a publicação deles, inscreveu-se V. S.ª com os nossos distintos compatriotas, Eduardo de Moraes e Couto de Magalhães, no brilhante concurso da prosperidade material de nosso País, e já não é pequena vantagem: vá por diante e não se deixe assoberbar nem vencer por esse espírito de indiferença que ameaça resfriar as mais ardentes aspirações; resista com a possível tenacidade, às seduções dessa filosofia perigosa e frívola que vai conseguindo instalar, no seio de nossa juventude, uma grande seita de incrédulos; e verá que o verdadeiro merecimento, ainda é aquilatado.

 

Espere confiadamente da justiça do Imperador e do patriotismo daqueles, por cujas mãos correm, interesses, da ordem dos que V. S.ª analisou com rara habilidade, em seu livro; e não se fará esperar muito, uma recompensa aos sacrifícios e privações de todo o gênero, porque passou, na aquisição dos elementos com que arquitetou, tão bem, a sua obra.

 

Faço ardentes votos, primeiro, para que não desanime, se houver de lutar com a ingratidão dos homens; segundo, para que seja lido por todos os que amam de coração a nossa Pátria, e principalmente por aqueles, à quem até hoje, não tem escapado a mais insignificante indicação, o mais ligeiro estudo, feito no intuito de ver realizado um melhoramento, quer ele pertença à ordem moral, quer à ordem material.

 

Agradeço, ainda uma vez, a grande honra que me reservou V. S.ª, e confessando-me admirador de seus talentos e habilitações profissionais, tenho o prazer de subscrever-me.

 

De V. S.ª amigo e colega,

Antônio Tibúrcio Ferreira de Souza [1]

 

V

 

Afluentes Importantes. Demiti, Xié, Içana, Uaupés, Cauaburi,
Padauiri, Uaracá, Rio Branco
e as Fazendas Nacionais.

 

Rio Branco – É o confluente mais importante, e o que maior volume de águas envia ao Rio Negro.

Deságua pela margem esquerda, 54 léguas acima da sua Foz, em direção sensível NS, que é a geral de seu leito.

 

É formado pela confluência do Urariquera e Tacutu, o primeiro tendo origem na serra do Parima, nosso limite com Venezuela, o segundo tendo suas vertentes entre outros lugares na serra Pacaraima, nos terrenos que nos são fronteiros com a Guiana Inglesa. Na distância de 65 léguas da sua Foz, é o Rio Branco navegável por vapores que demandem 6 a 7 palmos d’água, durante os meses de janeiro à agosto.

 

Depois daquela distância, há uma seção de 15 milhas em que a navegação a vapor é impossível sem trabalhos que melhorem as condições do pego do Rio ([2]), obstruído por corredeiras e cachoeiras.

 

Passado, porém, este embaraço, há de novo uma região de 110 léguas, que o vapor pode sulcar na estação que já referimos, desde que seja guiado por um prático que evite as pedras semeadas pelo leito.

 

Esta navegação pode estender-se até a confluência do Urariquera ‒ e Tacutu, onde assenta o nosso Forte de S. Joaquim.

 

Nos 4 meses que decorrem de setembro a dezembro, a navegação das duas seções extremas do Rio Branco, e com mais forte razão a das cachoeiras, só se pode fazer em pequenas corials, pela pouca profundidade do seu pego e grande extensão de praias e coroas que ficam descobertas.

 

Dos apontamentos sobre o Rio Branco, publicados pelo Sr. José Paulino von Hoonholtz, extraímos as seguintes informações sobre a região encachoeirada deste confluente. A primeira cachoeira que se encontra no álveo do Rio é a de S. Felipe que se divide em três seções distintas:

 

A primeira, conhecida pelo nome de Rabo da Cachoeira, é uma imensa Bacia, chamada vulgarmente Perau ([3]), formada pela queda e rápido movimento de águas que transportam grande quantidade de areias, as quais, acumulando-se, formam um banco perigosíssimo.

 

A segunda seção, chamada Pancada Grande, e produzida par um arrecife que corta transversalmen­te o leito do Rio, com interrupções em diversos luga­res, onde existem canais mais ou menos profundos. Na ocasião da cheia, é difícil vencer-se a impetuo­sidade das correntes que aí se geram; e só com o decrescimento das águas e que se consegue varar a cachoeira, e ainda assim com riscos iminentes.

 

A última seção, conhecida por Pancada Pequena é obstáculo de pequeno peso.

 

Entre a Pancada Grande e a Pequena, deriva-se pela margem esquerda um canal sinuoso, por onde parte das águas do Rio Branco vão lançar-se abaixo do Rabo da Cachoeira.

 

É o furo denominado Cujubim, por onde se pratica a navegação em batelões e pequenas embarcações no tempo da enchente.

 

As águas por aí se despejam com grande velocidade, e formam uma forte corredeira que atualmente se vence à força da espia ([4]); porém mesmo assim, o canal só se presta a navegação em muito pequena parte do ano, por falta de água e pela grande quantidade de pedras que o obstruem.

 

Depois da cachoeira de S. Felipe, só na vazante extrema há sérios riscos para a navegação; o que chamam cachoeirinha é um baixio de pedra que os práticos sabem evitar.

 

Passaremos agora a ocupar-nos da questão de navegação deste confluente.

