Quarta-feira, 4 de maio de 2022 - 06h00
Bagé, 04.05.2022
Consta-me que nasceu na Província, hoje Estado do Pará, depois do meado
do século XVIII. Foi militar e faleceu no posto de Sargento-mor.
Sendo Alferes Porta-bandeira da Sétima Companhia do Regimento de
cavalaria da cidade de Belém e nomeado pelo Governador e Capitão-general D.
Francisco de Souza Coutinho para ir à Colônia Holandesa de Suriname a fim de
entregar uma Carta do Real Ministério ao Dr. David Nassi, residente nessa
Colônia, escreveu:
‒ Diário da viagem que
fez à Colônia Holandesa do Suriname o Alferes Porta-bandeira, etc. ‒ Foi
enviado ao governo em data de 29.04.1799 e saiu na RIHGB, Tomo 8°. A Biblioteca
Nacional possui o original de 75 folhas assinado pelo autor.
Depois, já Sargento-mor, escreveu:
‒ Memória em que se
mostram algumas providências tendentes ao melhoramento da agricultura e
comércio da Capitania de Goiás escrita e dedicada ao Conde de Linhares ‒ É
datada de 1804 e saiu na mesma Revista, Tomo 11°. Acompanha este escrito um
grande mapa dos rendimentos da Real Fazenda da Capitania de Goiás e sua
despesa, calculada desde 1762 até 1802, pelo qual se mostra a sobra que houve
nos rendimentos dos primeiros anos, e depois o excesso da despesa.
‒ Memória
sobre a Província de Goiás, seu descobrimento e população. Lisboa, 1806 ‒ Esta,
assim como a memória anterior, existia, em 1848, no Arquivo Militar. (BLAKE)
Da
Viagem que fez à Colônia Holandesa de Suriname o Porta Bandeira da Sétima
Companhia do Regimento da Cidade do Pará, pelos Sertões e Rios Deste Estado, em
Diligência do Real Serviço [1798]
OFERECIDO
A |
o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Francisco de Sousa Coutinho,
cavaleiro professo da Sagrada Religião de Malta, do conselho de Sua Majestade
Fidelíssima, chefe d’Esquadra da Sua Real Armada, Governador e Capitão General
das Capitanias do Pará e Rio Negro, etc, etc, etc.
Ilm° e Exm° Sr. ‒ A distinta honra de ser nomeado por V. Exª para ir ao
Suriname, em diligência do Real Serviço, é mais um motivo que me obriga, além
de outros muitos, a oferecer ou apresentar a V. Exª, como parte da mesma
diligência, o breve e sucinto Diário, que fiz desta viagem, ainda que
trabalhosa, felizmente concluída debaixo das acertadas ordens, instruções e
auspícios de V. Exª, e a primeira que daqui se empreendeu e executou por este
caminho, ou navegação. No decurso do mesmo Diário, e com mais extensão no fim
dele, achará também V. Exª os motivos, em que me fundo, para esperar desculpa
aos seus defeitos, especialmente pela moléstia que tenho padecido, e pela
brevidade com que me foi necessário escreve-lo, para obedecer em tudo e
prontamente às respeitáveis ordens de V. Exª.
Sobretudo porém a benignidade de V. Exª é o maior fundamento das minhas
esperanças, não só para as ditas faltas, mas para todas as mais, em que possa
ter caído contra as minhas intenções, bem patentes a V. Exª, cuja grandeza
também é só quem pode melhorar, e dar algum valor à minha apoucada fortuna, e
ao meu demérito.
Com esta consideração, e com o respeito, e todas as mais ideias, que dela
nascem, eu invoco, e inteiramente me entrego à poderosa proteção de V. Exª,
cuja preclaríssima pessoa e preciosa vida dilate Deus muitos anos para bem dos
seus súditos.
