Segunda-feira, 2 de maio de 2022 - 06h00
Bagé, 02.05.2022
ARTIGO II
Pelo alto da fronteira do Rio Branco, corre uma grande, e unida
cordilheira de montes ou serranias em 4° de Latitude Setentrional, na direção
de Leste Oeste. [Estampa 1ª] A porção desta cordilheira ou cadeia de serras,
que compreende o espaço da fronteira e parte superior do Rio Branco, está entre
as Longitudes de 314° e 318° Orientais à ilha do Ferro; isto é, entre as
cabeceiras dos Rios Urariquera e Uraricapari; e a margem de Oeste do Rio
Rupununi. Sobre a sua continuação: pela parte do Oriente, acompanha desde as
cabeceiras do Rio Mahu, a margem Ocidental do Rio Rupununi para a parte do
Norte.
E para o Ocidente, ela continua a ver-se sem ser interrompida,
conservando a mesma corda de serranias contíguas, e numerosas. Segundo M.
d’Anville, a ponta mais Ocidental desta cordilheira, vai terminar-se abraçada
pelo seio que faz o Rio Orenoco na sua cabeceira; como se pode ver da sua carta
da América Meridional.
Para se lhe terminar com precisão a espessura, seriam necessárias as
Latitudes da costa Boreal, tomadas pelos Rios acima que da dita cordilheira
deságuam para o Orenoco, tendo-se [como já temos] semelhantemente as da costa
Meridional em toda a extensão da fronteira do Rio Branco.
Duas linhas, uma traçada pelos pontos das Latitudes da costa Boreal, e
outra pelos pontos da costa Meridional, o espaço entre estas duas linhas, nos
daria a espessura da cordilheira. De outra sorte a sua espessura é
interminável, porque formalizando-se a três e três serras, a quatro, até cinco,
e mais, além de inumeráveis montes maiores e menores, que intermedeiam, e unem
as altas serranias que a formalizam, vai decorrendo à maneira de um Rio, que
descrevendo imensas curvaturas, se representa ora mais largo, ora mais
estreito.
Desta cordilheira aquela porção que compreende esta fronteira, pode
considerar-se como uma barreira entre a região do Orenoco, e a do Rio Branco,
porque ela existe [nesta parte] entre estes dois grandes Rios; dando vertentes
para ambos eles.
Para a parte do Norte, correm as águas vertentes de Rios que são fontes
do Orenoco, como o Parauá, Parauá-muxí, Caroni, Anucaprá, e outros, que para se
examinarem seria preciso entrar pela região do Orenoco, domínios de Espanha:
contudo, no Rio ou igarapé Anucaprá estive eu, onde tapuias habitantes dele,
desertados de povoações espanholas, me informaram de como os ditos Rios
desaguavam no Orenoco: estes tapuias conservavam alguns termos do idioma
espanhol, e também isso me persuadiu da verossimilhança das notícias que eles
me davam do Orenoco.
Eu pensava internar-me por todos estes Rios fontes do Orenoco, e
verificar por mim mesmo estas notícias que se me davam, mas não tendo eu nem a
menor insinuação para me adiantar a tanto, receei envolver a Corte em alguma
responsabilidade política, se eu me adiantasse sem ordem a entrar mais pelos
domínios de Espanha.
Ora assim como as águas vertentes que a cordilheira lança pela encosta
Setentrional deságuam para o Orenoco assim esta mesma cordilheira arroja pela
encosta austral as águas vertentes do Rio Branco, pelos Rios Urariquera,
Uraricapará, Idumé, Amajarí, Parime, Surumu, e Mahu, que são as principais
fontes do Rio Branco, como deixo dito no Artigo I.
As serras Ocidentais são cobertas de matos frondosos, e de grossas
árvores, que indicam bem a fertilidade do terreno; com quantidade de frutos
silvestres mui saborosos, e caça bastante. As chuvas foram copiosas, e
continuadas enquanto por lá andei; e me informaram os tapuias nacionais, que as
águas são ali frequentes. As serras Orientais ao contrário, são escalvadas ([1]), faltas de mato,
com grandíssimos penedos, e pedrarias inumeráveis. Se elas contém, como se diz,
algum mineral rico, eu não o afirmo mas o que sei é, que elas tem uma espécie
de cristais ([2]), que se lhe
acham superficialmente logo que se lhe cava a primeira crosta de terra: o
caráter constante destes cristais, é serem da figura de um prisma hexagonal
acabando todos piramidalmente.
