Segunda-feira, 8 de março de 2021 - 10h57
Bagé, 08.03.2021
Foz do
Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XLIII
Ipixuna, AM – Eirunepé,
AM II
13.01.2013
– Partida para a Comunidade São José
Depois de remar durante
4 horas, avistamos a Comunidade S. Maria. Em todo esse percurso, de 40 km,
avistamos somente uma pequena Aldeia Culina às margens do Igarapé Penedo
próxima de sua Foz no Juruá. Ao ultrapassarmos o Rio Gregório, fomos informados
da existência de um Furo próximo à Com. Cordeiro. Depois de certificar-me de
que não havia nenhum acidente natural ou Comunidade no laço que deixaríamos
para trás, decidi experimentar o Furo na forma de um “S” muito aberto. A correnteza obviamente era forte já que, em vez
dos quase 07 km, percorreríamos pouco mais de cem metros. O Marçal levou uma
queda, mas agilmente montou no caiaque e continuou a navegação. Passamos a
chamar o local de “Furo do Marçal” ([1])
já que este ainda não tinha sido batizado. Fomos informados do Furo Cavado ([2]),
próximo à Comunidade São José e partimos para ele. O Furo localiza-se no final
de um enorme “M” invertido. O Furo,
pelo Google, estava localizado na margem direita e próximo ao meio da curva à
esquerda mas, considerando que os Rios de terras baixas mudam constantemente,
enveredamos pelo primeiro furo que achamos, um pouco mais a montante do “Cavado”.
Era na realidade o
Igarapé do Pinheiro que dá acesso a um Lago interior coberto de canaranas e a
um Igapó que mais parece um infinito labirinto arbóreo. Retiramos os troncos
que bloqueavam a entrada e enveredamos pela estreita montanha russa fluvial.
Enganchamos, eu e o Marçal, sob um enorme tronco, o Marçal caiu do caiaque e
empurrou o meu que estava trancado sobre enormes toras. Liberado, não consegui
frear e fui levado pela rápida correnteza, o trajeto lembrava um toboágua
natural, passei por cima e por baixo de troncos de árvores caídas e desviei das
espinhentas palmeiras javaris (Astrocaryum javari). Depois de diversas curvas,
cheguei a um escuro e enorme igapó, à direita de minha rota uma claridade
chamou minha atenção e rumei para lá. Chamei, em vão, pelo Marçal, perdera
minhas cartas na descida abrupta e não encontrava meus óculos, eu estava
desorientado. Achei que, se seguisse a correnteza, poderia sair daquele medonho
labirinto.
Lago Maldito ‒ Canaranas
(Jonas
Fontenelle da Silva)
[...] Lago em que havia à superfície esparsas
Grandes vitórias-régias e falenas
E em que hoje existe a canarana apenas ... [...]
Morre aos venenos do timbó medonho...
– Assim tombei nas lutas desumanas,
Tal a Descrença envenenou-me o Sonho!
Esperei pelo
companheiro e nada, naveguei pelo enorme Lago em forma de meia lua sobre as
canaranas, cujas afiadas bordas cortavam e enchiam minha pele de minúsculas
farpas, enquanto meu caiaque enroscava nos intransponíveis cipós tiriricas.
Meu colossal caiaque “Cabo Horn” não fora projetado para
aquelas paragens, o suporte do leme enroscava na vegetação aquática – o esforço
era sobre-humano. Fui forçado a passar por cima de enormes vitórias amazônicas
([3]) e
depois de me arrastar por uns 500 m que mais pareceram dezenas de quilômetros,
desisti de encontrar caminho pelo maldito Lago do Pinheiro. Voltei até o ponto
de onde abandonara o igapó e tentei navegar entre as árvores submersas e, novamente,
a progressão era dificultada pelo tamanho do “Cabo Horn”, depois dessa frustrada tentativa voltei para o Lago
para descansar.
