Sexta-feira, 27 de maio de 2022 - 06h10
Bagé, 27.06.2022
Diário
de uma subida pelo Rio Corentyne, na Guiana Britânica, em 1836. Por Robert
Hermann Schomburgk.
No período de 1835-1836, explorei o Rio Essequibo até 3°30’N, e o Rio
Rupununi até 2°30’N, e me parecia importante escolher algum dos outros Rios da
Guiana; com a esperança de que, seguindo a torrente em direção às suas
nascentes, pudéssemos adentrar ao interior na direção da Serra Acaraí; e também
poder, ao mesmo tempo, investigar as potencialidades do país vizinho de suprir
as demandas de uma crescente Colônia. Portanto, de acordo com o plano
apresentado à sua Excelência Sir James Carmichael Smyth, o Rio Corentyne foi
escolhido para esse fim.
O escasso conhecimento que os colonos tinham desse Rio, e os relatos
daqueles que ocasionalmente visitaram as suas regiões mais baixas descrevendo
sua formidável vocação para a colonização, por isso mesmo, mereciam um exame
mais acurado. A fim de poder dedicar minha atenção ininterruptamente ao
objetivo principal da Expedição, envolvi o Sr. Vieth como ornitólogo, o Sr.
Heraut, que havia me acompanhado na Expedição anterior, como desenhista, o
Tenente Losack, do 69° Regimento, e os senhores Cameron e Reiss, que se
ofereceram para me acompanhar como voluntários.
02 a 18 de setembro de 1836 –
Deixamos Demerara com destino ao Rio Berbice. Como o Rio Corentyne era pouco conhecido, eu sabia que era
praticamente impossível conseguir um transporte direto até aquele Rio. Em
Berbice fui obrigado a fretar uma escuna para nos transportar para “Plantation
Skeldon”, margem Ocidental do estuário do Rio Corentyne,
onde chegamos no dia 9 de setembro, e fomos recebidos com toda gentileza e
hospitalidade pelo Sr. Ross. De acordo com os arranjos que eu fizera com o
proprietário, o Sr. Wolff, esperava encontrar um número suficiente de índios na
Plantation Mary’s-hope para incorporar à tripulação. Mary’s-hope está situada
na Foz do Rio, e como eu estava ansioso para determinar sua posição geográfica,
fui até lá na manhã seguinte e encontrei, para meu pesar, poucos índios,
insuficientes para tripular as corials, o que atrasou minha viagem em alguns
dias, durante os quais determinei posição em Latitude 6°02’15”N. e Longitude
57°01’47”W. [...]
21 a 24 de setembro de 1836 –
Estávamos em pleno equinócio ([1])
de outono, fiz uma série de observações meteorológicas a cada hora por quarenta
e oito horas. O barômetro mostrava que estávamos a cerca de trinta metros acima
do mar.
04 de outubro de 1836 –
Partimos de manhã cedo rumo à cascata de Avanavero, objetivo de nossa atual expedição.
A manhã estava nublada e a visibilidade reduzida a menos de vinte metros. O
termômetro, às 06h00, marcava 25°C para a temperatura ambiente e 27,8°C para a
temperatura da água. Passamos por numerosas ilhotas rochosas estratificadas,
as camadas inclinam-se 65° rumo Sul e, aparentemente, são de formação trapeana
([2]).
Jamais tinha visto uma crosta tão negra de óxido de manganês em camadas tão
grossas sobre as rochas como aqui. [...]
11 de outubro de 1836 – Fiquei
bastante surpreso ao verificar que três corials tripuladas por Caribes, que não
faziam parte da minha Expedição, nos seguissem à distância. No dia seguinte,
não pude evitar que eles se juntassem a nós, e como eram mais numerosos adotei
todas as precauções necessárias para evitar problemas. À noite nossas corials,
por segurança, eram acorrentados e, durante o deslocamento a minha corial,
tripulada por Warrows, ia sempre à retaguarda. Nossa Expedição acrescida destes
parceiros indesejados chegava a cinquenta e oito pessoas. Eles nos
acompanharam, enquanto subíamos o Corentyne por uns 20 km. Acima de Tomatai, o
Rio está tomado por pedras; algumas colinas de cerca de 50 m de altura são
avistadas na margem Norte. Considero que sejam um prolongamento das montanhas
Twasinkie pelas quais passei, em 1835, no Rio Essequibo, praticamente no mesmo
paralelo; e com caraterística geológica semelhante. [...]
