Sexta-feira, 13 de maio de 2022 - 06h00
Bagé, 13.06.2022
Setembro
1°
Com a vazante da manhã partimos do dito lugar, e fomos chegar, quase
pelas 14h00, ao Porto da Fortaleza da cidade de Demerara. Causou não pequena
admiração a nossa chegada, principalmente quando nos viram ir atravessando o
Rio, e flutuando as nossas canoas sobre as suas impetuosas ondas. Logo que
desembarquei fui recebido no Porto pelo Capitão de granadeiros, que servia de
Comandante, e pela maior parte da oficialidade da guarnição, que concorreram
movidos da novidade que lhes ocasionava o para eles estranho modo de navegar, e
bem assim o meu fardamento. Fui imediatamente conduzido ao Quartel do dito
Comandante, a quem apresentei os meus passaportes, recebendo ele ao mesmo tempo
a participação do Comandante de Essequibo, de que logo deu também parte, e da
minha chegada ao Sargento-maior, que estava fora da cidade. Ofereceu-me logo o
dito Capitão Comandante o seu Quartel, e juntamente tudo quanto me fosse
preciso, e que lhes quisesse fazer a mercê de jantar com eles naquele dia, e
todos os mais que ali me demorasse, o que com efeito aceitei neste dia,
agradecendo-lhe desde logo tudo, e pedindo-lhe me desculpasse de lhe não aceitar
o Quartel.
Porquanto este devia ser na minha canoa, a fim de conter em sossego a
minha equipagem, por este ser uso da minha Nação. No restante da tarde se
divulgou por toda cidade a minha chegada, e muitas pessoas concorreram à
Fortaleza movidas pela curiosidade de me verem, e as canoas em que eu havia
ido. Os oficiais, e com especialidade o dito Capitão de granadeiros, não eram
menos curiosos que o Comandante de Essequibo; pois que logo me rogaram lhes
quisesse comunicar os trabalhos de minha viagem, e os lugares e Rios por onde
transitei, como também em que parte havia dado princípio à minha navegação, ao
que eu respondi, escutando-me eles atentos, e com muita admiração. Entretanto
fomos para a mesa, a qual foi servida com muita abundância de delicadas
iguarias, e com todo o asseio e ordem dispostas, e nos seus aparelhos se
achavam também as armas de Inglaterra, do que coligi ([1])
que com esta oficialidade se praticava o mesmo, que me disse o Comandante de
Essequibo.
Presidia na mesa o Capitão Comandante, o qual suscitou a continuação dos
sucessos da minha viagem, ficando eles persuadidos de que tais empresas eram só
as que testemunhavam bem aos soberanos a resignada obediência dos vassalos. Eu
então lhes disse, que eles ignoravam que os portugueses em todos os tempos
foram prontos em sacrificar a vida pelos seus amáveis soberanos, cujas
bandeiras arvoravam em todas as partes do mundo; que obedeciam e respeitavam a
aqueles, mais como filhos que como vassalos, com fidelidade e amor tão puro,
que por eles se exporiam a tudo, esquecendo-se de quanto lhes poderia servir de
escusa, e mostrando-se antes ofendidos, quando se lhes contemplam os seus
interesses pessoais, para deixarem de os empregar no serviço do soberano e da
Pátria. Que à Nação portuguesa bem se podia aplicar o pensamento do famoso e
antigo poeta ([2])
Per damna, per caedes, ab ipso ducit opes,
animumque ferro.
E como os seus feitos eram públicos, isto me desculpava e livrava da nota
de suspeito. Quanto ao vasto território do Brasil, disse-lhes que era abundante
de todos os produtos mais preciosos da natureza, e que a agricultura e o
comércio ofereciam nele muitas vantagens, as quais obrigavam aos nacionais
europeus a deixar a mãe pátria, e a virem a este novo mundo estabelecer-se, entranhando-se
nas partes mais remotas, mas que nem por isso ficavam privados de gozarem, como
todos os outros vassalos, das sábias providências, das honrosas mercês, e
finalmente de todas as graças, que do trono continuamente dimanam ([3])
a favor de seus serviços, e da felicidade pública e particular; e que os
militares recebiam honra e gosto quando eram enviados a dificultosas
diligências, que portanto não entendessem que eu tinha feito um grande serviço,
pois que maiores os estavam continuamente fazendo outros no Brasil.