Pará, 29 de abril de 1799. De V. Exª reverente súdito, e o menor criado
– Francisco José Rodrigues Barata –
DIÁRIO
DA VIAGEM FEITA À COLÔNIA HOLANDESA DE SURINAME
Encarregando-me o Ilm° e Exm° Sr. D. Francisco de Sousa Coutinho,
Governador, e Capitão-General do Estado do Pará e Rio Negro, a entrega de uma
carta dirigida pelo Real Ministério ao Doutor David Nassí, residente na Colônia
Holandesa do Suriname, e recebendo do dito Sr. as ordens, instruções e
passaportes necessários, dei princípio a esta diligência, da qual seguindo a
ordem dos dias farei uma breve e tosca, porém exata narração, tocando de
passagem as coisas mais notáveis que encontrei na minha viagem, e nos Rios,
lugares, Vilas e cidades por onde transitei, assim dos domínios portugueses,
como da Guiana.
Ano de 1798
Março
30
Parti da cidade do Pará, capital do Estado do mesmo nome, no dia
30.03.1798, às 09h00, e seguindo viagem com a enchente fui entrar no Rio Moju,
e esperar maré no engenho de Jequeriassu, pertencente a José Ferreira. [...]
Julho
21
De madrugada atravessamos o dito Rio para a parte de Norte, e entramos
pela Boca superior do Rio Branco [digo Boca superior, porque lança as suas
águas no Negro por mais Bocas ou canais, que se formam por diferences e
dilatadíssimas ilhas], e cheguei, pelas 20h00, à Boca superior do canal chamado
Majau.
22
De manhã entrei no Rio Branco, isto é aonde ele traz todas as suas águas,
de que é riquíssimo, porque outros muitos, e assim mesmo alguns Lagos deságuam
nele. É abundante de peixe e de tartarugas, de que fazem os seus habitantes o
seu ordinário sustento, e dos seus ovos fabricam manteiga. Algumas das terras
que ele banha com as suas águas são férteis e próprias para a cultura do cacau
e café. Tem vastas campinas, que dizem ser próprias para gado vacum e cavalar,
pela propriedade e bondade dos seus pastos, e com efeito já nelas tem três
pequenas fazendas, das quais uma pertence a Sua Majestade, e todas juntas
poderão ter novecentas a mil cabeças de gado. Pelas 10h00, chegamos ao
Pesqueiro, que fica próximo ao lugar de Santa Maria, e no restante do dia
mandei os índios buscar cipó para fazer as competentes cordas para passar as
cachoeiras.
Chama-se a esse lugar Pesqueiro porque em outro tempo estava nele a
Feitoria de peixe e tartarugas para os empregados nas reais demarcações. Hoje
porém existe nele um soldado com alguns índios e índias, que cultivam mandioca
para farinhas, com as quais são municiadas as Praças militares destacadas na
Fortaleza de São Joaquim, e algumas outras que por ali passam, bem como eu fui.
O dito lugar de Santa Maria se acha situado na margem direita do dito
Rio, e a sua população é muito pequena, pois não excederá a trinta pessoas, e
não tem comércio ou agricultura de qualidade alguma.
23
Antes de romper o dia partimos do dito Pesqueiro, e juntamente o
Reverendo Padre João Duarte, vigário das freguesias deste Rio, e Capelão da
Fortaleza dele, e seguindo pela mesma margem chegamos ao anoitecer a uma praia
onde não consta que pessoa alguma chegasse em um dia, vindo do dito lugar, o
que nós fizemos, porque as equipagens das canoas remaram à porfia de qual iria
adiante, conservando-se desta sorte por todo o dia com admiração nossa.
24
Partimos de madrugada, e costeando pela margem esquerda fomos chegar,
pelas 09h00, ao lugar do Carmo, o qual se acha em terreno alto e agradável.
A sua população é pouco numerosa. Não tem comércio nem agricultura. Aqui
ficamos o resto deste dia, não só para se aprontarem alguns índios, que me
deviam acompanhar, mas também para se fazerem as cordas do cipó que havia
trazido do Pesqueiro; o que tudo ficou concluído pelas 19h00.
25
Depois de ouvirmos missa partimos [deixando o Padre com sentimento
nosso], e continuando pela mesma margem fomos pernoitar no Surumu, às 20h00.
