Segunda-feira, 9 de maio de 2022 - 07h05
Bagé, 09.06.2022
14
e 15
Continuou-se na varação das canoas, e se concluiu na tarde deste último
dia.
16
e 17
Nos dois seguintes se calafetaram as canoas, e se lhes taparam alguns
rombos que na varação tiveram, e na tarde do último se botaram ao Rio, e se
carregaram.
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Depois de haver despedido os índios que me acompanharam com os Soldados
para a Fortaleza do Rio Branco, e que deviam regressar por terra até a
cachoeira onde ficou a outra canoa que acima disse, me embarquei na canoa em
que vim, e o Soldado na outra, e partimos pelo Rio Rupununi abaixo. Este Rio,
que ali traz a sua corrente da parte do Sul e se dirige para Norte, é caudaloso
no inverno; porém no verão fica apenas navegável por pequenas ubás do gentio
que tem suas habitações nas margens do mesmo. Encontramos algumas cachoeiras e
bancos de pedras, que suposto não eram perigosos, contudo nos serviam de grande
atraso; porquanto era preciso que os índios andassem, ora por água, ora pelas
margens segurando as canoas com cordas, a fim de que estas pudessem ir descendo
suavemente, para se não despenharem sobre as grandes pedrarias com a força da
correnteza.
E assim continuamos neste dia, até às 16h00, em cujo tempo principiamos a
achar melhor navegação, por já não termos os referidos obstáculos, e deste modo
continuamos até depois do Sol posto.
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De manhã seguimos sem novidade, até às 09h00, tempo em que chegamos a um
tijupar ([1])
onde havia estado gentio na enchente do Rio; e porque aqui havia muita pindoba
([2]),
e as canoas necessitavam de toldas, lhas mandei fazer, ficando tudo concluído à
noite.
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Partimos do dito lugar, e, às 09h00, chegamos à Boca de um pequeno
Ribeiro ou Igarapé, pelo qual no Rio cheio se vai para o trajeto do Pirarara, e
se vem sair no Mau. Pelas 16h00, passamos pela Boca de outro pequeno Igarapé,
chamado Macará, pelo qual se faz também trajeto para o dito Mau, do qual em seu
lugar falaremos.
Serve para marca do lugar deste o estar ele em um lugar, em que o Rio
corre diretamente quase na distância de ¾ de hora de viagem, e avistarem-se
dali Rio abaixo as serras chamadas Murá. Como os práticos disseram que em pouca
distância se achava o gentio Macuxí, situado nas margens do Lago Apequeme,
navegamos para irmos pernoitar na Boca dele até quase às 21h00, tempo em que
chegamos à Boca do outro, que eles disseram ser o mesmo, e aqui ficamos.
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Amanheceu o dia, circulamos o pequeno Lago, e porque não achamos o lugar
onde pudesse habitar o dito gentio, nos vimos obrigados a seguir viagem. Seria
pouco mais de 07h00 quando por casualidade vimos que na nossa retaguarda vinha
uma ubá de gentio. Mandei encostar as canoas à terra para os esperar; porém
eles encostaram também em grande distância, e portanto regressei a procurá-los
o que vendo eles, vieram também encontrar-me. Mandei-os cumprimentar da minha
parte pelo intérprete, e saber onde residiam, e onde estava o seu Principal; ao
que eles responderam prontamente, certificando que eles já sabiam que nós
havíamos passado, porquanto estando eles no porto onde principia o caminho para
sua morada, ouviram o estrépito dos remos das nossas canoas, e igualmente as
cantilenas dos remeiros, e logo viram que não eram ubás dos gentios, nem de
pessoas que por ali costumassem navegar.
Enfim eu lhes fiz declarar o desejo que tinha de falar ao seu Principal,
e que por isso quisera que eles me servissem de guias, ao que um deles [e era
irmão do mesmo Principal] respondeu, que não podiam voltar, porquanto iam
buscar suas mulheres, as quais se achavam em uma roça que tinham nas faldas de
um monte, e em grande distância, mas deu um guia que nos pudesse conduzir.
Partimos uns e outros, e às 10h30 fomos chegar ao referido porto, que se
acha dentro do Lago Apequeme. Saltei em terra, e com o intérprete e alguns
mais da equipagem fomos seguindo pelo caminho que o guia nos ensinava. Porém em
menos de meio caminho o guia correu adiante de nós, e o não tornamos a ver,
mas, enfim seguimos pelo mesmo lugar ora subindo e descendo outeiros
pedregosos, ora passando nas suas faldas medonhos alagadiços e pantanais, quase
às 14h00, fomos chegar a um profundo Lago. Aqui fiquei persuadido de que não
era este o caminho, porém os índios me advertiram de que era, porquanto o mesmo
Lago tanto pela parte inferior, como pela superior, estava coberto de
carananzais, e que só ali estava limpo, sinal de que era continuação do
caminho. Quadrou-me este raciocínio, e com efeito passamos a nado para a outra
banda, e ali vimos realizada a verdade do referido. Subimos pela montanha
acima, e chegando ao seu cume avistamos pequenas casas de palha, e nos
dirigimos a elas, e eis que não vimos pessoa alguma, e só indícios de que ali
haviam morado.