Recuperei o fôlego e
tentei, novamente, achar o caminho pelo igapó, desta vez caminhando a pé por
entre as árvores e rebocando o caiaque. Exausto, voltei para o Lago e decidi me
preparar para dormir naquele local e tentar encontrar uma saída no dia
seguinte. Tentei pernoitar em um local seguro me amarrando a uma árvore
conhecida como pau-de-novato ([4])
para dormir, mas ao esbarrar numa de suas bromélias fui expulso pelas terríveis
tachi ([5]),
desci da árvore e voltei, pois, para uma área limpa do Lago e me preparei para
pernoitar a bordo do caiaque.
Fiz uma limpeza sumária
no caiaque, vesti o salva-vidas e coloquei sobre a embarcação um material
alaranjado que o Angonese comprara para servir de acento e que poderia ser
avistado à distância. Era uma temerária decisão já que o Lago era infestado de
jacarés-açus, mas eu estava esgotado, fraco, a musculatura enrijecida, cada contração
muscular doía, cada atividade física exigia um enorme esforço e consumia uma
considerável energia. O Sol já estava quase sobre o horizonte quando ouvi, ou
senti, o ruído de uma rabeta. Depois de alguns minutos, avistei ao longe a
silhueta do Marçal, com sua tradicional camiseta vermelha de navegação, de pé
em uma voadeira – o suplício terminara. O Sr. Francisco de Assis Cassiano da
Costa e seu filho Antônio José da Silva Costa colocaram o caiaque atravessado
sobre a voadeira e com extrema habilidade me conduziram, contra a corrente,
pelo mesmo Igarapé em que eu entrara. Enquanto o Antônio, na popa, manejava a
rabeta com muita agilidade, seu pai Francisco, na proa, corrigia habilmente o
rumo com o remo.
Um final feliz para um
dia de pouca progressão, mas que servirá de ensinamento para o resto da vida de
cada um de nós. Seja em operações militares ou mesmo nos deslocamentos de
ribeirinhos, os Furos devem ser usados com muita cautela, tendo em vista as
radicais modificações a que estão sujeitos. Da noite para o dia, seu curso pode
ser interrompido ou obstaculizado por árvores caídas. Nos deslocamentos onde se
utilizem diversas embarcações, devem-se empregar precursores devidamente
assessorados por hablocs ([6]).
A economia de tempo e combustível determina que estes atalhos sejam utilizados
devidamente.
Não há condições de se
manter atualizadas as informações sobre cada um deles, tendo em vista a
inconstância tumultuária do Rio Juruá, basta ver a quantidade de arrombados,
sacados e furos que são criados continuamente. O Mário, preocupado conosco,
desencadeara uma verdadeira operação de resgate. Abastecera as rabetas dos
ribeirinhos da Comunidade São José e do Boia (senhores Daniel Gomes da Silva e
Francisco Gomes de Souza) com nossa reserva de combustível e, graças a isso,
não tivemos de experimentar um solitário e perigoso pernoite no Lago do
Pinheiro, povoado pelos temíveis e monstruosos jacarés-açus que já tinham
vitimado alguns ribeirinhos em circunstâncias similares.
Ficamos hospedados,
naquela noite, na sala da residência do Sr. Francisco de Assis Cassiano ([7]) e
o Marçal preparou um saboroso carreteiro para treze pessoas, nosso anfitrião
tem quatro filhos homens e quatro mulheres. Durante a refeição, comentei com
ele que o Santo Padroeiro da Engenharia Militar é São Francisco de Assis ([8]),
seu homônimo, e que meu pai se chamava Cassiano, uma interessante e agradável
sincronicidade. Graças à ação da equipe de apoio eu sobrevivera a este perigoso
incidente e esta equipe me acompanhava graças à
intervenção oportuna e determinante de meu Amigo e Ir:. General Avena.