Eu estive em uma destas serras no lugar em que os holandeses cavaram, e
tiraram dos tais cristais; mas nem se sabe que achassem coisa de valor, nem que
eles repetissem o exame. Eu que também fiz escavar, em diferentes lugares
destas serras, mesmo na minha presença, não encontrei coisa de maior estimação;
contudo para se fazer um juízo decisivo neste particular seria preciso empregar
na direção, e exame da escavadura, homem prático, e esta averiguação não é de
dias, há de levar mais tempo.
ARTIGO III
Nações Confinantes
As nações estrangeiras confinantes e fronteiras do Rio Branco, são os
espanhóis da região do Orenoco, e os holandeses da de Suriname. Descreverei
como estas nações se podem comunicar para o Rio Branco.
Espanhóis
Os espanhóis podem descer por qualquer dos Rios que da cordilheira
deságuam para o Rio Branco: mas como quer que seja, para se passar do Orenoco
imediatamente para o Rio Branco, precisamente se há de atravessar a sobredita cordilheira
de montanhas; e já se vê que os caminhos de comunicação do Orenoco para o Rio
Branco, podem ser tantos, quantos são os pontos da cordilheira em toda a
extensão desta fronteira. As tentativas dos espanhóis sobre o Rio Branco, se
viram já reduzidas a prática. A ambição de estender domínios por possessões
alheias, os conduziu do Rio Orenoco ao Rio Parauá, e deste ao Parauá-muxi, e
Igarapé Anucaprá, e atravessando pela cordilheira a grande serra Pacaraima,
virem situar-se na margem Oriental do Rio Uraricapará, cujo lugar denominaram
Santa Rosa, e daqui descendo para outro lugar, a que deram o nome de S. João
Batista, junto do Igarapé Caiacaia, ou Cada Cada, na margem Setentrional do Rio
Urariquera; Rio Branco até vinte e cinco para trinta léguas abaixo da Foz dos
Rios Mau, e Parime; que vinha a ser ainda muito por baixo da situação em que
temos a nossa Fortaleza.
Os perigos em que se viram nas trabalhosas passagens de tão incomodas e
perigosas cachoeiras, os escabrosíssimos passos da montanha, não lhe serviram
de obstáculo para deixarem de efetuar os sobreditos intrusos estabelecimentos
no Rio Branco, onde foram aprisionados no ano de 1775.
Holandeses
Os holandeses do Suriname não tem passo tão dificultoso, pois subindo o
Essequibo, Rio em que eles já tem estabelecimentos, vem ao Rio Rupununi, de que
conhecem a navegação, e do Rupununi com facilidade pisam as campinas do Rio
Branco, situadas entre o mesmo Rupununi, e o Rio Tacutu, continuação mais
Oriental do Rio Branco; em cuja porção de campos alagados e pantanosos,
cortados de serranias, tem as suas vertentes os Rios Rupununi, e Tacutu. Este
espaço pois, limitado ao Norte pela cordilheira, ao nascente pelo Rupununi, e
ao poente pelos Rios Mau e Tacutu, é um espaço de terreno todo de comunicação dos
domínios holandeses para o Rio Branco. Sabe-se que pelo Rio Mau subindo-se ao
Igarapé ou Rio Pirara se desembarca, e com o trajeto de doze léguas de terras,
se saí no Rupununi. Comunicação esta, que foi achada e reconhecida pela
Expedição do ano de 1781, a que foram o Dr. matemático Antonio Pires, e o
Capitão engenheiro Ricardo Franco, quando naquele tempo, pelos seus exames
pessoais, com imenso trabalho e aplicação formaram outro mapa do Rio Branco e
seus confluentes.
