Quarta-feira, 20 de abril de 2022 - 08h14
Bagé, 20.04.2022
Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio,
natural da Vila de Mirandella, Comarca de Moncorvo, filho do Capitão de
ordenança Luiz Ribeiro de Sampaio e de D. Leonor da Costa, nasceu, a
13.08.1741, naquela Vila. Seguiu os estudos na universidade de Coimbra desde o
ano de 1757 até 1762, em que se formou na Faculdade de Leis. Leu no desembargo
do paço, em 23.08.1764, explicando a doutrina da legislação por “Constitutum 22 D. de Hitit. Jestam”,
presidindo o desembargador Manoel Gomes de Carvalho, e argumentando-lhe o
desembargador José Ricardo Pereira de Castro. Foi despachado para Juiz de Fora
e Provedor da Fazenda Real da Capitania do Pará por decreto de 08.03.1767, de
que tomou posse a 11.05.1767; lugar que serviu até 21.11.1772.
Depois passou a Ouvidor e Provedor da
Fazenda Real, e Intendente da Agricultura da Capitania do Rio Negro, em
setembro do ano de 1772; de que tomou posse em 27.10.1773; lugar que serviu até
outubro de 1779, e voltando para o reino chegou a ele em 23.01.1780. Foi depois
despachado para provedor da Comarca de Miranda do Douro, de que tomou posse em
07.03.1782, com o predicamento de primeiro banco.
Foi reconduzido no mesmo lugar,
fazendo-o da relação do Porto por Decreto do 26.02.1789 e sendo relevado do
dito lugar de Provedor, veio a ter exercido efetivo na Relação, que principiou
em 10.06.1794. Por Decreto de 07.01.1800 foi despachado para desembargador da
Casa da Suplicação. Sendo Ouvidor do Rio Negro, S. M. lhe fez mercê do hábito
da Ordem de N.S.J.C. Criou, sendo Provedor de Miranda, a conservatória da
fábrica de seda de Bragança, à qual deu o primeiro regulamento. (RITG, 1845)
Diário da Viagem da
Capitania do Rio Negro (1774/1775)
I. Agosto 3 ([1]).
No ano passado, de 1773, nos fins de outubro entrei a servir este lugar, e além
das recomendações, que trazia do Ilustríssimo, e Excelentíssimo General do
Estado João Pereira Caldas, para visitar; assim me persuadiam as urgentes
razões da minha obrigação. Em 1768, tinha sido a última correição ([2]),
que se havia feito, e instava a necessidade das povoações, que novamente se
visitassem. Deixei passar as cheias dos Rios para sair no princípio da vazante,
de sorte que a demora nas povoações do Rio Negro me fizesse alcançar a vazante
inteira no Rio Solimões, e entrando por ele nos princípios de outubro, saí por
esta causa neste dia. Uma segura, e decente canoa de 8 remeiros por bordo ([3]),
foi preparada para o meu transporte, e mais uma pequena para o serviço da
viagem, caça e pesca. Dois soldados, o escrivão, o piloto, a minha família,
sendo por tudo vinte e seis pessoas, era o que compunha a equipagem. Às 07h30
embarquei, honrando-me nesta ocasião com a sua assistência o Ilustríssimo
Governador desta Capitania, o Reverendo Doutor Vigário Geral, os oficiais
militares da guarnição, e todas as mais pessoas qualificadas da capital,
acompanhando-me um grande número delas em diversas embarcações duas léguas de
viagem. [...]
CCCXXVI. Passamos defronte da principal Barra do Rio Queceuéne,
chamado vulgarmente Branco por causa de cor das suas águas, e em contraposição
do Negro, no qual deságua por quatro Bocas. Também se dá a este Rio o nome de
Paraviana tirado da Nação dominante nele.
CCCXXVII.
