Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CDXXV - Manoel da Gama Lobo de Almada (1787) Parte II


Estampa I – Carta Geográfica do Rio Branco - Gente de Opinião
Estampa I – Carta Geográfica do Rio Branco

Bagé, 02.05.2022

 


ARTIGO II

 

Pelo alto da fronteira do Rio Branco, corre uma grande, e unida cordilheira de montes ou serranias em 4° de Latitude Setentrional, na direção de Leste Oeste. [Estampa 1ª] A porção desta cordilheira ou cadeia de serras, que compreende o espaço da fronteira e parte superior do Rio Branco, está entre as Longitudes de 314° e 318° Orientais à ilha do Ferro; isto é, entre as cabeceiras dos Rios Urariquera e Uraricapari; e a margem de Oeste do Rio Rupununi. Sobre a sua continuação: pela parte do Oriente, acompanha desde as cabeceiras do Rio Mahu, a margem Ocidental do Rio Rupununi para a parte do Norte.

 

E para o Ocidente, ela continua a ver-se sem ser interrompida, conservando a mesma corda de serranias contíguas, e numerosas. Segundo M. d’Anville, a ponta mais Ocidental desta cordilheira, vai terminar-se abraçada pelo seio que faz o Rio Orenoco na sua cabeceira; como se pode ver da sua carta da América Meridional.

 

Para se lhe terminar com precisão a espessura, seriam necessárias as Latitudes da costa Boreal, tomadas pelos Rios acima que da dita cordilheira deságuam para o Orenoco, tendo-se [como já temos] semelhantemente as da costa Meridional em toda a extensão da fronteira do Rio Branco.

 

Duas linhas, uma traçada pelos pontos das Latitudes da costa Boreal, e outra pelos pontos da costa Meridional, o espaço entre estas duas linhas, nos daria a espessura da cordilheira. De outra sorte a sua espessura é interminável, porque formalizando-se a três e três serras, a quatro, até cinco, e mais, além de inumeráveis montes maiores e menores, que intermedeiam, e unem as altas serranias que a formalizam, vai decorrendo à maneira de um Rio, que descrevendo imensas curvaturas, se representa ora mais largo, ora mais estreito.

 

Desta cordilheira aquela porção que compreende esta fronteira, pode considerar-se como uma barreira entre a região do Orenoco, e a do Rio Branco, porque ela existe [nesta parte] entre estes dois grandes Rios; dando vertentes para ambos eles.

 

Para a parte do Norte, correm as águas vertentes de Rios que são fontes do Orenoco, como o Parauá, Parauá-muxí, Caroni, Anucaprá, e outros, que para se examinarem seria preciso entrar pela região do Orenoco, domínios de Espanha: contudo, no Rio ou igarapé Anucaprá estive eu, onde tapuias habitantes dele, desertados de povoações espanholas, me informaram de como os ditos Rios desaguavam no Orenoco: estes tapuias conservavam alguns termos do idioma espanhol, e também isso me persuadiu da verossimilhança das notícias que eles me davam do Orenoco.

 

Eu pensava internar-me por todos estes Rios fontes do Orenoco, e verificar por mim mesmo estas notícias que se me davam, mas não tendo eu nem a menor insinuação para me adiantar a tanto, receei envolver a Corte em alguma responsabilidade política, se eu me adiantasse sem ordem a entrar mais pelos domínios de Espanha.

 

Ora assim como as águas vertentes que a cordilheira lança pela encosta Setentrional deságuam para o Orenoco assim esta mesma cordilheira arroja pela encosta austral as águas vertentes do Rio Branco, pelos Rios Urariquera, Uraricapará, Idumé, Amajarí, Parime, Surumu, e Mahu, que são as principais fontes do Rio Branco, como deixo dito no Artigo I.

 

As serras Ocidentais são cobertas de matos frondosos, e de grossas árvores, que indicam bem a fertilidade do terreno; com quantidade de frutos silvestres mui saborosos, e caça bastante. As chuvas foram copiosas, e continuadas enquanto por lá andei; e me informaram os tapuias nacionais, que as águas são ali frequentes. As serras Orientais ao contrário, são escalvadas ([1]), faltas de mato, com grandíssimos penedos, e pedrarias inumeráveis. Se elas contém, como se diz, algum mineral rico, eu não o afirmo mas o que sei é, que elas tem uma espécie de cristais ([2]), que se lhe acham superficialmente logo que se lhe cava a primeira crosta de terra: o caráter constante destes cristais, é serem da figura de um prisma hexagonal acabando todos piramidalmente.