14.01.2013
– Partida para a Com. Praia do Hilário
Chegamos à graciosa
Comunidade Praia do Hilário ([9])
cedo, depois de percorrer 43 km, o dia anterior tinha exigido por demais de
nossos corpos e precisávamos recuperar nossas energias antes de nos atirarmos a
uma longa jornada. Dizem que a primeira impressão é que conta e, esta, foi a
mais agradável possível. As residências da Comunidade estão perfeitamente
alinhadas e ostentam, à sua frente, uma bela passarela de madeira construída
pela Prefeitura de Eirunepé e a Escolinha embora careça de manutenção, é muito
melhor projetada que as dos Municípios de Guajará e Ipixuna.
O único problema que
vimos foi novamente porcos perambulando soltos. O Sr. Francisco, líder da
Comunidade, gentilmente convidou-nos para jantar. Durante a refeição os porcos
alojados sob a sua casa, faziam o maior estardalhaço e ele nos confiou que os
animais eram do vizinho e que não reclamava para não abalar a amizade entre
eles. A grande reivindicação da Comunidade era a respeito da Escola Nossa Sr.ª
da Auxiliadora que precisava de dedetização para desalojar morcegos e formigas
e que fosse concluída a instalação dos sanitários.
15.01.2013
– Partida para a Comunidade Miriti
Recuperados, decidimos
remar uns 100 km para deixar pouco mais de 80 para o último dia. Novamente os
botos tucuxis deram seu ar de graça e um casal deu um show à parte executando
piruetas com seus belos corpos cinzentos totalmente fora d’água.
Chegamos bastante
cansados à Comunidade Miriti ([10]),
da família Evangelista de Souza depois de remar 101 km. Os Evangelistas
permitiram que ocupássemos as instalações do templo (Assembleia de Deus). A
gurizada se encantou com os filmetes de nossa amazônica jornada mostrados, no
meu computador, pelo Mário.
16.01.2013
– Partida para a Eirunepé
Partimos cedo e nossa
jornada foi abreviada por conta de mais um destes “arrombados” do Juruá. Logo que a operadora do celular deu sinal,
liguei para o Tenente PM Ricardo pedindo apoio.
16
a 20.01.2013 – Eirunepé
Remamos 85 km até
Eirunepé ([11]) onde
fomos recepcionados cordialmente pela Guarda Municipal, que nos acolheu e
indicou-nos uma área para aportar temporariamente as embarcações, até que o
Comandante da Polícia Militar, 1° Ten PM Ricardo chegasse com seus homens e
viaturas. Deixamos nosso material nas instalações da PM e nos encaminharam ao
Hotel Líder, onde fomos acomodados confortavelmente, no primeiro andar, pela
sua querida gerente Eny Martins de Alencar que tratou-nos com muita
cordialidade e simpatia. Depois do banho, fomos convidados gentilmente pela
simpática Sr.ª Eny para almoçar, apesar do adiantado da hora. Logo em seguida
apareceu o Venerável Francisco Djanir da Grande Loja Maçônica de Eirunepé e
tentamos, juntos, localizar, em vão, o Prefeito.
Foi muito bom desfrutar
novamente de instalações sanitárias descentes e tomar banho com água inodora e
incolor. O Ir:. Francisco Djanir, Venerável da loja Maçônica Luz e Ordem do
Juruá n° 14 veio até o hotel nos cumprimentar logo depois do almoço. Partimos
em busca do jovem Prefeito Joaquim Bara Neto. Eu tinha ficado impressionado com
os relatos dos ribeirinhos sobre ele e queria conhecê-lo pessoalmente. Conheci
também nesse dia o Sr. Pedro, parente do TCel Pastor que se prontificou a nos
ajudar no que precisássemos.