14 de outubro de 1836 – Nosso
progresso, no dia seguinte, na direção S.S.E., foi bastante lento. As rochas e
ilhas eram tão numerosas que nossos guias tinham, de ir à frente diversas
vezes, para reconhecer a melhor passagem antes que pudéssemos nos aventurar
com nossas corials. Esses rochedos gigantescos são a marca registrada mais
notável, do Essequibo, mas, no Corentyne são ainda mais numerosos e de iguais
dimensões. Raros tem o formato anguloso, a maioria deles é ovoide ou em forma
de cúpula; todos são parcialmente revestidos com o brilho metálico do óxido de
manganês. Encontramos vários blocos menores amontoados e o espaço entre eles
preenchido com a mesma estranha e volumosa matéria que eu havia observado
quando subi o Essequibo, e que estou muito inclinado a considerar como produto
de uma fusão. O cenário é muito interessante; a profusão anárquica das rochas,
a torrente, as numerosas ilhas, cada uma com sua atração peculiar; mas, a
característica mais marcante é certamente a floresta de lacis ([3]).
As belas plantas aquáticas em plena floração; o escapo ([4])
acastanhado claro, as flores densas, nuas, e de cor lilás, contrastam com as
estéreis rochas graníticas. Muitas delas estavam florindo e sua beleza
exuberante e saudável mostrava que elas estavam perfeitamente adaptadas à este
ambiente tropical. [...]
15 a 16 de outubro de 1836 –
Passamos, na manhã seguinte, por uma pedra formidável, chamada pelos Caribe de
Timehri. Ela não chama a atenção pelas suas dimensões, mas pelo grande número
de gigantescos petroglifos gravados nela, um dos quais mede mais de três
metros. O Rio continua repleto de rochas e ilhas, serpeando no rumo S.E. por 16
km, quando se estreita e flui diretamente para o S. por quase 24 km.
17 de outubro de 1836 – Depois de passarmos por uma curva do Rio,
observamos várias colinas em ambas as margens e, mais adiante, chegamos a uma
grande Bacia, cercada por colinas de 18 a 30 m de altura. O Rio precipitava-se
em inúmeras corredeiras, os flocos brancos de espuma desciam como que para nos
felicitar, o ruído estrondoso das águas e a neblina que se formava sobre as
colinas do Sul, abafavam nossas vozes – era um recado sutil de que aqui a
natureza imperava. Precisávamos acampar, e dei as devidas ordens para montarem
nossas tendas. Os Caribes me recomendaram voltar, e, informaram que embora
existisse um caminho, ele só era transitável na estação chuvosa, quando o leito
do Rio estava cheio e os obstáculos menores. Pareceu-me curioso ter ouvido
somente agora a impraticabilidade de ultrapassar as quedas adiante de nós. Quando
me neguei a seguir essas orientações, nos dois últimos dias, meus guias não
haviam absolutamente mencionado quais eram esses obstáculos, e como eu havia
sido, sistematicamente, alertado de maneira similar durante a minha Expedição
anterior, e conseguira, com muita segurança e pertinácia, ultrapassar cada
entrave apontado, eu nutria, agora, as mesmas esperanças.
18 de outubro de 1836 –
De manhã nós reconhecemos o terreno, e, depois de puxarmos as corials por cima
de um leito de pedras, cruzamos, obliquamente, um rápido, e logo em seguida
estancamos diante de um monte de pedras, que, quando o Rio está cheio, é o
berço de uma catarata, hoje apenas um pequeno filete d’água serpeava sobre a
superfície irregular e enegrecida. Pareceu-me um bom local para montar
acampamento considerando que este lugar permitiria que se realizasse o
transporte das corials, mas minhas esperanças desmoronavam-se a cada passo
sobre os enormes obstáculos de pilhas de pedras que tornavam nosso progresso
mais difícil e moroso. Às vezes, deparávamo-nos com perigosos despenhadeiros em
que era preciso saltar para atravessá-los ou acompanhar o fluxo por caminhos
sinuosos através de penedos, e que, num passe de mágica, sumia e apenas o ruído
vindo dos subterrâneos nos denunciava que continuava rolando sob nossos pés,
fazendo o seu reaparecimento logo adiante, onde menos se esperava. Algumas
rochas estão dispostas em prateleiras e exibem orifícios circulares
parcialmente preenchidos por pedras de quartzo. Uma dessas maiores cavidades
tinha 90 cm de profundidade e 25 cm de diâmetro. Muitas rochas estavam
revestidas com diversas plantas; uma espécie de orquídea e agaves ([5])
eram as mais notáveis entre elas. Os aglomerados de flores amarelas brilhantes
ressaltavam a beleza da primeira, enquanto o longo e esguio escapo do agave,
adornado com numerosas flores, ornavam extraordinariamente, a rocha estéril. À
nossa direita ouvimos o ruído fragoroso de uma catarata, onde pairava uma densa
névoa, um bando de andorinhas voava através desta nuvem, subindo e descendo
como se encantadas estivessem com a magnífica umidade proveniente das
minúsculas gotículas. Visitamos a catarata, mais tarde, e sua magnificência
superou tudo que eu tinha visto antes na Guiana. A velocidade com que a massa
de água se precipita a 9 metros de altura, é que cria o spray responsável pela
nuvem que havíamos observado antes. [...]