 

Eu estive em uma destas serras no lugar em que os holandeses cavaram, e tiraram dos tais cristais; mas nem se sabe que achassem coisa de valor, nem que eles repetissem o exame. Eu que também fiz escavar, em diferentes lugares destas serras, mesmo na minha presença, não encontrei coisa de maior estimação; contudo para se fazer um juízo decisivo neste particular seria preciso empregar na direção, e exame da escavadura, homem prático, e esta averiguação não é de dias, há de levar mais tempo.

 

ARTIGO III

 

Nações Confinantes

 

As nações estrangeiras confinantes e fronteiras do Rio Branco, são os espanhóis da região do Orenoco, e os holandeses da de Suriname. Descreverei como estas nações se podem comunicar para o Rio Branco.

 

Espanhóis

 

Os espanhóis podem descer por qualquer dos Rios que da cordilheira deságuam para o Rio Branco: mas como quer que seja, para se passar do Orenoco imediatamente para o Rio Branco, precisamente se há de atravessar a sobredita cordilheira de montanhas; e já se vê que os caminhos de comunicação do Orenoco para o Rio Branco, podem ser tantos, quantos são os pontos da cordilheira em toda a extensão desta fronteira. As tentativas dos espanhóis sobre o Rio Branco, se viram já reduzidas a prática. A ambição de estender domínios por possessões alheias, os conduziu do Rio Orenoco ao Rio Parauá, e deste ao Parauá-muxi, e Igarapé Anucaprá, e atravessando pela cordilheira a grande serra Pacaraima, virem situar-se na margem Oriental do Rio Uraricapará, cujo lugar denominaram Santa Rosa, e daqui descendo para outro lugar, a que deram o nome de S. João Batista, junto do Igarapé Caiacaia, ou Cada Cada, na margem Setentrional do Rio Urariquera; Rio Branco até vinte e cinco para trinta léguas abaixo da Foz dos Rios Mau, e Parime; que vinha a ser ainda muito por baixo da situação em que temos a nossa Fortaleza.

 

Os perigos em que se viram nas trabalhosas passagens de tão incomodas e perigosas cachoeiras, os escabrosíssimos passos da montanha, não lhe serviram de obstáculo para deixarem de efetuar os sobreditos intrusos estabelecimentos no Rio Branco, onde foram aprisionados no ano de 1775.

 

Holandeses

 

Os holandeses do Suriname não tem passo tão dificultoso, pois subindo o Essequibo, Rio em que eles já tem estabelecimentos, vem ao Rio Rupununi, de que conhecem a navegação, e do Rupununi com facilidade pisam as campinas do Rio Branco, situadas entre o mesmo Rupununi, e o Rio Tacutu, continuação mais Oriental do Rio Branco; em cuja porção de campos alagados e pantanosos, cortados de serranias, tem as suas vertentes os Rios Rupununi, e Tacutu. Este espaço pois, limitado ao Norte pela cordilheira, ao nascente pelo Rupununi, e ao poente pelos Rios Mau e Tacutu, é um espaço de terreno todo de comunicação dos domínios holandeses para o Rio Branco. Sabe-se que pelo Rio Mau subindo-se ao Igarapé ou Rio Pirara se desembarca, e com o trajeto de doze léguas de terras, se saí no Rupununi. Comunicação esta, que foi achada e reconhecida pela Expedição do ano de 1781, a que foram o Dr. matemático Antonio Pires, e o Capitão engenheiro Ricardo Franco, quando naquele tempo, pelos seus exames pessoais, com imenso trabalho e aplicação formaram outro mapa do Rio Branco e seus confluentes.