Novas desconfianças se me ofereceram, mandei subir acima das ditas casas
um índio para descobrir o campo, e ele me declarou que mais adiante estavam
outras três casas ou palhoças. Seguimos em sua demanda, e com efeito esta era a
residência do dito gentio, e já lá estava deitado em uma pequena e pobre maca o
índio nosso guia, o qual assim que nos viu deu suas risadas, como quem se
gloriava de nos ter enganado.
Mandei cumprimentar ao Principal e as mais pessoas que ali se achavam de
um e outro sexo, ao que corresponderam com mostras de alegria. Fiz-lhe saber
que eu queria que me desse um dos seus vassalos para servir de prático nas
cachoeiras do Rio Essequibo; mas quando eles ouviram a minha pretensão, se
tornaram tristes, e o Principal, depois de haver falado com a sua gente,
respondeu que não podia ser, porquanto tinha poucos vassalos, e estes não podia
mandar, por lhe serem precisos, não só para sua defesa, mas também para fazerem
os seus roçados para as suas plantações, pois era tempo próprio.
Fiquei desgostoso, porém instei com agrados e promessas; comi com eles
algumas frutas de mamão que me ofereceram, enfim consegui ceder ele às minhas
rogativas, o que lhe agradeci muito. Depois das três horas regressei para as
canoas, e todos me acompanharam até o porto, onde já se achavam os que acima
disse haviam ido buscar as mulheres, que todos seriam perto de cinquenta almas
de diferentes sexos e idades. Passei a brindá-los com aguardente de que
gostavam muito, e com sal de que dei ao Principal uma grande cuia, e igualmente
duas cuias pintadas.
Todos os outros queriam a mesma oferta; mas como o negócio só dependia do
Principal, dei a este mais um frasco de aguardente e uma pequena porção de
pólvora, e tratei de me despedir. A este tempo se me ofereceu mais um prático,
que eu boamente ([3]) aceitei, e
larguei do porto. Eram a este tempo já quase 20h00, e navegando até depois das
21h00, fui pernoitar no lugar onde de manhã havíamos encontrado a ubá, cuja
pequena viagem fiz para me livrar dos peditórios ([4])
que me faziam, porque de tudo que viam se agradavam.
Estes índios selvagens são de estatura ordinária, bem nutridos e com boas
feições; porém como se tingem por todo o corpo com urucu, se fazem por tanto
artificiosamente horrendos. As mulheres praticam o mesmo, usando de muita
miçanga nas pernas, braços e a tiracolo. As casas de sua habitação eram de
palha, e não se lhes divisava nelas outras coisas mais do que os seus arcos e
flechas, e a pobreza, no meio da qual vivem com muita satisfação e alegria.
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De manhã partimos do dito lugar, e com feliz viagem chegamos, pelas
17h00, à Foz do Rupununi, que tributa aqui as suas águas ao Essequibo, o qual
traz ali a sua direção da parte do Sueste. Continuamos por este Rio, e fomos
pernoitar junto a uma ilha, que é a primeira que se encontra indo do Rupununi.
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Seguimos pelo mesmo Rio, e logo, às 07h00, passamos à canal a primeira
cachoeira dele, e assim fomos continuando por outras muitas já maiores e já
menores, das quais umas passamos a canal, e outras à sirga até a noite.
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Partimos e navegamos com as mesmas dificuldades até às 17h00, a cujo
tempo chegamos ao princípio de uma dilatada cachoeira, a qual não se podia
passar no restante do dia, não só pela sua extensão, como por ser preciso
examinar primeiro por onde era navegável, pois que as grandes pedrarias que
tinha ofereciam grandes dificuldades.
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Depois de examinadas as partes por onde devíamos passar, principiamos com
esta diligência descendo as canoas à sirga, no que nos demoramos até depois das
08h00; mas logo se nos seguiram outras, que fomos passando até que as sombras
da noite nos obrigaram a descansar.
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Neste dia prosseguimos a nossa viagem, e, às 08h00, chegamos ao princípio
de uma medonha cachoeira, a qual mandei examinar pelos práticos, que voltaram
anunciando que não achavam lugar por onde passássemos sem uma grande
dificuldade e risco de vida, e que apenas havia um pequeno canal por entre duas
ilhas; porém que seria preciso limpá-lo de muitos ramos de árvores, que
embaraçavam a sua passagem. Entramos enfim por este canal, que com efeito era
como eles diziam, acontecendo-me nele o fato seguinte, pelo qual fiquei
desenganado de que os índios são insensíveis. Estava eu em pé na boca da tolda
da canoa ao tempo em que esta passava de popa, como em semelhantes lugares se
costuma, por baixo de uma árvore, cujos ramos foi preciso suspender, o que fez
um índio que estava em cima da dita tolda. Ao tempo em que este índio largou o
ramo me advertiu para que o segurasse, o que fiz, mas com tal rapidez passou a
canoa, que ela fugiu debaixo dos meus pés e eu fiquei suspenso e pendente do
ramo, e caí finalmente no Rio.