Mas a comunicação mais fácil, parece ser a que encontrei e reconheci na
altura das cabeceiras do Rupununi pela Latitude de 2°53’ Boreais, Longitude
318°06’ pois que dali com um trajeto de terra de duas horas vem dar-se ao
Igarapé Sarauru, que deságua no Tacutu, e este no Rio Branco; não sendo esta
comunicação, da margem do Rupununi, à nossa Fortaleza, de mais tempo do que de
cinco dias. [Estampa I ‒ Letra B] Digo parecer esta comunicação por mais breve,
a mais fácil dos domínios holandeses para o Rio Branco; por ser neste ponto o
em que mais se ajunta o Rupununi com o Tacutu, pelo Igarapé Sarauru; pois dali
em diante, bem se percebe mesmo da configuração do terreno, e da posição dos
montes e serranias, que no Tacutu não haverá outro ponto de maior aproximação
com o Rupununi.
De tudo isto se deduz, que assim como a cordilheira, que corre pelo alto
desta fronteira, é uma baliza natural que dividindo as vertentes do Orenoco,
das águas vertentes do Rio Branco, há de precisamente ser atravessada, para por
esta parte, haver comunicação dos domínios de Espanha para os de Portugal,
assim também todo o terreno que decorre entre os Rios Mau, Tacutu e Rupununi, é
um espaço que naturalmente baliza por ali a comunicação dos domínios
holandeses, e portugueses.
Franceses
Sobre o ter lembrado se os franceses de Caiena poderiam comunicar-se para
o Rio Branco, alcanço dos exames pessoais em que me tenho empregado, que este
Rio, e todas as suas fontes ficam muitas léguas ao Oeste de Caiena, e do Cabo
do Norte; além disto, não encontrando eu por parte alguma do Rio Branco,
notícia do nome francês, mais me persuado da dificuldade da sua comunicação e
assento que sem uma convenção dos holandeses de Suriname com os franceses, não
poderão estes passar ao Rio Branco; tendo necessariamente para isso de
atravessar pelos domínios holandeses.
Direi alguma coisa mais, para me fazer entender. Do Rio Maruní, que
divide os franceses dos holandeses na Guiana, não se pode facilitar comunicação
para o Rio Branco, visto que o Maruní fica a Leste do Rio Suriname, do qual só
atravessando-se o interior do País, se pode passar ao Essequibo, e deste ao
Rupununi, para vir aos campos do Rio Branco. Ora Caiena está a Leste do Maruní,
portanto, a dificuldade aumenta.
Para se dizer que eles poderiam subir por algum dos Rios que tem na Costa
da Guiana, suponhamos pelo Rio Oiapoque, que do Cabo Orange atravessa e entra
mais pela Guiana, que subindo este Rio, passassem das suas cabeceiras para as
do Rio Anauarapucu ([3]) que se diz serem
contíguas; e pela parte superior do Rio Anauarapucu descerem e atravessarem
para Oeste dele a buscarem os campos do Rio Branco.
Esta passagem, que tem por medida muitas léguas quadradas, compreendendo
terrenos já alagados, já montuosos, já matos serrados, sem Rios seguidos que
possam utilizar-se, me faz entender que é muito dificultoso procurarem por ali
os franceses o Rio Branco, entretanto que o interesse de tamanho trabalho não
se representar capaz de o pagar.
O que me parece mais, atendendo ao estado presente das cousas é que os
franceses não intentam nem terão preensões a este território, ainda que será
talvez pela falta de facilidade, como nós também experimentamos, para nos
internarmos pelo apreciável Rio Amazonas, e seus grandes, e numerosos braços
que os holandeses só querem, das serras que existem entre este Rio e o Orenoco,
índios escravos, para fazerem os trabalhos das suas Colônias na costa da Guiana
e que os espanhóis não perderam qualquer ocasião, que a oportunidade, ou o
nosso descuido lhe facilite de renovarem as suas pretensões ao Rio Branco; como
se vê da seguinte coleção. (ALMADA)
Bibliografia
ALMADA, Manoel da Gama Lobo de. Descrição Relativa ao Rio Branco e seu Território – Brasil – Rio de
Janeiro, RJ – Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e
Etnográfico ‒ Volume 24 – Kraus Reprint, 1861.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H