26
Seguimos viagem, e pernoitamos no lugar onde em outro tempo esteve uma
Feitoria de peixe.
27
De madrugada continuamos pela mesma Costa, e, às 19h00, chegamos a
Caranapatuba, onde ficamos.
28
Antes de romper o dia largamos do dito lugar, e pernoitamos no sítio
chamado Maguari.
29
De manhã continuamos a nossa viagem pela margem direita, e anoiteceu-nos
pouco acima do lugar onde em outro tempo esteve a Povoação de Santa Maria
Velha, a qual hoje não tem ninguém.
30
Partimos de madrugada, e chegamos ao Rabo da Cachoeira, às 07h00 [chamam
Rabo da Cachoeira onde acabam e principiam as grandes correntezas], e, às
08h00, chegamos à pancada da mesma. Descarregamos os mantimentos e o mais em
terra, e depois tratou-se de passar as canoas, para o que mandei atravessar a
nado parte dos índios para uma pequena ilha, e a outra parte ficou em terra, e
fazendo passar por meio de uma linha de pescar uma das cordas de cipó para a
dita, e a outra para a terra, me meti à cachoeira, que assim se chamam aqui
vulgarmente as catadupas, que se encontram na maior parte dos grandes Rios
deste continente, bem como em alguns da África, da Ásia, e também da Europa,
posto que muito menores. Foi então a primeira vez que vi estas espantosas
serras aquáticas cujo horroroso estrondo, medonha vista e iminentes perigos com
que ameaçam, não deixam nas primeiras impressões de fazer acudir o sangue,
ainda aos corações mais resolutos.
Entrei, pois, pelo pequeno Canal, que fica entre a dita ilha e a terra, e
puxando-se por uma e outra parte pelas cordas, fomos com muito trabalho
subindo: e assim que a canoa chegou a ficar elevada quase perpendicularmente
sobre uma das pedras que formam a pancada ou salto, é que eu vi as cordas
estiradas, e os índios assaz repelidos pela grande correnteza que pouca força
lhe deixava para poderem puxar e suster a canoa, então julguei que esta se
perdia, e os que estávamos dentro pereceríamos; porém o índio piloto era bom;
pois que animando aos mais índios, e prometendo-lhes que eu, logo que
concluíssem e pusessem fora da cachoeira a canoa, lhes daria aguardente, eles
se esforçaram de tal modo que em menos de um quarto de hora nos puseram fora de
todo o perigo. Mandei logo dar-lhes a aguardente prometida, e tratamos de
passar a outra canoa, o que se conseguiu em menos tempo, o que feito tornamos a
embarcar os mantimentos e o mais. Como porém depois deste trabalho era já mais
de meio-dia, aqui se jantou e descansou, e pelas 14h00 continuamos a nossa
viagem assaz trabalhosa neste dia por causa das grandes correntezas, das quais
algumas não puderam os índios vencer a remos, sendo portanto preciso saltar em
terra e puxar à corda.
As 20h00 pernoitamos encostados a uma grande pedra, que se acha no meio
do Rio pouco abaixo do sítio chamado Matapi.
31
Continuamos por entre algumas ilhas, e às 16h00 fomos passar por defronte do lugar onde esteve a povoação denominada Conceição, onde hoje não habita pessoa alguma, e às 21h00 chegamos ao lugar de S. Filipe, que está em terra alta na margem esquerda do Rio. A sua população será de dez até quinze pessoas, e portanto não tem Diretor, nem comércio, ou agricultura. (Continua...) (BARATA)
Bibliografia
BARATA, Francisco José Rodrigues. Da Viagem que fez à Colônia Holandesa de Suriname o Porta Bandeira da Sétima Companhia do Regimento da Cidade do Pará, pelos Sertões e Rios Deste Estado, em Diligência do Real Serviço – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral de História e Geografia ‒ Volume 08 – Tipografia de João Inácio da Silva, 1846.
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro ‒ Terceiro Volume ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Imprensa, 1895.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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