Sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021 - 09h52
Bagé, 26.02.2021
Foz do
Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXXVII
En Brasil el
surgimiento y arraigo de movimientos socio-religiosos como el Movimiento de la
Santa Cruz, motivó la afluencia de población Ticuna del Perú y de Colombia,
contribuyendo a la formación de aldeas con Ticunas adeptos a este movimiento.
[...] Porto Cordeirinho, como muchas otras aldeas Ticuna del territorio
brasilero, fue creada en los años setenta debido a la influencia del movimiento
religioso de la Santa Cruz, liderado por el brasilero José Francisco da Santa
Cruz quien a su paso por la región generó un fuerte impacto sobre los pueblos
indígenas, especialmente sobre los Cocama y Ticuna, quienes lo consideraron el
Mesías que venía para redimirlos de sus pecados. (GARCÉS)
Primeiro
Contato com a Irmandade
Quando realizei minha
primeira incursão pelos amazônicos caudais, de 01.12.2008 a 26.01.2009, tive a
oportunidade de vislumbrar os enormes cruzeiros que altaneiros ocupavam
posições de destaque na maioria das Comunidades ribeirinhas pelas quais eu
passava. Em Belém do Solimões, a maior de todas as Comunidades Ticunas, situada
à margem esquerda do Rio que lhe empresta o nome, observei curioso não só o
templo da Irmandade e sua grande cruz característica, mas, sobretudo a
vestimenta de alguns membros da seita que ostentavam longas togas brancas e
traziam invariavelmente grandes cruzes de madeira penduradas ao pescoço.
A
OCCAE e os Cocamas
Quando contatei os
Cocamas, também em dezembro de 2008, na Comunidade Prosperidade, liderada pelo
Cacique Almir, estes me relataram que, na década de setenta, muitos deles
haviam aderido ao chamamento do líder messiânico José Francisco da Cruz,
participando ativamente desde a fundação da Ordem Cruzada Católica, Apostólica
e Evangélica (OCCAE). O OCCAE é um movimento messiânico-milenarista que
influenciou significativamente as atividades sociais, culturais, econômicas e
políticas das Comunidades ribeirinhas indígenas e não-indígenas.
Atualmente, os Cocamas
adeptos da OCCAE tentam resgatar sua identidade indígena encontrando um ponto
de equilíbrio entre as rígidas regras de conduta impostas pelo movimento
religioso e seus costumes ancestrais.
Irmandade
da Santa Cruz e a Descida do Juruá
Nesta Expedição pelo
Juruá colhi, novamente, informações a respeito da Irmandade da Cruz, desta
feita na Comunidade dos Cintra, através da Sra. Maria de Nazaré de Souza
Correia que fez menção a um milagre alcançado através de um chá feito com
lascas da cruz erigida na Comunidade pelo próprio Irmão José Francisco da Cruz
nos idos de 1968. A fé inquebrantável da Sra. Maria de Nazaré despertou,
definitivamente, minha atenção para este movimento messiânico que, como tantos
outros, através dos tempos, emergem na Amazônia galvanizando simpatizantes de
todas as raças e credos.
Irmão
José Francisco da Cruz
O movimento messiânico
liderado pelo Irmão José foi desencadeado após o mesmo ter uma visão “celestial divina”, nos idos de 1960, que
o orientava a partir para uma missão redentora pela América Latina levando na
mão direita “a cruz” e, na esquerda,
o “santo evangelho”. Tomou, então, o
nome religioso de José Francisco da Cruz, missionário do Sagrado Coração de
Jesus, apóstolo dos últimos tempos.
El impacto de la visita Del Hermano José Francisco da
Cruz fue impresionante porque coincidió con un aumento del nivel máximo del Rio
Amazonas, dos metros por encima de nivel de la década anterior, que se mantuvo
durante la década siguiente. (REGAN)
O momento em que o
Irmão José Francisco da Cruz se apresentou aos seus futuros seguidores não
poderia ter sido mais propício. Foi um período atípico em que as águas do
Solimões se mantiveram, durante uma década, no seu nível máximo o que era
interpretado pelos seus seguidores como um sinal do Armagedom. O movimento
tinha uma visão de mundo nitidamente apocalíptica. Acreditavam que a
civilização estava em crise e somente um grande cataclismo seria capaz de
desencadear um salutar processo de renovação. Certamente a década das grandes
cheias foi um dos elementos fundamentais que permitiram que a pregação
apocalíptica fosse capaz de contagiar os corações e as mentes dos ribeirinhos. O
Irmão José pregou pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru e foi expulso
da Colômbia em 1969. O pregador curava os doentes com orações, medicava-os e
deixava em cada Comunidade uma junta diretiva para a Irmandade e um estatuto
para orientar os cultos e normas de conduta dos fiéis.
