Quarta-feira, 22 de junho de 2022 - 06h01
Bagé, 22.06.2022
A região banhada pelo Rio Branco é uma das da Província que mais cuidados
merecem do Governo, e promete recompensar com prodigalidade qualquer sacrifício
que se faça em seu benefício.
O Rio Branco corre na maior parte em vastas campinas que se estendem
pelos vales do Tacutu, Mau, Surumu, e Urariquera, prolongam-se por ambas as
margens do Rio até a serra do Caraumá, e vão na direção de S. até as cabeceiras
do Anauau.
Há fundadas presunções de que aqueles campos continuem até alguns
confluentes do Amazonas prolongando-se por parte dos vales dos Rios Urubu e
Uatumã, e em uma viagem que fizemos a serra do Parintins, entre informações que
colhemos sobre os campos de Faro na Província do Pará.
Tivemos notícia de que eles não são mais do que o prolongamento daquelas
vastas campinas que com maiores ou menores intervalos se sucedem até Macapá, na
Boca do Amazonas.
Não deixa de ter fundamento ou pelo menos probabilidade aquela notícia;
e para justificá-la aí estão as tentativas que se tem feito para procurar pelo
Urubu e Uatumã abrir comunicações com os campos do Rio Branco, e as asserções
de alguns exploradores de que nas vertentes daqueles confluentes acham-se
extensas campinas próprias à criação.
Sendo assim pode-se estimar sem exageração que desde as regiões do Rio
Branco até as vertentes do Nhamundá, limite da Província com o Pará há cerca de
duas mil léguas quadradas de terrenos que se prestam a essa indústria.
Na última vez em que se computou com exatidão o gado existente no Rio
Branco, foi o vacum avaliado em treze mil cabeças, e o cavalar em mil e
duzentas.
A indústria da criação aí não tem progredido, e duas
fazendas que o Estado possui só tem servido para ainda uma vez mostrar, que o Governo
deve abster-se de entrar em concorrência
com os particulares na direção de certas empresas, tanto mais quando
não pode contar com a ação de funcionários mal retribuídos, cujo zelo não
tem o menor incentivo, nem é estimulado pela perspectiva de qualquer
recompensa.
As duas fazendas de propriedade do Estado se denominam de S. Bento e S.
Marcos. A primeira ocupa toda a região superior da margem direita do Rio Branco
e Urariquera, a segunda é fronteira a outra e abrange a superfície compreendida
pelo Urariquera-Tacutu-Surumu e cordilheira Pacaraima. A superfície da primeira aproveitada pelo gado é proximamente de 44
léguas quadradas; a da segunda de 96 léguas. Do relatório que, em 1870,
apresentou a assembleia provincial, o Sr. Wilkens de Mattos, se colhem os
seguintes dados sobre o estado dessas fazendas.
A contagem feita, em 1869, na de S. Bento deu apenas 2.058 cabeças de
gado vacum e 300 de cavalar; na de S. Marcos contou-se 4.800 da primeira
espécie e 262 da última. A receita de ambas foi no mesmo ano de 4:281$880, e as
despesas com o pessoal e material de 3:529$047. Tão triste e deplorável
resultado é o que se deve realmente esperar da direção de um administrador que
tem de ordenado 16$000 mensais, e do serviço de um capataz que ganha 15$000 e
de vaqueiros que percebem 12$000!
E para darmos melhor ideia da maneira porque são administradas tais
propriedades da Nação, transcreveremos aqui o que observou o Sr. Hoonholtz na
sua viagem a cujas impressões já nos referimos:
Os currais e as palhoças
[pois não há uma só casa] estão em completa ruína. Os vaqueiros pouco ou nada
entendem do ofício, montam mal a cavalo, e não usam de arreios. As selas são
pequenas cangalhas enervadas de couro cru, substância de que também são feitas
as cilhas ([1]), loros ([2]), cabeçadas ([3]) e rédeas.