Isto os surpreendeu de tal sorte, que me persuadi que eles ainda não
sabiam verdadeiramente que coisa era servir, o que me não admirou muito, porque
sendo os militares que se achavam à dita mesa 22, apenas haveria entre eles 4
ou 5, cujo caráter inculcasse respeito e probidade, e todos os mais não
excediam a idade de 20 a 22 anos, sendo já alguns destes Capitães. A primeira
saúde ([4])
que se fez foi ao Rei de Inglaterra, e logo depois à nossa augusta soberana, o
que agradeci quanto me foi possível, demonstrando-lhes o prazer que nisto me
davam. Já eram mais de cinco horas quando nos levantamos da mesa, e então me
recolhi para as canoas, as quais ainda estavam servindo de objeto de admiração
a uma imensidade do povo. Isto, confesso que me causou algum pejo, por ver que
as ditas canoas, que não tinham aparato algum, nada ofereciam de notável senão
a sua forma para eles nova, e apenas provavam a obediência e o ânimo dos
portugueses, como eu lhes havia ponderado.
2
Quase às 08h00, fui procurar o referido Capitão de granadeiros no seu
Quartel, e ele me conduziu ao Sargento-maior, que já a este tempo havia chegado
de fora. Chamava-se este oficial George Wilson, sujeito que desde o instante em
que o vi me cativou com as suas atenções, afabilidade, e outras excelentes
qualidades. Já lhe haviam sido apresentados os meus passaportes pelo Capitão de
granadeiros, os quais tornou a ver perante mim. Quando parti do Pará, logo me
lembrei de que eu tinha de apresentar os ditos passaportes aos magistrados e Comandantes
militares das nações estrangeiras, a que me dirigia, e persuadido de que eles
se admirariam do grande número das Vilas e Lugares do meu trânsito, e que
portanto respeitariam mais o nosso território, pedi aos Comandantes e diretores
das nossas povoações que anotassem, no reverso dos mesmos passaportes, o dia,
mês e ano, em que eu por ali passei, e que ficaram registrados nos livros
competentes, o que todos fizeram. Reparou pois o dito Major nestas anotações, e
me perguntou o que indicavam, eu então lhe disse que todos os viajantes eram
obrigados a apresentarse aos Comandantes militares e Diretores das Vilas e
lugares por onde passavam, para estes examinarem os seus passaportes, e para
constar que tinham cumprido com este dever se faziam aquelas declarações.
Não deixou ele de se admirar de tão grande número de povoações; porém eu
lhe acrescentei que não eram só estas, pois que haviam muitas nos diferentes
Rios que desaguavam no grande Amazonas, por onde eu não tinha passado. Depois
disto passou a exigir de mim a mesma narração, que eu tinha feito aos oficiais,
a qual ele ouviu com menos surpresa de que aqueles, ou porque também teria
passado por outros alguns incômodos, ou por ter mais lição dos sucessos
portugueses, pois que afinal me respondeu que uma das maiores vantagens, que
considerava aos nossos soberanos, era terem intrépidos vassalos. Logo depois me
perguntou quando pretendia eu seguir a minha viagem? Ao que respondi, que logo
que me fosse concedida a licença para isso. Sem perda de tempo expediu a
competente participação ao Tenente-Coronel Comandante Geral, que estava em uma
plantação chamada Decurabana, e então me disse que não sabia se o dito
Comandante me concederia licença, porquanto suposto eles não estavam em viva
ação contra a Colônia de Suriname, contudo eram inimigos, e que talvez por isso
me não permitisse a licença.