Prefeito
Bara
“Ser Pobre e Humilde Não é Defeito,
Queremos Bara Para Prefeito”
Só conseguimos
encontrar o Prefeito no dia seguinte e me surpreendi quando me apontaram um
trabalhador carregando um carrinho de cimento que me garantiram se tratar do
Prefeito Bara. O carismático líder estava no comando e na execução da operação
“tapa-buracos”, da via que dá acesso
à Universidade do Estado do Amazonas (UEA), preocupado em concluir a operação
antes do início das aulas. No dia seguinte, encontramos novamente o Prefeito
capitaneando um mutirão cívico-sanitário e dali fomos juntos a um restaurante
mais reservado onde pude, finalmente, entrevistá-lo.
O Prefeito foi pescador
e agricultor e tornou-se mais tarde Vereador de Eirunepé. Nas últimas eleições,
resolveu candidatar-se Prefeito com o intuito de auxiliar o então Prefeito
Dissica que tentava a reeleição. Sua intenção era captar parte dos votos do
adversário de Dissica, mas o que aconteceu é que Bara acabou se elegendo por
uma diferença de 396 votos.
O Prefeito cercou-se de
um secretariado capacitado, competente e comprometido com a causa pública com o
qual tivemos oportunidade de conviver nesses poucos dias. O Sr. Ribamar, Secretário
da Cultura, ex-ativista da UNE, franqueou-nos as instalações da UEA para que
pudéssemos atualizar nossas informações e proporcionou-nos uma visita prazerosa
ao Lago dos Portugueses que banha a sua Cidade.
Agradecimentos
Eirunepé foi a primeira
Cidade do Juruá em que pudemos contar com o apoio irrestrito de representantes
dos segmentos mais importantes da sociedade. Guardaremos, com muito carinho, os
bons momentos que desfrutamos com cada um deles.
²Total Parcial: Ipixuna ‒
Eirunepé = 554,0 km
²Total Geral: Foz do Breu ‒ Eirunepé = 1.283,5 km
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul
(1989)
· Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do
Exército (DECEx);
· Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar
do Sul (CMS)
· Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
· Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil
– RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande
do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER –
RO)
· Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do
Sul (AMLERS)
· Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola
Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Furo do Marçal: 06°49’07,5” S / 70°36’56,3” O.
[2] Furo Cavado: 06°47’36,5” S / 70°32’16,2” O.
[3] Vitórias amazônicas: antigamente denominadas
vitórias régias.
[4] Pau-de-novato: Tachigali paniculata Aubl.
[5] Os troncos ocos das “Tachigalia” servem de moradia para as temíveis e ferocíssimas
formigas conhecidas na Região Norte como “tachi”
que pertencem ao gênero Pseudomyrmex. O botânico alemão Richard Moritz
Schomburgk descreve seu primeiro contato com esses pequeninos seres, nos idos
de 1844, na antiga Guiana Britânica: “Estava
tentando quebrar um de seus galhos quando centenas desses insetos começaram a
correr para fora de pequenas aberturas no tronco, me cobriram completamente e
no auge da fúria dominaram minha pele com suas mandíbulas e, vomitando um
líquido branco, enterraram seus terríveis ferrões em meus músculos. Devo
confessar que depois disso um horror misterioso me invadia toda vez que
cruzávamos com uma dessas árvores”. (SCHOMBURGK)
[6] Hablocs: habitantes locais.
[7] Residência do Sr. Francisco de Assis
Cassiano: 06°47’15,0” S / 70°31’25,2” O.
[8] São Francisco de Assis: nasceu em Assis,
Itália, em 1182, filho de um mercador italiano e de uma nobre francesa. Em
1202, participou das lutas entre Perúgia e Assis e, mais tarde, contra a região
da Púglia. A missão de Francisco nestes conflitos era eliminar os obstáculos
inimigos que dificultavam a progressão das forças de Assis e construir os meios
de transposição necessários para que suas tropas prosseguissem sua marcha.
[9] Comunidade Praia do Hilário: 06°44’20,4” S /
70°23’54,6” O.
[10] Comunidade Miriti: 06°42’47,7” S / 70°05’59,1”
O.
[11] Eirunepé: 06°42’47,7” S / 70°05’59,1” O.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H