 

Mas a comunicação mais fácil, parece ser a que encontrei e reconheci na altura das cabeceiras do Rupununi pela Latitude de 2°53’ Boreais, Longitude 318°06’ pois que dali com um trajeto de terra de duas horas vem dar-se ao Igarapé Sarauru, que deságua no Tacutu, e este no Rio Branco; não sendo esta comunicação, da margem do Rupununi, à nossa Fortaleza, de mais tempo do que de cinco dias. [Estampa I ‒ Letra B] Digo parecer esta comunicação por mais breve, a mais fácil dos domínios holandeses para o Rio Branco; por ser neste ponto o em que mais se ajunta o Rupununi com o Tacutu, pelo Igara­pé Sarauru; pois dali em diante, bem se percebe mesmo da configuração do terreno, e da posição dos montes e serranias, que no Tacutu não haverá outro ponto de maior aproximação com o Rupununi.

 

De tudo isto se deduz, que assim como a cordilheira, que corre pelo alto desta fronteira, é uma baliza natural que dividindo as vertentes do Orenoco, das águas vertentes do Rio Branco, há de precisamente ser atravessada, para por esta parte, haver comunicação dos domínios de Espanha para os de Portugal, assim também todo o terreno que decorre entre os Rios Mau, Tacutu e Rupununi, é um espaço que naturalmente baliza por ali a comunicação dos domínios holandeses, e portugueses.

 

Franceses

 

Sobre o ter lembrado se os franceses de Caiena poderiam comunicar-se para o Rio Branco, alcanço dos exames pessoais em que me tenho empregado, que este Rio, e todas as suas fontes ficam muitas léguas ao Oeste de Caiena, e do Cabo do Norte; além disto, não encontrando eu por parte alguma do Rio Branco, notícia do nome francês, mais me persuado da dificuldade da sua comunicação e assento que sem uma convenção dos holandeses de Suriname com os franceses, não poderão estes passar ao Rio Branco; tendo necessariamente para isso de atravessar pelos domínios holandeses.

 

Direi alguma coisa mais, para me fazer entender. Do Rio Maruní, que divide os franceses dos holandeses na Guiana, não se pode facilitar comunicação para o Rio Branco, visto que o Maruní fica a Leste do Rio Suriname, do qual só atravessando-se o interior do País, se pode passar ao Essequibo, e deste ao Rupununi, para vir aos campos do Rio Branco. Ora Caiena está a Leste do Maruní, portanto, a dificuldade aumenta.

 

Para se dizer que eles poderiam subir por algum dos Rios que tem na Costa da Guiana, suponhamos pelo Rio Oiapoque, que do Cabo Orange atravessa e entra mais pela Guiana, que subindo este Rio, passassem das suas cabeceiras para as do Rio Anauarapucu ([3]) que se diz serem contíguas; e pela parte superior do Rio Anauarapucu descerem e atravessarem para Oeste dele a buscarem os campos do Rio Branco.

 

Esta passagem, que tem por medida muitas léguas quadradas, compreendendo terrenos já alagados, já montuosos, já matos serrados, sem Rios seguidos que possam utilizar-se, me faz entender que é muito dificultoso procurarem por ali os franceses o Rio Branco, entretanto que o interesse de tamanho trabalho não se representar capaz de o pagar.

 

O que me parece mais, atendendo ao estado presente das cousas é que os franceses não intentam nem terão preensões a este território, ainda que será talvez pela falta de facilidade, como nós também experimentamos, para nos internarmos pelo apreciável Rio Amazonas, e seus grandes, e numerosos braços que os holandeses só querem, das serras que existem entre este Rio e o Orenoco, índios escravos, para fazerem os trabalhos das suas Colônias na costa da Guiana e que os espanhóis não perderam qualquer ocasião, que a oportunidade, ou o nosso descuido lhe facilite de renovarem as suas pretensões ao Rio Branco; como se vê da seguinte coleção. (ALMADA)

 

 

Bibliografia

 

ALMADA, Manoel da Gama Lobo de. Descrição Relativa ao Rio Branco e seu Território – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico ‒ Volume 24 – Kraus Reprint, 1861.

 

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·       Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·       Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·       Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·       Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·       Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·       Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·       Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·       Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·       Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·       Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·       Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·       Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·       Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Escalvadas: destituídas de vegetação.

[2]   Cristais: quartzo.

[3]   Rio Anauarapucu: tem a sua Foz ao Sul de Macapá, pouco acima do Rio Matapi. No Matapi são as mais das roças dos lavradores de Macapá.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSegunda-feira, 23 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas  T

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira  O jornalista H

Gente de Opinião Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)