Era violenta a correnteza, e portanto eu não podia vencê-la, pelo que
segurando sempre no dito ramo diligenciei chegar à terra; porém era isto mui
dificultoso, porque o ramo estava perpendicular no meio do Rio, então chamei a
um índio da canoa para que me desse uma corda, o que fez, e no entanto todos os
mais se puseram a rir, sem que algum me quisesse ou viesse socorrer. Tal é a
triste situação de quem anda em companhia de semelhantes indivíduos faltos de
toda a humanidade. Saímos enfim do canal, quase às 15h00, e continuamos a nossa
marcha no restante do dia sem novidade.
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Neste dia viajamos encontrando apenas algumas pedras que formavam grandes
correntezas, porém sem perigo, havendo a cautela que tínhamos.
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Partimos logo que amanheceu, e navegamos, até às 14h00, sem obstáculo
algum, mas a este tempo principiou a nossa navegação a ser trabalhosa por
motivo das muitas pedras e correntezas, que principiaram a anunciar as grandes
cachoeiras que tínhamos ainda de passar. Os índios práticos Macuxís não tinham
todo o conhecimento preciso para nos guiarem, e às canoas pelos canais das
ditas cachoeiras, pelo que me disseram que pouco abaixo estava habituado o
gentio Caripúna, e que seria bom fosse ali buscar prático, porquanto eles
continuamente cursavam este Rio.
Aproveitei-me desta advertência, e mandei seguir para o lugar onde estava
o gentio, que era em um Braço do Rio na margem esquerda, onde cheguei pelas
16h00. Depois de haver mandado cumprimentar ao Principal, lhe pedi o prático,
que ele logo me concedeu dando-me um para ir na minha canoa, e dois que mandou
em uma ubá, para irem adiante indicando o canal.
Advertiu-me o mesmo Principal que não tivesse receio algum de passar as
cachoeiras, porque ainda que eram horríveis e medonhas, à vista, contudo tinham
bons canais, por não haver nelas pedras. Agradeci tudo ao Principal com as
possíveis mostras de agrado, e dando-lhe um frasco de manteiga de tartaruga,
que ele sumamente estimou, porquanto lhes serve para se untarem e pintarem os
corpos com urucu, não menos estimou duas cuias pintadas, e uma pequena porção
de sal, que também lhes dei. Este gentio é o mais respeitado entre as outras
nações que habitam naquelas vastas campinas e elevadas serras.
Ele tem estatura mais que ordinária, é assaz robusto, e não
menos o parecem as mulheres. Pelo que pertence porém aos seus trajes, usos e
costumes, não têm diferença dos mais.
Partimos do dito lugar, e chegamos, pelas 16h30, às mencionadas
cachoeiras; e precedendo a ubá dos guias, entramos nos seus canais. Com efeito,
se as outras muitas que havíamos passado eram medonhas, estas excediam, tanto
que os mesmos índios, já acostumados a semelhantes passagens, se assustaram, e
eu não menos, principalmente quando repetidos cachões d’água me entravam na
canoa, de que nos salvou a rapidez da mesma correnteza, que foi a causa de não
nos alagarmos, porquanto em breve tempo nos lançava em remansos, onde
esgotávamos a canoa da água introduzida; e assim fomos continuando até depois
do Sol posto, a cujas horas chegamos às primeiras plantações [a que nós
chamamos vulgarmente roça], pertencentes a umas mulatas holandesas, que tem
fábrica de madeiras, em que ocupam grande número de pessoas livres e escravos
próprios, tanto índios como negros.
Receberam-nos com muito agrado e hospitalidade, oferecendo-nos a casa, e
de comer com todo o asseio e profusão, e nós aceitamos com igual vontade;
porque o costume daquele País faz passar por incivis ([5])
aos que rejeitam semelhantes ofertas.
Eram quase 22h00, quando nos persuadiram ao repouso por julgarem que dele
precisávamos, muito na inteligência dos incômodos, porque de necessidade
havíamos de ter passado em tão prolongada viagem, e por tão inóspitos caminhos,
o que na verdade assim era. (Continua...) (BARATA)
Bibliografia
BARATA, Francisco José Rodrigues. Da Viagem que fez à Colônia Holandesa de Suriname o Porta Bandeira da
Sétima Companhia do Regimento da Cidade do Pará, pelos Sertões e Rios Deste
Estado, em Diligência do Real Serviço – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Revista Trimestral de História e Geografia ‒ Volume 08 – Tipografia de João
Inácio da Silva, 1846.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H