Os enormes cruzeiros
eram manufaturados com a madeira da árvore Palo Sangre (Pau de sangue –
Marcetella moquiniana). Em 1971, chegou a Iquitos, e plantou a cruz em Morona
Cocha. Regressando ao Brasil, em 1972, criou um povoado na margem do Igarapé
Juí, pequeno afluente do Rio Içá, afluente da margem esquerda do Rio Solimões,
num lugar que denominou de Lago Cruzador onde edificou a sede espiritual da
Irmandade, transformando-a num centro dedicado à produção agropecuária, à saúde
e à educação. Nesse local faleceu, no dia 23.06.1982, aos 69 anos de idade.
Antes de falecer, indicou o seu sucessor, um descendente dos Cambebas, chamado
José Walter Neves. Neves, tão logo assumiu a sua função, reorganizou a
hierarquia da ordem, nomeando uma nova diretoria administrativa, privilegiando
indígenas e levando em frente o projeto do seu fundador de construir a Vila
Espiritual da Irmandade de Santa Cruz. Estima-se que no Brasil existam 20 mil
adeptos da seita, sendo a metade de Ticunas.
II
– Origens da Missão Cristã com os Ticuna
Fonte: A Igreja
Católica e os Povos Indígenas do Brasil: os Ticuna da Amazônia (Irmão Édson
Hüttner)
5. A Irmandade da Cruz
No ano de
1972, o irmão José da Cruz implanta a Ordem Cruzada Católica, Apostólica e
Evangélica [OCCAE] nas Comunidades ribeirinhas e nas aldeias Ticuna do Alto
Solimões. Irmão José Francisco da Santa Cruz foi considerado como profeta e
messias entre os índios e a população do Alto Solimões.
Nasceu no
dia 03.09.1913, em Várzea Alegre, Município de Cristina, no Estado de Minas
Gerais.
Casou-se
com 24 anos e teve sete filhos. No ano de 1944, após assistir às missões dos
padres redentoristas, teve a visão do coração sagrado de Jesus, a Cruz na mão
direita e o Evangelho na mão esquerda. Na segunda noite, viu as três pessoas da
Santíssima Trindade. As visões levaram-no a retirar-se com uma cruz para um
lugar isolado para meditar. ([1])
No ano de 1962, saiu em peregrinação de Norte ao Sul do Brasil. Passou também
na Argentina, Paraguai, Peru e Colômbia. No Peru, em 1969, começou a escrever
os estatutos e normas de seu movimento. ([2])
Depois, em 1972, vai para a Colômbia, mas expulso pelas autoridades, se dirige
para o Alto Solimões [nas margens do Igarapé Juí afluente do Rio Içá]. A este
lugar deu o nome de Lago Cruzador, que passou a ser a sede e ponto de
divulgação de seu movimento, até o dia em que faleceu, no mesmo lugar, em
23.06.1982. Ele mesmo se chamou de “Missionário
do Coração de Jesus”. O impacto da OCCAE sobre brancos e índios deve-se à
pregação e às exigências feitas nas Comunidades. Guareschi escreve sobre o tipo
de religião pregada pelo Irmão José:
A religião
da Cruz é essencialmente “espiritual”,
recusando-se a tratar assuntos que sejam “sociais”,
de uma maneira ou outra. As pregações apelam para a conversão individual do
coração e da mente ao Senhor.
Qualquer
assunto que tenha a ver com a política em geral [e muito maçom a política
partidária] não pertence à religião. [...]
Na
realidade, e por isso mesmo, a religião da Cruz não deixa de ser política. Ao
proibir e ao se recusar a discutir este assunto, ela toma partido, justamente
pelo fato de se alienar. [...]
Na doutrina
da Santa Cruz, há um respeito e um culto bastante acentuado à Bíblia, seja ela
católica, protestante ou qualquer outra. O movimento está baseado na doutrina e
liturgia da Igreja Católica. [...] A religião da Cruz é ainda extremamente
sacramental, mítica. [...] Cremos que não se pode negar que o Movimento da Cruz
tenha diversos traços messiânicos, como a presença do Irmão José Francisco da Cruz,
como Messias [...]