Não são conhecidos os
estribos de metal; grosseiros ganchos de madeira substituem aquela parte
importante dos arreios, e tudo o mais que tem relação com os pertences de
montar, regula com o que vem de ser descrito; de sorte que o ofício de
campeiro, sobre trazer dificuldades no exercício, é um verdadeiro martírio.
Uma ou duas vezes por mês,
somente, é que saem ao campo, para tratar do gado, esses maus campeadores pouco
conseguindo fazer, porquanto, além de não ser aquela a sua especialidade, eles
tratam de despachar um serviço que lhes traz grandes incômodos.
O gado é dizimado pela “bicheira”, por não haver quem o cure de
um tal mal, e mais ainda pelas onças, que levam o arrojo ao ponto de penetrarem
os casebres dos vaqueiros, onde devoram os cães novos.
Junte-se a tudo isto, a
falta de conhecimentos peculiares ao ofício de fazendeiro, conhecimentos de
que, em geral, carecem as pessoas encarregadas da administração das fazendas, e
conclua-se daí, o estado em que estão, e a que ficarão elas reduzidas daqui a
pouco tempo. É tal a incúria, que se não encontra uma vaca para ordenhar.
A pesca e a caça são
ocupações que não demandam grande sacrifício de cômodos, e daí, o desleixo e o
abandono a que o pessoal das fazendas entrega-se a si, e os interesses
nacionais.
Nas terras do Estado não há
o menor trabalho de cultura, de modo que, a própria farinha que é base da
alimentação, é obtida pelas malocas dos selvagens, muitas vezes situadas em
pontos afastados, sendo por consequência, necessário fazer longas e incômodas
viagens.
O gado, ultimamente, tem
sido destruído por tal forma, o seu algarismo tem diminuído tanto, que nas duas
fazendas, há apenas 5.000 cabeças de cria, sem um só boi, além dos que ali
ainda estão, mas que pertencem a particulares que os arremataram na tesouraria
de fazenda.
Enunciando com fraqueza nosso juízo sobre as Fazendas Nacionais do Rio
Branco, diremos que o seu mau estado é devido às seguintes circunstâncias:
Falta de um administrador
zeloso que proponha ao Governo o que é preciso para fazer desenvolver as suas
propriedades, e que não se constitua em único e verdadeiro possuidor delas,
locupletando-se a custa do Estado.
Falta de pessoal para rodear
e tratar o gado espalhado por zona tão vasta. Destruição do gado pelas onças
que infestam essas paragens, pelas enfermidades de que não são tratados, e
pelos índios que deles se apossam.
Ajuntemos ainda a grande quantidade que necessariamente terá passado do
domínio do Estado ao particular, sem a menor indenização para os cofres
públicos, e nenhuma dúvida restará do destino que devem ter as Fazendas
Nacionais. Não há uma só razão que justifique o receio que há de vender-se tais
fazendas, e aconselhamos que o Governo com a brevidade possível o faça, pois é
o primeiro passo para o desenvolvimento da indústria criadora.
Pelo lado econômico, o fato do Governo constituir-se empresário desta
indústria, nem tem concorrido para abastecer de carne verde o mercado da
capital, quanto mais o de toda a Província, que clama por esse principal gênero
de alimentação, por outro lado, o Estado não tem tirado a menor vantagem da indústria,
não lhe tem dado ao menos desenvolvimento, e tem obstado a que os particulares
o façam, certamente com mais proveito. Com efeito, para dar-se toda a expansão
possível às Fazendas Nacionais, proibiu-se que a criação dos particulares se
estendesse pela margem direita do Rio Branco além do Cauamé, e pela esquerda
até o Igarapé do Surrão, de forma que a indústria particular só dispõe de 6
léguas de campo em cada margem do Rio, e o seu desenvolvimento encontra as
barreiras que o Estado levantou.
Pelo lado econômico, pois, há vantagens de conceder os territórios das
Fazendas Nacionais aos credores que já existem nas suas circunvizinhanças,
facilitando-lhes por essa forma a aquisição do terreno tão necessário a sua
indústria.