Arroja o Rio Branco bastante cabedal de águas, que lhe comunicam muitos Rios, e
Lagos de grande extensão, que nele deságuam, e sendo os principais pela parte
do Nascente o Macoaré, os Lagos Uadúau, e Curiúcu, Uarícurí, e o Rio Uanaúau,
seguindo-se o maior deles, que é o Tacutu, que dirige as suas correntes do
nascente, e no qual desemboca o Mau, e neste o Pirara, por onde passado meio
dia de viagem por terra se entra no Rupumoni. Paralelo ao mesmo Tacutu corre o
Rio Rupumoni, que desaguando no Essequibo dá comunicação às Colônias de Guiana
holandesa, mediando também unicamente meio dia de viagem por terra do Tacutu ao
dito Rupununi, o que deu motivo a comunicação antiga dos índios do Rio Negro
com as mesmas Colônias. Pelo Ocidente deságuam no Rio Branco os Rios
Coratirímaní. O Braço do Ocidente, que se une ao Tacutu tem o nome de
Urariquera, o qual é que se julga o Rio Branco continuado, e nele deságua pelo
Norte o Parimá, famoso pelo nome, mas não pela grandeza; pois é de pequena consideração.
CCCXXVIII.
O Urariquera é caudaloso, ele banha as mais belas campanhas, que se podem
imaginar. Este Rio sempre foi navegado pelos portugueses, que em diversas
expedições entraram nele. No ano de 1740, governando este estado João de Abreu
Castello Branco entrou nele por Cabo Francisco Xavier de Andrade, na qual
ocasião subiram as Bandeiras, que ele mandou, quase dois meses de viagem.
CCCXXIX.
Em todos estes Rios habitam muitas Nações de índios, sendo as principais
Paraviána, vulgarmente chamada Paravilhana, Macuxí, Uapixána, Sapará, Paxiána,
Uayuru, Tapicarí, Xaperu, Cariponá, esta belicosíssima Nação conhecida com o
nome de Caribes na história da América. Os que vivem no Rio Branco usam de
armas de fogo, que lhes vendem os holandeses, sendo entre eles de maior
estimação o uso dos bacamartes.
CCCXXX.
Os portugueses tem navegado o Rio Branco, e todos os seus Rios colaterais,
descobrindo, e ocupando as terras, que os mesmos banham, que são extensíssimos
campos com pastos tão próprios para a criação do gado vacum, que podem
contribuir para os mais bem fundados estabelecimentos, e avultados interesses,
como ainda se espera da merecida atenção, que este objeto alcançará dos nossos
superiores.
CCCXXXI.
É o Rio Branco fecundíssimo em todo o gênero de peixe, suas margens férteis
para toda a qualidade de plantação, e o cacau lhe é naturalíssimo. A sua
abundância conduz infinitamente para a subsistência das povoações do Rio Negro,
principalmente da capital, porque anualmente se vão a ele fazer pescarias de peixe,
e tartarugas, que abundam, e suprem as faltas. Enfim se as largas campinas do
Rio Branco fossem povoadas de gado, e no mesmo Rio se estabelecessem algumas
povoações, objetos ambos, que não são de insuperável dificuldade, estou certo,
que esta Capitania chegaria a um incrível aumento na população, e não sendo
menos essencial a fortificação daquele Rio, como o mostra a vizinhança do
mesmo, de que já falamos.
Breve
Notícia do Lago Parimá, ou Dourado
CCCXXXII.
Na divisão, que temos feito do Rio Branco, incluímos o pequeno Rio Parimá, que
depois da descoberta da América tem dado corpo a decantada fábula do Lago
Dourado, que tanto tem inflamado as imaginações espanholas. Fingiu-se que um
grande Lago está situado no interior de Guiana, e que nas suas margens está
edificada a soberba, e rica cidade chamada ‒ Manóa del Dorado ‒, e que aqui é
tão vulgar o ouro, que tudo é ouro. Que esta cidade foi edificada pelos
peruanos, que para ali se refugiaram para se livrarem da dominação espanhola. Os
escritores castelhanos dão esta história por tão certa, que tem gasto imenso
cabedal em empresas, e viagens para descobrir este famoso Lago, sem que até
gora pudesse algum dos seus descobridores alcançar o prêmio de tão feliz
descoberta. As viagens de Pizarro, Orellana, Ursúa, Quesada, Utre, Berrie, e
outras muitas, que contam até o número de sessenta, dirigidas todas a este fim
se inutilizaram. Pode na verdade chamar-se a esta teimosa diligência dos
espanhóis a pedra filosofal das descobertas.