A maior
parte dos Ticuna do Solimões decidiu seguir o movimento do Irmão José dentro
dos pressupostos de todas as suas normas, doutrinas, bem como a exigência de um
novo estilo de Comunidade orientada pelo signo da Cruz. De acordo com os
estatutos da OCCAE, verifica-se os seguintes eixos da sua doutrina:
‒ A crença num único Deus Todo-poderoso, criador
do céu e da terra e do Mar.
‒ Jesus Cristo é o único meio de salvação.
‒ A Bíblia é a fonte da doutrina.
‒ Ser católico significa ser honesto, praticante
de boas obras.
‒ O sacerdote nomeado pela Ordem tem autoridade
para celebrar o batismo, casamentos e confissões.
‒ Adorar a cruz todos os dias.
Em
entrevista gravada com o irmão Valter Neves da Cruz numa de suas igrejas em
Tabatinga, perguntei-lhe sobre o significado da Cruz para a Irmandade. Ele
respondeu:
Vou lhe
dizer uma coisa, a Cruz é o sinal do cristão [...] Nós temos 94 pontos que
guardamos sobre a Cruz;
Primeiro: a
Cruz é aliança de Deus com os homens, Árvore da vida, farol de esperança, sinal
do perdão, escadaria do céu, primeira porta do Brasil, forma a ligação com os
povos.
O movimento
da Cruz não tem nenhum vínculo com a igreja católica, visto que em seus
estatutos não admitem que seus membros participem de outra religião. A ruptura
que se estabeleceu com a Igreja Católica, segundo Ari Oro, foi pelo fato de que
os missionários capuchinhos negaram o sacramento do batismo aos Ticuna da
OCCAE, o que levou o fundador a institucionalizar a figura do sacerdote.
Outro
aspecto é que os Ticuna da Cruz não reconheceram os Ticuna católicos, pois não
se consideravam como índios. Numa Comunidade da Cruz, ainda hoje, o cotidiano
dos índios se identifica àquele pensado e determinado pelo irmão José. Na
Irmandade da Cruz, a igreja [feita de madeira, sempre junto a uma grande cruz
erguida ao lado] representa o vínculo de encontro e doutrinação.
Todos os
dias, às 06h00 da manhã, é feito o hasteamento da bandeira da cruz, e pela
tarde, às 18h00, é feito o louvor da mesma com cantos. Quando chega a noite, às
19h30, todos se reúnem na igreja para celebrar o culto. Os Ticuna, nas
celebrações, e em geral durante todo o dia, vestem-se de branco e carregam uma
pequena cruz de madeira presa por cordão ao peito.
Toda essa
estrutura religiosa, embora enfraquecida, permite assegurar no dia-a-dia a
fisionomia de um novo “etos”
religioso e comunitário que, por um lado, proíbe os vícios, mas que neutraliza
a cultura, a experiência mística original indígena do sagrado enraizado no
significado da terra.
A Irmandade
da Cruz proibiu a Festa da Moça Nova em suas Comunidades. Na entrevista que fiz
com o irmão Valter das Neves Cruz, perguntei-lhe o porquê dessa proibição. Ele
disse:
Nossa
Irmandade não permite, pois, se você quiser pertencer à Cruz, deve deixar de
lado as festas e as bebidas, por isso nós proibimos. (HÜTTNER)
Bibliografia
GARCÉS, Claudia Leonor López. Ticunas
Brasileros, Colombianos y Peruanos: Etnicidad y Nacionalidad en la Región de
fronteras del alto Amazonas/Solimões – Brasil – Brasília, DF – Tese de
Doutorado CEPPAC – UNB, 2005.
HÜTTNER, Édson. A Igreja Católica e os Povos
Indígenas do Brasil: os Ticuna da Amazônia – Brasil, Porto Alegre, RS –
EDIPUCRS, 2007.
REGAN, Jaime. Hacia la Tierra sin Mal – La
Religión del Pueblo en la Amazonía – Peru – Iquitos – CETA – Centro de
Estudios Teológicos de La Amazonía, 1993.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul
(1989)
· Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do
Exército (DECEx);
· Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar
do Sul (CMS)
· Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
· Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil
– RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande
do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER –
RO)
· Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do
Sul (AMLERS)
· Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola
Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Reza a lenda que sua mãe, no sexto mês de
gravidez, adoeceu gravemente. Um de seus parentes a fez prometer perante o
Sagrado Coração de Jesus que, se ela e a criança sobrevivessem, seu filho seria
um servo de Deus.
[2] Sofrendo de hanseníase, a família pretendia
interná-lo em um leprosário, mas fugiu levando uma Bíblia e prometeu que, se
fosse curado, tornar-se-ia um pregador e ergueria cruzes por onde passasse.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H