Opinamos que não se vendam as duas fazendas juntamente, por que seria
estabelecer o monopólio da criação, lançar essas cento e tantas léguas quadradas
na mão de um só indivíduo, e porque estamos convencidos que o Rio Branco
precisa de pequenos criadores que vão aproveitando o gado existente, fazendo
ele produzir quanto seja possível, e que não se embaracem dos pequenos lucros
do presente, mas tenham em mira dar todo o desenvolvimento que a indústria
criadora promete no futuro. Demais, para dar-se a conveniente direção à
administração das Fazendas Nacionais, a primeira providência a tomar-se é
restringir os campos de criação, reduzindo-os a extensão precisa para o gado
existente, portanto, ainda quando o Governo resolva-se a vender a um só
criador todo o gado, deve limitar o terreno ao necessário para a criação, e
reservar o restante para as concessões posteriores.
Entendemos que na venda das fazendas do Rio Branco, deve o gado vacum ser
vendido aos lotes de 500 cabeças, só permitindo que um mesmo arrematante compre
mais de um lote, quando não haja competidor. A concessão dos campos opinamos
que seja feita a partir do curso inferior do Rio Branco, nos limites das
Fazendas Nacionais, depois pelos 2 confluentes que o formam ‒ o Tacutu e
Urariquera, e daí pelos seus afluentes, seguindo elas sempre do curso inferior
dos Rios para o superior, e jamais avançando por cada tributário mais do que
tenham-se adiantado no Rio principal, além da Foz do mesmo tributário.
As concessões devem ser feitas de uma légua quadrada, porém convém que
nas demarcações se fixe que cada uma tenha segundo a margem do Rio proximamente
metade do que na perpendicular a ela, como por exemplo 2.000 braças sobre
4.500.
Isto observado e do mesmo modo determinado curtos prazos para os
concessionários demarcarem convenientemente suas concessões muito terá lucrado
aquela parte do Rio Negro, evitando-se assim as complicações que tem havido no
vale do Madeira, ocasionadas pela facilidade com que foram ali feitas as
concessões de terra e dado o longo prazo de dez anos para, dentro do qual,
serem feitas as demarcações.
O resultado dessas concessões foi que cada concessionário das terras do
vale do Madeira fez-se senhor não da porção que lhe competia, a vista do termo
de obrigação que tinha assinado perante o Governo da Província, mas do
quádruplo dela de conformidade com os limites descritos no referido termo,
devido isto a completa falta de conhecimento que desses lugares tinha o
Governo.
E assim, até 25.03.1870, o número das concessões de terras feitas naquele
vale subia a 63 e todas elas nas mesmas condições acima descritas e até hoje
sem que tenha sido uma só demarcada apesar de existir ali uma Comissão de
Engenheiros para esse fim. Se pelo lado econômico há sobejas razões que
aconselhem a venda das Fazendas Nacionais, nenhum peso merecem as razões de
conveniência política que alguns alegam para que elas continuem no domínio do
Estado.
O domínio nosso até aqueles extremos não é prejudicado, nem mais
dificilmente mantido, por ser aquela zona posse de particulares, e pelo
contrário a prosperidade que a iniciativa particular pode imprimir àqueles
estabelecimentos, hoje em decadência, os benefícios que os fazendeiros poderão
trazer a tais propriedades, a ocupação permanente delas, são títulos
irrecusáveis do nosso direito àqueles territórios.
Mas em todo o caso, aceita a nossa proposta da venda só começar dos
terrenos da parte inferior do Rio Branco e seus confluentes, para as suas
vertentes, o Governo pode reservar para o seu domínio a zona conveniente e
próxima as fronteiras. Quanto à polícia e segurança dos nossos limites, é
evidente que não são prejudicados pela propriedade particular, nem a ocupação
permanente pelo Governo da zona superior a confluência do Tacutu e Urariquera,
resolve a questão de fiscalização das nossas relações por aqueles extremos.