 

A ciência não admite que se diga que é impossível estabelecer navegação a vapor no Rio Branco em todas as estações; o seu maior embaraço é a Pancada Grande que na época da maior vazante apresenta uma queda de 5 palmos, e ela poderia vencer-se ou por meio de comportas, ou melhorando o furo Cujubim de forma a transformá-lo em um canal de declive. Se hoje esse furo em parte do ano permite a subida de batelões, com o emprego da espia, é evidente que também será transposto pelos vapores de corrente mergulhada ou a sirga, de que nos ocupamos na navegação do Rio Negro.

 

Mas a navegabilidade do furo está praticamente provada na crescente das águas. O Inspetor da Tesouraria de Fazenda, o Sr. Aristides José Correia, por ele foi em uma lancha da flotilha até a confluência do Tacutu e Urariquera, igual viagem realizou o Sr. General Miranda Reis, quando Presidente da Província, acompanhado do Capitão Érico Rodrigues da Costa, que como engenheiro das fortificações foi em comissão às nossas posições limítrofes com os ingleses.

 

A natureza parece pois que encarregou-se de mostrar ao homem o trilho por onde devam ligar-se os vales do Alto e Baixo Rio Branco. O fato da subida das lanchas a vapor pelo furo Cujubim é muito significativo e indica que os declives da seção encachoeirada podem ser vencidos pelo sistema ordinário da navegação a vapor.

 

Não obstante, as obras necessárias para tornar o furo navegável em todas as estações, fazendo com que ele seja muito profundo na enchente, e exigindo pelo lado econômico que não se dê muita largura ao canal, levam a crer na probabilidade de correntezas que exijam o emprego da sirga ou cadeia mergulhada. Em todo o caso o problema não oferece impossibilidade.

 

Outra dificuldade além das cachoeiras apresenta o Rio Branco a ser navegado em todas as estações. É a diminuta profundidade do seu pego, que em algumas seções, e nas rigorosas secas, impossibilita o trânsito até de pequenas embarcações. Ela provém de que nos meses que decorrem de setembro a dezembro, as águas baixam excessivamente, e correm por diferentes canais entre os quais ficam a descoberto grandes extensões do seu leito, formando coroas e ilhas, vulgarmente conhecidas por praias.

 

Basta considerar o volume de águas que em todas as estações o Rio, pelas suas três Bocas, despeja no Negro, para conhecer que elas são suficientes para alimentar um canal próprio a navegação à vapor nas secas rigorosas.

 

A questão porém é saber se hoje há vantagens que correspondam às despesas necessárias para modificar o regime do Rio, de forma a todas as suas águas na vazante se escoarem por um só canal; e sob este ponto de vista entendemos que a resolução do problema pode ser espaçada. O espaçamento porém não deve ser indefinido, e o governo pode e deve pouco a pouco ir resolvendo a questão, começando por melhorar o furo Cujubim.

 

Já em 1864, o Capitão Bento Ferreira Marques Brasil propôs desobstruí-lo, apenas exigindo que o governo lhe fornecesse pólvora, ferramentas e uma pessoa entendida. O Presidente de então requisitou um auxílio do Governo Geral para realização da ideia, e o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas concedeu a quantia de 2:000$000 réis por aviso de 16 de maio do referido ano.

 

Certamente a verba era diminuta para a obra a empreender, mas mesmo assim não foi aproveitada, nem para abertura de uma picada que transponha a seção das cachoeiras.

 

A Assembleia Legislativa da Província também não tem-se descuidado dos melhoramentos de tão importante via de comunicação, e pela Lei n° 185 de 19.05.1869, autorizou as despesas com a desobstrução do furo, a fim de franquear a navegação a embarcações de grande calado. A autorização porém caducou, e nada se fez para a remoção do obstáculo.

 

Compreendemos o receio que os administradores tem em usar de autorizações para despesas com obras que, realizadas são de utilidade incontestável, mas que não sendo levadas a cabo, só importam gravame ([5]) ao Tesouro.

Mas a prevalecer sempre esse escrúpulo, nenhuma tentativa se fará em favor dos melhoramentos da Província. [...] (Continua...) (JÚNIOR)

 

 

Bibliografia

 

JÚNIOR, João Ribeiro da Silva. Melhoramentos do Amazonas – Brasil – Manaus, AM – Tipografia do Comércio do Amazonas, 1875.

 

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Assentou Praça a 26.06.1851, no Ceará, cursou a Escola Militar no Rio de Janeiro e atuou com heroísmo na campanha do Paraguai.

[2]   Pego do Rio: leito, talvegue.

[3]   Perau: depressão, cova ou buraco que surge subitamente no leito de um Rio, Lago ou na praia.

[4]   Espia ou sirga: Essa forma de navegação processava-se da seguinte maneira: uma montaria era mandada à frente, com dois ou mais homens, os quais iam puxando um cabo de cerca de vinte ou trinta braças; uma das extremidades do cabo ficava amarrada no mastro do veleiro e a outra era passada à volta de um galho ou do tronco de uma árvore. Os homens puxavam então o veleiro até o ponto onde se achava a árvore, depois embarcavam de novo na canoa e levavam o cabo mais adiante, repetindo a operação. (BATES).

[5]   Gravame: ônus aos interesses econômicos públicos.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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