CCCXXXIII.
Os espanhóis vivem tão persuadidos da existência daquele riquíssimo Lago, e
cidade, que até chegaram a dar o título de Governador do mesmo Lago ao de
Guiana, como consta dos despachos, que se acharam em uma presa, que fez o
cavaleiro Walter Raleigh, quando procurava fazer uma descida na Guiana. O
sobrescrito destes despachos o refiro pela sua curiosidade. Diz assim: “A Diego de Palameca, Governador y Capitan General de Guyana, del
Dorado, y de la Trinidad”.
CCCXXXIV.
O mais é, que até os ingleses se persuadiram daquela mesma existência; porque
se acreditarmos alguns autores, as viagens de Raleigh se não dirigiram a outro
fim, tão inutilizadas que na Expedição perdeu a seu filho, e serviu a mesma de
pretexto ao Rei Jacob I para mandar degolar ao infeliz Raleigh, como sugestor
de empresas frívolas, e quiméricas.
CCCXXXV.
Os geógrafos na fantástica arrumação dos seus mapas descrevem este Lago nas
fontes do nosso Rio Branco, como se pode ver no Atlas, que se imprimiu para
acompanhar a geografia de Mr. François, aonde se acha o Mapa da América
Meridional feito por Mr. Brion ([4])
com a descrição do nosso Lago. O mesmo se observa no Mapa de Gomilla, e outros.
Mas não só espanhóis, e ingleses entraram no projeto de descobrir o Lago
Dourado, porque também os holandeses, como imaginários vizinhos do mesmo,
entraram nessa diligência.
CCCXXXVI.
Pelo Rio Essequibo subiu das Colônias da Guiana Holandesa, no ano de 1741,
Nicoláo Horstman a procurar o mesmo Lago, e depois de muitos trabalhos, entrou
felizmente o nosso Rio Branco, e entregando-se a sua correnteza, veio sair ao Negro,
donde passou para a Vila de Cametá, aonde ainda existia no ano, de 1773, em que
eu fui em diligência à mesma Vila, lamentando a inutilidade da sua empresa.
CCCXXXVII.
No dia 16.03.1775, em que estou escrevendo este diário, chegou a esta Vila de
Barcelos, capital desta Capitania, Gervazio le Clere, natural do bispado de
Liege, que servia à república de Holanda na mencionada Guiana, estando de
guarnição no Forte de Essequibo, e de guarda em um posto do Rio do mesmo nome,
do qual desertou [se bem que disse ele não a procurar o Lago Dourado] e
entrando no nosso Rio Branco conduzido pelos índios Paraiuánas, veio dar a uma
feitoria nossa de pescaria, portado para esta Vila donde foi transportado para
esta Vila.
CCCXXXVIII. Enfim o Lago Dourado, se
existe me persuado, que é somente nas imaginações dos espanhóis, que tenho
notícia certa ainda atualmente fazem diligência pelo achar, mas na verdade esta
matéria só deve ser tratada pelo modo alegórico, e irônico, com que dela
escreveu um autor famoso ([5]).
CCCXXXIX. Vamos continuando a nossa viagem, a qual fizemos seguindo a mesma margem Setentrional, e indo passando as Bocas superiores do mesmo Rio Branco. Às seis horas chegamos ao lugar de Carvoeiro, tendo atravessado o Rio Negro para a margem Meridional, em que ele está situado, ocupando uma língua de terra, quase rodeada de água. [...] (SAMPAIO)
Bibliografia
RTHG, 1845. Biografia
– Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Revista Trimensal de História e Geografia, Tomo VII, 1845.
SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da Viagem que em Visita, e Correição das Povoações da Capitania de S. José do Rio
Negro fez o Ouvidor, e Intendente Geral da Mesma no ano de 1774 e 1775 – Portugal – Lisboa – Tipografia da Academia,
1825.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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