Todas as providencias, todos os pontos que o Governo entender
necessários para esse fim, podem ser estabelecidos independente da posse dos
particulares. Só uma questão atualmente implicaria com tais concessões, é a
determinação definitiva dos nossos limites com as possessões inglesas, mas
enquanto o Governo não consegue fixar essa linha, não pode fazer concessões
além dos territórios declarados neutros, conforme o capítulo seguinte deste
trabalho.
O Rio Branco não é só importante pelo caminho que abre para as possessões
inglesas que nos são limítrofes, e pelo papel que está destinado a representar
na indústria criadora da Província e na dos produtos que dela se tira, as suas
terras são também muito apropriadas à cultura da cana, algodão, milho e outras
espécies, e em algumas das suas serras a plantação do café encontra vantajosas
condições para oferecer muito bons frutos. Entretanto, com dificuldade ali se
obtém cereais, e a guarnição do Forte de S. Joaquim anda de palhoça em palhoça,
dos índios a procura de um punhado de farinha que lhes mate a fome! Não é que o
solo seja ingrato ao trabalho humano, porém é que o homem é rebelde à lei do
trabalho.
Não criminemos, porém, o pobre Soldado que atirado no Forte de S.
Joaquim, só almeja o dia em que voltará ao seio da família, ele não tem
interesse em cultivar este solo que amanhã abandonará por ordem superior, e
contenta-se com a libra de carne que o Estado lhe fornece. Não criminemos o
índio bruto e indolente que não conhece as necessidades da vida, que se
satisfaz com estreito horizonte em que viu a luz do dia.
A, administração pública é que deve-se pedir contas do fim que tiveram as
povoações de Poiares, São João do Mabé, Nossa Senhora do Loreto, S. Miguel do
Iparana, Senhora de Nazaré do Cariana, Lamalonga, Santa Isabel, Santa Bárbara,
Nossa Senhora do Carmo e outras, fundadas pelos portugueses e nas mãos destes
florescentes e hoje riscadas das cartas da Província.
Que medidas tem o Governo adotado para promover a imigração para aquela
região, para chamar a civilização os índios que a habitam, qual a Colônia que
o Estado aí fundou para povoar aquelas campinas, aquelas serras de clima
benigno, que fizeram os antigos aí sonhar a “Laguna Dorada”, e “El Dorado”,
em cuja procura tanto se esforçaram os espanhóis?
Tem-se contentado em degradar no Forte seis ou oito praças, entregar o
seu comando a oficiais que vivem à custa dos pobres Soldados, constituiu-se
monopolista da indústria da criação, e quando se aponta o mal que resulta de
continuar a ser criador e marchante, vacila ante receios e considerações de
nenhum valor. Diga-se a verdade, francamente, feia e descarnada como ela é,
isso é o que aproveita aos governos e aos estados, porque faz conhecer as
chagas que vão se alastrando pelo País, e da ocasião a que se lhes vá aplicando
o conveniente remédio.
Quem percorre estas regiões do Amazonas, por toda a parte cortadas de
vias que em oito ou quinze dias, no máximo, podem transportar ao Oceano os
produtos do solo que fica a 500 léguas do litoral, quem vê a força da produção
da pequena cultura que se desenvolve em alguns lugares, não pode deixar de
lastimar o abandono em que estão as forças produtoras da Província, e de pedir
aos poderes do estado que ponham uma pequena parte das rendas públicas a juros
nestas regiões.
Das centenas de contos que o orçamento do Império fixa para colonização,
distribua-se ao Amazonas uma quantia suficiente e correspondente aos recursos
que a Província encerra.
A povoação das zonas limítrofes do Império deve atrair a atenção do
Governo; será a primeira medida para fixar o nosso domínio, será a principal
condição para nossa segurança. [...] (JÚNIOR)
Bibliografia
JÚNIOR, João Ribeiro da Silva. Melhoramentos do Amazonas – Brasil –
Manaus, AM – Tipografia do Comércio do Amazonas, 1875.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
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