A esta reflexão disse eu que a minha Nação estava em paz e boa harmonia
tanto com a holandesa, como com a inglesa, e que portanto esperava da retidão e
generosidade desta me não opusesse dúvida alguma. Pedi ao dito me quisesse
dizer se acaso havia ali algum magistrado civil, a quem me devesse apresentar,
ao que me respondeu que havia o Governador Civil, mas que não tinha obrigação
de lá ir, porquanto a sua jurisdição não compreendia em coisa alguma aos
militares, mas certificando-o de que, apesar de estar dispensado desta
obrigação, contudo sempre o queria cumprimentar por civilidade, para o que me
quisesse mandar ensinar a casa onde ele residia, então este atenciosíssimo oficial
mandou logo aprontar 2 cavalos, nos quais montamos e fomos para a cidade, e me
conduziu à casa e à presença do Governador, chamado Antonio Beajom, holandês de
Nação, e de idade de quarenta anos pouco mais ou menos. Logo que o
cumprimentei, lhe fiz saber que eu era português, e como passava por aquela
cidade em caminho para Suriname, a devida atenção me obrigava [ainda que as
leis do País me dispensassem] a rogar a S. Exª me quisesse dar ocasiões, em que
eu lhe pudesse mostrar o prazer que tinha em conhecer de perto a uma pessoa, e
a um Governador, que já amava pelas notícias que tinha da paz e sossego em que
conservava os povos confiados a seu governo.
Ele agradeceu ao meu cortejo com mostras de muita benignidade,
oferecendo-me para tudo quanto dele precisasse. Não se esqueceu de me perguntar
pela saúde da nossa Augusta Soberana, e de seu augusto filho o Príncipe
Regente, ao que eu satisfiz certificando-o de que, segundo as últimas notícias
que no Grão Pará havíamos recebido, se achava a Rainha ainda doente, e o
Príncipe de saúde, e que eu lhe agradecia muito este cuidado. Informado pois
pelo Major da minha derrota ([5]),
me perguntou quando pretendia eu partir; e respondendo-lhe que logo que tivesse
licença, ele então me quis persuadir que devia descansar por mais alguns dias
da fadiga que tinha tido, mas eu lhe disse que só teria descanso quando desse
conta da minha comissão. Eram mais de duas horas da tarde quando nos despedimos
e recolhemos para a Fortaleza, e, às 15h00, fomos para a mesa, na qual se
praticou o mesmo que no antecedente dia, e depois fomos para o Quartel do dito
Major, aonde nos entretivemos com algumas notícias relativas ao interior da sua
Colônia.
Então me disse que a Nação inglesa se achava de posse desta cidade, e das
de Essequibo e Berbiche, por onde eu ainda havia de passar, porém que o governo
civil era em tudo holandês, e que as leis desta Nação em nada se tinham
alterado, à exceção de se tirar aos governadores holandeses o governo das
armas, porque está cometido tão somente ao Tenente-Coronel Comandante inglês,
chefe de toda a tropa das ditas três cidades, e que tudo isto se havia assim
praticado em favor do Príncipe de Orange, cuja bandeira se içava nas fortalezas
nos dias em que em outro tempo se costumava, arvorando-se porém ao mesmo tempo
na parte superior à da Nação inglesa.
Às 18h00, fui para a minha canoa, onde não achei novidade alguma mais do
que dizer-me o Soldado, que me acompanhava, ter continuado a concorrer muita
gente ao porto para verem as ditas canoas. (Continua...) (BARATA)
Bibliografia
BARATA, Francisco José Rodrigues. Da Viagem que fez à Colônia Holandesa de Suriname o Porta Bandeira da
Sétima Companhia do Regimento da Cidade do Pará, pelos Sertões e Rios Deste
Estado, em Diligência do Real Serviço – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Revista Trimestral de História e Geografia ‒ Volume 08 – Tipografia de João
Inácio da Silva, 1846.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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