23 de outubro de 1836 – Esta
manhã, nós, sem muito entusiasmo, iniciamos nossa descida. Chegando a Tomatai,
a Aldeia Caribe, verificamos que a maioria dos Caribes estava ausente, tinham
permanecido apenas alguns deles, chefiados pelo Cacique Smith, que nos
acompanharam até o posto de Oreála. Pouco depois de nossa chegada, uma grande
corial [com cerca de 12 m de comprimento], com Caribes do Rio Wayombo, aportou
e exibiu um salvo-conduto das autoridades em Nickierie, povoado holandês na Foz
do Corentyne. Ouvimos, com grande espanto, que eles iam subir o Rio, a fim de
atravessar por terra até o Essequibo, e daí seguir para as terras Macúsie, com
a intenção de trocar alguns produtos por escravos. Eles, sem qualquer, pudor
afirmavam que este era o seu objetivo, e nos mostraram armas e outros artigos
de comércio para esse fim e, também, nos asseguraram que os Caribes do
Corentyne deveriam acompanhá-los, e que o chefe, Smith, havia sido designado
para esse propósito, há alguns meses, a fim de viabilizar Expedição. Nossas
suspeitas foram confirmadas, e o comportamento dos nossos Caribes finalmente
explicado. Como estávamos indo na mesma direção, eles acharam que nossa
presença interferiria na missão deles, e todos os ardis foram usados para
impedir que ultrapassássemos as cataratas. Descobrimos, também, mais tarde, que
nos haviam sonegado a informação da existência de um caminho pelo qual, através
de um riacho, poderíamos ter contornado as quedas e que até as grandes corails
poderiam ter sido transportadas sem grandes dificuldades. Depois de refletir se
deveríamos retornar às cataratas e forçá-los a nos mostrar a passagem, achei
que ficara evidente, agora, mais do que nunca, que eles usariam todos os
recursos para impedir que levássemos adiante nosso intento, e estando tão perto
da costa, voltei a meu antigo plano de subir o Berbice. Assim, outro Rio da
Guiana Britânica seria explorado, e nosso objetivo final de adentrar até a
Serra Acaraí poderia ser alcançado. Embora a Expedição pelo Corentyne não tenha
concluído sua Missão, o reconhecimento feito neste caudal proporcionou-nos
coletar algumas informações de suma importância ‒ verificamos que suas margens
são adequadas à implantação de projetos colonização, permitiu que analisássemos
sua peculiar formação mineralógica e a de seus arredores e, por fim, que se
constatasse a possibilidade de a Guiana possuir reservas de carvão. Aquele Rio,
que era representado em todos os mapas anteriores como de pouca extensão, demostrei
ser quase igual ao Essequibo, e o local onde antes assinalavam como sendo sua
nascente encontrei um Rio de 823 m de largura. De fato, considerando todas as
circunstâncias, concluo que os três principais Rios da Guiana Britânica
provavelmente têm suas fontes na mesma cadeia de montanhas, e possivelmente,
fluem de um mesmo Lago, cuja existência me foi relatada pelos índios.
Infelizmente a descrição deles foi muito vaga e contraditória para merecer
crédito. (SCHOMBURGK, 1837)
Bibliografia
SCHOMBURGK, Robert Hermann. Diário de uma Subida pelo Rio Corentyne, na Guiana Britânica, em 1836 /
Diário de uma Ascensão do Rio Berbice, na Guiana Britânica, em 1836-7 ‒
Inglaterra – Londres ‒ The Journal of the Royal Geographical Society of London,
Volume The Seventh, páginas 285 a 301 & 302 a 350, 1837.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] A palavra latina equinócio significa “noites iguais”, ocasião em que o dia e a noite tem a mesma duração
– 12 horas. Os equinócios ocorrem nos meses de março e setembro, indicando as
mudanças de estação. No mês de março, o equinócio marca o início da primavera
no Hemisfério Norte e do outono no Hemisfério Sul e no mês de setembro o
equinócio marca o início do outono no Hemisfério Norte e da primavera no Hemisfério
Sul.
[2] Rocha trapeana (traprock): qualquer uma das várias rochas magmaticas
(rochas eruptivas) de grãos finos, densas e escuras; também chamada de “armadilha” (trapa).
[3] Lacistemataceae: arbustos ou árvores, em geral pequenas. Família
com dois gêneros, Lozania S. Mutis e Lacistema Sw., com cerca de 15 espécies encontradas
nas regiões tropical e subtropical das Américas.
[4] Escapos: caules que sustentam as flores da coroa dos aguapés.
[5] Agave: gênero de suculentas da família Agavaceae, originárias do
México, Estados Unidos, América Central e América do Sul.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
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