Sexta-feira, 5 de março de 2021 - 06h00
Bagé, 05.03.2021
Foz do Breu, AC/
Manaus, AM ‒ Parte XLII
Ao partirmos de Ipixuna, gostaria de
agradecer a atenção que nos dedicaram os amigos Maria Consuelo e Raimundo, da
Pensão Juruá.
Soldado
Mário Elder Guimarães Marinho
O Sd Mário é o exímio piloto da lancha
de apoio e encarregado de nossa logística. Para evitarmos os piuns que infestam
as margens lodosas do Juruá e desnecessárias paradas, Mário nos abastece com
água, frutas e bolachas no talvegue do Rio. Ele é o responsável, também, de
encontrar o local ideal para montarmos nosso acantonamento nas Comunidades
ribeirinhas, no interior das escolas, templos ou residências.
O aportamento diário final é feito a
partir das 14h00, depois de termos remado aproximadamente 85 km em oito horas
consecutivas. Algumas condicionantes alheias à nossa vontade podem alterar esta
programação como, por exemplo, longos trechos de até 40 km dentro de áreas
indígenas (Comunidade Condor – Comunidade Santa Maria) sem uma única Comunidade
de ribeirinhos. Quando eu e o Marçal concluímos nossa jornada diária e chegamos
à uma Comunidade, o Mário já providenciou a montagem do acampamento e o
descarregamento do material da lancha.
Soldado
Marçal Washington Barbosa Santos
O Sd Marçal é meu parceiro de remadas
e o cozinheiro da Expedição. Sabendo que os desafios do Juruá seriam maiores
que os dos Rios Madeira e Amazonas, treinou com afinco nas águas turbulentas do
Tapajós. Temos, eventualmente, remado mais de 100 km em um único dia e o
formidável guerreiro Munduruku chega ao final de cada jornada cantando e
sorrindo sem esboçar qualquer sinal de cansaço. A primeira providência dele ao
aportar é preparar os caiaques para a próxima jornada e, logo concluída esta
etapa, o nosso cozinheiro se dedica à preparação de nossa “almojanta”, já que nossas atividades diárias só permitem que
façamos uma única refeição quente ao dia. Algumas vezes, o preparo dos
alimentos é feito na cozinha dos amigos ribeirinhos e condimentada com temperos
retirados da horta dos mesmos.
10.01.2013
– Partida para a Comunidade Ituxi
Acordamos às 05h30, horário antigo, e
nos deslocamos para o Porto Juruá II, do empresário Abraão Cândido. Partimos ao
alvorecer, as poucas nuvens tornavam a progressão mais difícil sob o Sol
abrasador. Chegamos, finalmente, às 15h30, à Comunidade Ituxi ([1]),
depois de remar 102 km. O Mário tinha conseguido autorização para acamparmos na
Escola Manoel Fernandes, a residência do Professor, contígua à sala de aula
estava ocupada pela família do pescador Francisco Sales da Silva que estava de
mudança para Ipixuna. Depois do banho e do “almojanta”,
ficamos ouvindo histórias de pescadores.
11.01.2013
– Partida para a Com. das Piranhas
Mantendo nossa rotina diária, partimos
antes de o Sol nascer. Logo depois da partida, começou a cair uma chuvinha fina
e gelada que nos acompanhou até nosso destino na Comunidade das Piranhas ([2]),
a 81 km de distância. Aportamos, por volta das 13h30, e o Sr. Antônio Santana
da Silva havia nos informado que a Com. Monte Lígia, encravada em uma bela
região de terra firme, estava a apenas uma hora de voadeira com motor de 8 Hp
(tipo rabeta), não quis arriscar e optamos por pernoitar na Comunidade das
Piranhas. O Sr. Antônio permitiu que nos instalássemos na casa do Professor ao
lado da Escola que se encontrava vazia. A Falta de higiene nas Comunidades é
muito grande, na maioria delas não existe uma passarela de madeira que permita
um deslocamento seguro sem ter de pisar na fétida mistura de lama e fezes de
animais que perambulam livremente e se refugiam da chuva ou ao anoitecer, sob
as casas. As casinhas (sanitários), quando existem, são meros estrados com um
buraco na madeira e os dejetos caem diretamente no chão onde aves e suínos dão
prosseguimento ao tratamento dos mesmos.
12.01.2013
– Partida para a Comunidade Condor
Alcançamos a Comunidade Monte Lígia às
08h20, duas horas exatas depois de partir. Infelizmente as referências de que
dispúnhamos para tomar a decisão não eram suficientes para escolher a melhor
opção. Chegamos, às 11h30, à Comunidade Condor ([3])
depois de remar apenas 55 km.
Tínhamos um enorme vazio, de 40 km, a
partir daí até a Comunidade Santa Maria. Instalamo-nos na escolinha, como de
praxe e, depois do banho e do “almojanta”,
veio me procurar um dos membros da Comunidade, visivelmente embriagado, que
suspeitava que fôssemos da Polícia Federal. Argumentei que se fôssemos da
Federal, a lancha seria muito mais potente e não de 13 Hp como a nossa, e que,
se os agentes tivessem de pernoitar no local, o fariam em sua confortável
embarcação e jamais em acanhadas barracas. Novamente os ribeirinhos relataram
sua preocupação em relação ao comportamento dos Culinas que promovem saques nas
residências em que gentilmente são acolhidos para pernoitar quando se deslocam
para Ipixuna. Infelizmente, alguns pequenos grupos liderados por chefes sem
escrúpulo criam um estigma perigoso em relação a todo o povo Culina ([4]).
Em Ipixuna, havíamos topado, diversas
vezes, com um bando sujo e maltrapilho de Culinas que bebiam álcool puro
indiscriminadamente. Os homens agrediam violentamente suas mulheres e crianças
Durante estas borracheiras. É uma pena observar a decadência de alguns grupos
liderados por maus Tuxauas. O uso de bebidas alcoólicas pelo povo Culina
tornou-se crítico nos últimos 20 anos. A maioria dos jovens de apenas 12 anos
já bebe álcool puro e, quando termina o dinheiro das bolsas assistencialistas,
para adquiri-lo misturam água à gasolina, que recebem do governo, para
separá-la do álcool e o bebem de canudinho.
Com o alcoolismo, aumentou a violência
no seio das famílias e nas Comunidades em geral assim como as mortes por
afogamento e doenças em decorrência do álcool.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Comunidade Ituxi: 06°57’57,6” S / 71°18’09,7”
O.
[2] Comunidade das Piranhas: 06°50’31,7” S /
71°01’21,6” O.
[3] Comunidade Condor (06°44’54,5” S /
70°47’21,2” O.
[4] Os Culina (ou Kulina) habitam
tradicionalmente nas planícies dos Rios Juruá e Acurauá (afluente do margem
esquerda do Rio Tarauacá) e pertencem à família linguística arawá. Os Culina se
autodenominam Madija, que significa “os
que são gente”. Os Culina formam um grupo de pouco mais de 700 membros e
ainda preservam sua língua e cultura.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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